Topo

Peixes gigantes de até três metros somem na Amazônia e centenas fazem busca

Piraíba com pescadores dá dimensão de peixe chamado de "golias" ou "tubarão" na região amazônica - Reprodução/Facebook
Piraíba com pescadores dá dimensão de peixe chamado de "golias" ou "tubarão" na região amazônica Imagem: Reprodução/Facebook

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

09/07/2021 06h00

Os bagres da Amazônia são uma das maiores espécies de peixes de água doce no mundo. Eles podem pesar mais de 200 quilos, ter três metros e nadar milhares de quilômetros em "viagens" entre os estados de Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia e até a Bolívia e a região dos Andes.

Apesar disso, a construção de hidroelétricas, na região, dificultou ver esses gigantes fluviais por aí. Por isso, pesquisadores criaram um aplicativo para registrar aparições dos bagres — uma batalha vencida em uma longa guerra ambiental.

Os gigantes vivem em mundo maravilhoso

Bagres como o Piraíba (ou Filhote) são seres que inspiram as tradições das populações indígenas, o fascínio de colonizadores e a pesquisa científica por séculos. Não à toa, o Piraíba pode ter até 3,6 metros de comprimento e 200 kg, o que a torna o maior entre os peixes migratórios da região amazônica.

Imagem mostra dimensão de Piraíba e humano; espécie é gigante, mas cada vez menos fácil de ser vista na amazônia - Guido Miranda/WCS/Divulgação - Guido Miranda/WCS/Divulgação
Imagem mostra dimensão de Piraíba e humano; espécie é gigante, mas cada vez menos fácil de ser vista na amazônia
Imagem: Guido Miranda/WCS/Divulgação

A espécie é carnívora e ocupa o topo de sua cadeia alimentar. Por viver no fundo dos rios, há lendas de curiosos levados para as profundezas ou de barcos virados pelo gigante (apesar de só comerem peixes, como o jaraqui, e não serem agressivos).

Sem escamas, lembra um tubarão com "antenas" e "bigode" usados para se guiar embaixo d'água. O filé do Piraíba é macio e com poucos espinhas. Há pescadores esportivos que se arriscam a pescá-lo com varas reforçadas, mas a pesca profissional costuma ser feita por arrasto. Há um apelido à altura da espécie: o "Golias".

As condições perfeitas da Amazônia permitiram peixes gigantes

A Dourada também está entre os gigantes migratórios da região e navega por uma área de 13 mil km na região, onde está 20% da água doce do mundo. Em ambas espécies, viagens são feitas para reprodução e desova.

A Dourada, com até 1,5 metro, retorna para o local onde nasceu para a desova. Os "filhotes" (ou larvas) com 6 milímetros nascidos nos Andes "escorrem" pelo rio e percorrem até 11 mil km até voltar para a região amazônica

Os estuários, — entre rios e mar — a profundidade e a diversidade de 3 mil seres marinhos da Amazônia favorecem os peixes imensos. (Em junho de 2021, um pirarucu com 2,9 metros e 220 kg foi pescado em Japurá, Amazonas).

A história da bacia amazônica remete a mais de 20 milhões de anos, quando os Andes "empurraram" os rios para o leste e originaram este maravilhoso mundo. Agora, porém, é o ser humano quem interfere neste cenário.

Por que é cada vez mais difícil encontrar um peixe gigante

De acordo com uma pesquisa, as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO) diminuíram os peixes amazônicos e impactam especialmente os migradores, como a Dourada.

Entre 1995 e 2009, a queda foi de 74% no número de pescas da Dourada — e de 63% no total dos peixes migratórios de longa distância da bacia amazônica. A pesquisa conclui que possíveis oscilações naturais foram somadas à intervenção humana.

Assim, o preço aumentou no mercado, que vende menos e mais caro, e diminuiu no prato. Os resultados estão na revista "Fisheries Research", de 2020.

A "caçada" dos Piraíbas

O aplicativo Ictio foi feito por cientistas brasileiros e da América Latina para registrar peixes amazônicos na natureza e no mercado e mensurar o tamanho do problema. O maior Piraíba na natureza do aplicativo tinha 138 quilos, mas só duas foram registradas livres até o fim de 2020, entre os rios Jandiatuba e Juruá, no estado do Amazonas.

"Nos anos 80, pegamos muita Piraíba", diz o pescador João Evangelista da Silva, da comunidade Teotônio, em Rondônia, em um vídeo publicado no YouTube, "agora não tem mais nada". Ele integra a rede de 240 pescadores e pesquisadores que, juntos, iniciaram uma "caça", no bom sentido, que já se organizou para encontrar mais de 7 mil peixes registrados em rios e mercados.

"O aplicativo fortalece a preservação e é feito pelos próprios pescadores que estão mais próximos da situação", explica a professora Carolina Doria, da Universidade Federal de Rondônia. No futuro, os dados ajudarão a propôr manejo das espécies. "Até agora, não existe um plano dos estados envolvidos", diz, "por falta de vontade política".

Proibição

Desde 2007, o Ibama proíbe ou limita a pesca em grande volume da Piraíba e da Dourada. No Acre, as duas não podem ser pescadas. Em Rondônia, a Piraíba deve ter no máximo 65 centímetros, excluindo a cabeça. As penas para os pescadores vão de apreensão a multa.

Para Carlos Freitas, um dos professores do Departamento de Ciências Pesqueiras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), as regras funcionam no estuário, mas é difícil fiscalizar os rios.

Para o professor, costuma-se construir uma "piscina" ao lado das hidrelétricas, como uma escada para o peixe migratório continuar seu caminho. Apesar disso, bagres como Piraíba e Dourada não saltam para escalar os degraus.

Segundo ele, as hidrelétricas fornecem energia limpa, mas causam impactos imensuráveis nos ecossistemas: "Na minha opinião, grandes barragens não deveriam existir em rios amazônicos. Seriam melhores em rios com inclinação natural". O sumiço dos peixes gigantes da Amazônia parecem ser evidência suficiente para provar que Carlos Freitas está certo.