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Arara espera por 20 anos por namorado no Rio e casais sofrem com extinção

Arara-canindé no Bioparque do Rio, localizado na região de São Cristovão; espécie espera por namorado há duas décadas - Juan Carvalho/Divulgação
Arara-canindé no Bioparque do Rio, localizado na região de São Cristovão; espécie espera por namorado há duas décadas Imagem: Juan Carvalho/Divulgação

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

12/06/2021 06h00

No Rio de Janeiro, uma arara chamada Julieta tenta viver uma história de amor. Há vinte anos, ela voa até o Bioparque do Rio para visitar o namorado. Neste tempo todo, o crush está sob cuidados de biólogos e não pode se juntar a ela. Julieta é a única arara-canindé a viver em liberdade no Rio de Janeiro, enquanto o namorado não pode sair para se unir a ela. Julieta está solitária, mas não por muito tempo.

O amor interrompido pela ameaça de extinção é uma marca nos relacionamentos entre araras no Brasil. Com exceção de Julieta, outras araras-canindé fluminenses precisam ser mantidas em cativeiro para que a espécie não despareça. Em 2022, porém, elas começarão a ser liberadas e deverão repovoar o estado e seus morros, onde são consideradas tecnicamente extintas.

Arara-Canindé em Bioparque do Rio de Janeiro - Bernardo Oliveira/Divulgação - Bernardo Oliveira/Divulgação
Arara-Canindé em Bioparque do Rio de Janeiro
Imagem: Bernardo Oliveira/Divulgação

As araras são importantes para o reflorestamento e equilíbrio ecológico. Quando saem para se alimentar, as aves voam por mais de mil metros e dispersam sementes. "Elas são grandes engenheiras ambientais", acrescenta a bióloga Neiva Guedes para Ecoa. O ninho deixado pelas araras em palmeiras é reutilizado por tucanos e corujas. E tem outra coisa: as araras são monogâmicas.

Segundo biólogos, elas se unem a um par e ficam com ele até o final da vida. As araras vivem em grupos, mas tiram um par para reproduzir e tornar-se parceiro. Em cativeiro, há relatos de araras que viraram companheiros monogâmicos de araras do mesmo sexo, apenas pela companhia. Não se sabe se Julieta é macho ou fêmea, mas a busca por um amor tão intenso lhe rendeu o mesmo nome da personagem de amores impossíveis criada por William Shakespeare.

A arara domada

Assim como na peça do bardo inglês, o ser humano nem sempre permite a realização de grandes amores como o da arara Julieta. As espécies arara-canindé, arara azul-de-lear, arara-azul grande e ararinhas-azuis sofrem algum nível de ameaça de extinção, do moderado ao crítico. A arara-azul-pequena é considerada extinta pelo ICMbio. O motivo das ameaças são a caça e o desmatamento.

As ararinhas-azul, por exemplo, sobreviveram graças a um enredo internacional: elas eram comuns no sertão nordestino, mas foram consideradas extintas na natureza. A maioria sobreviveu graças ao sheik Saud bin Mohammed al-Thani, criador de um centro de preservação de vida animal no... Catar. Bem longe do nordeste.

Em 2014, o sheik morreu por complicações cardíacas e as aves foram para um grupo alemão, em um processo polêmico em que os europeus detiveram 90% das ararinhas-azuis existentes no planeta. Em março de 2020, 52 delas chegaram ao Brasil e foram enviadas para um centro de preservação construído com dinheiro alemão exclusivamente para as ararinhas-azul. Elas já deram filhotes e deverão voltar para a natureza no futuro.

Romeu e Julieta

No Pantanal, um casal de araras-canindé também sofreu com a ação humana. A ONG Ampara Animal as resgatou após os incêndios criminosos devastarem o bioma em 2020. Assim como Julieta, uma delas ficou em liberdade enquanto a outra precisou de cuidados veterinários. Todos os dias, ela ia até o poleiro onde o companheiro estava internado para visitá-lo. Segundo a instituição, elas voaram juntas após receber alta.

Arara-Canindé no Bioparque do Rio; considerada extinta no Rio, instituto pretende lançar espécies na natureza a partir de 2022 - Bernardo Oliveira/Divulgação - Bernardo Oliveira/Divulgação
Arara-Canindé no Bioparque do Rio; considerada extinta no Rio, instituto pretende lançar espécies na natureza a partir de 2022
Imagem: Bernardo Oliveira/Divulgação

No Rio de Janeiro, o enredo de Julieta ainda não teve o mesmo desfecho. As araras-canindé do estado sobreviveram apenas em cativeiro quando foram repassadas ao Bioparque por zoológicos da região. Antes de Julieta, o último registro de arara-canindé livre no estado foi em 1818.

O projeto de soltura é longo e pode levar cerca de quatro anos. No Rio, um grupo será levado para conhecer os ruídos e a alimentação da floresta e, após meses de ambientação, será solto e monitorado.

Atualmente, o Bioparque do Rio tem 64 araras-canindé. A escassez de companhia é tão grande que, segundo Neiva, algumas são entrosadas com araras-Maracanã, mais adaptadas ao ambiente urbano. A meta, porém, é soltar dez araras-canindé por ano.

Segundo o biólogo Cláudio Mass, gerente técnico do Bioparque do Rio, uma arara pode viver até quatro décadas. Juliete já esperou vinte anos. Apesar disso, ele tem uma notícia não tão boa. Talvez, ela espere mais ainda. Talvez. "No momento, ele [Romeu] não está na lista dos que serão soltos no ano que vem", diz. "Mas é possível".