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Devemos abolir peças de roupa sintéticas para proteger o meio ambiente?

Meia-calça de nylon - Petr Smagin/Getty Images/iStockphoto
Meia-calça de nylon Imagem: Petr Smagin/Getty Images/iStockphoto

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

01/07/2021 06h00

A indústria da moda tem muito a avançar quando o tema é sustentabilidade. Ela chega a ser responsável por 10% das emissões anuais de dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa. Também tem um alto consumo de água — algo em torno de 93 bilhões de metros cúbicos ao ano, o suficiente para atender às necessidades de consumo de cinco bilhões de pessoas.

É ainda uma das indústrias que mais poluem. Cerca de 20% das águas residuais do mundo vêm do tingimento e tratamento de tecidos. A produção também gera uma grande quantidade de resíduos têxteis, que são em sua maioria descartados em aterros ou incinerados.

O impacto gerado varia de acordo com o tipo de tecido. Os tecidos são formados por fios, que por sua vez têm como matéria-prima as fibras têxteis. Elas podem ser naturais ou químicas. No primeiro grupo, estão fibras de origem animal, como lãs e seda, e vegetal, como algodão e linho.

No segundo, há as fibras artificiais — aqui se enquadram as viscoses, feitas através da dissolução química da celulose — e as sintéticas, feitas de hidrocarbonetos e plásticos, como poliéster e náilon.

Segundo um levantamento da ONG Textile Exchange divulgado em 2020, o poliéster corresponde à metade das fibras têxteis produzidas no mundo. Somado a outras fibras sintéticas, o percentual chega a 63% da produção global.

Entre fabricantes e consumidores preocupados em tornar a moda mais consciente, uma das discussões frequentes gira em torno de materiais mais sustentáveis. Ecoa conversou com um pesquisador da área de moda, têxtil e sustentabilidade, uma consultora de moda e uma designer de moda especializadas no tema para entender se fibras sintéticas deveriam sair de circulação.

SIM

Fibras sintéticas vêm de combustíveis fósseis

Fibras sintéticas são feitas a partir de matérias-primas não renováveis, principalmente de petróleo. São termoplásticos, plásticos que se tornam moldáveis a certas temperaturas.

Seu processo de extração do petróleo emite compostos orgânicos voláteis e efluentes contendo antimônio — substâncias tóxicas prejudiciais para a saúde e o meio ambiente. Nas pessoas, podem causar irritação na pele e nos olhos, inflamação nos pulmões e bronquite. No ambiente, aumentam a poluição atmosférica, danificam lençóis freáticos e aumentam o efeito estufa.

Segundo o levantamento da Textile Exchange, dos 58 milhões de metros de poliéster produzidos em 2019, somente cerca de 14% vinha de materiais reciclados como garrafas plásticas e menos de 1% era de base biológica, livre de petróleo.

Liberam microplásticos

Há microplásticos na água, no ar, nos alimentos, nos oceanos e no organismo dos animais, mesmo nas regiões mais remotas do planeta, com numerosas implicações negativas para a saúde dos seres vivos.

Nossas roupas não são as únicas responsáveis por isso, mas as fibras sintéticas têm uma participação relevante na liberação dessas partículas. Pesquisas têm demonstrado que elas se desprendem principalmente em consequência das lavagens, mas outros estudos sugerem que o simples atrito com o tecido pode dispersar microfibras (categoria de microplástico) no ar.

Demoram para se decompor

Tecidos de fibras sintéticas não são biodegradáveis, levando centenas de anos para se decompor. No caso do poliéster, esse tempo é de, em média, 400 anos.

Elas podem ser recicladas, mas é comum haver mistura com outros tipos de fibras — você já deve ter lido na etiqueta de uma roupa as porcentagens dos diferentes tipos de fibra que compõem o tecido — , o que muitas vezes inviabiliza a reciclagem.

NÃO

Fibras naturais também geram impacto

Pelo modo como são majoritariamente produzidas, fibras como o algodão também têm um ônus ambiental e social. Apesar de as fibras serem oriundas de uma fonte renovável, a quantidade de inseticidas e pesticidas é um dos principais problemas do cultivo convencional do algodão. Segundo o relatório Fios da Moda, divulgado em 2021, trata-se da quarta cultura que mais consome agrotóxicos, sendo responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizado no Brasil. Em média, são aplicados 28 litros de pesticidas por hectare, mais do que o dobro aplicado na soja.

A produção da fibra também envolve um alto consumo de água, embora no Brasil predomine o cultivo sem irrigação artificial, o que reduz drasticamente a demanda de água nessa etapa.

Há alternativas sustentáveis em desenvolvimento

Em anos recentes, alternativas biodegradáveis aos tecidos sintéticos convencionais têm surgido no mercado, mas ainda falta ganharem escala. A fabricante de materiais japonesa Toray Industries e a Virent, empresa de biocombustíveis americana, desenvolveram o primeiro poliéster à base de plantas do mundo, que dizem ter as mesmas qualidades do material feito de petróleo. Em 2020, as empresas anunciaram que a produção em massa do novo produto deve começar ainda no início desta década.

Vantagens de uso e custo

Se os tecidos sintéticos se tornaram tão presentes em nosso guarda-roupa, é porque oferecem algumas vantagens em relação aos naturais. Fibras como o poliéster trazem uma série de funcionalidades para as roupas: amassam menos, secam facilmente e possuem em geral um custo mais acessível em relação às fibras naturais. Por isso, as peças de roupa sintéticas consomem menos energia durante o uso, nos processos de lavagem, secagem e passagem a ferro, em relação às fibras naturais. Essas características também as tornam mais adequadas para roupas esportivas e de banho, por exemplo.

Impacto da cadeia vai além do tipo de fibra

Do ponto de vista do consumidor, mais do que estar atento ao material e se informar sobre o produto que pretende adquirir, a sustentabilidade passa por prolongar a vida útil dos produtos e reduzir o consumo de novos itens.

Em relação ao modo de produção, pesquisadores de vários países apontaram, em um relatório científico publicado em 2020, para a necessidade de mudanças fundamentais no funcionamento e no modelo de negócios da indústria para mitigar seus impactos ambientais.

Eles atribuem o efeito nocivo crescente nas últimas décadas da indústria da moda para o planeta ao "fast fashion", modelo baseado na manufatura barata, baixa durabilidade das peças e consumo recorrente de produtos novos. Pressionadas, algumas marcas do setor procuram mostrar compromisso com a sustentabilidade. A H&M, uma das maiores no mundo do varejo "fast fashion", anunciou a meta de usar 100% de materiais sustentáveis até 2030. A escolha da fibra de menor impacto pode ser uma das iniciativas adotadas por uma marca, mas não pode ser a única.

Fontes: Chiara Gadaleta, consultora de moda sustentável e fundadora do Movimento Ecoera; Marina Colerato, diretora do Instituto Modefica; Welton Fernando Zonatti, doutor pela Universidade de São Paulo e professor das áreas de têxtil, moda e sustentabilidade do Instituto Federal do Rio de Janeiro.