Professora do Rio cria uma rede de professores antirracistas
Vira e mexe Lavini Castro pede para ser avisada caso esteja falando demais, "é que professora fala muito, né?", justifica se referindo a profissão que exerce há 18 anos. Mas o gosto pela falação só veio nos últimos cinco. Foi quando se viu diante da responsabilidade de palestrar em frente a 700 pessoas que estavam na plateia do Sesc São Gonçalo (RJ), em 2015.
Dizer que ela estava apreensiva seria diminuir muito o sentimento que Lavini tinha na época. Era pânico mesmo. Morria de vergonha de falar em público, tremia toda. Para tentar melhorar a situação, ela decidiu envolver os alunos na apresentação. Fizeram assim: a professora começaria a falar e, em seguida, mostraria ao público um vídeo produzido por uma das turmas.
A sala escolhida foi a do sétimo ano, com alunos e alunas em defasagem escolar. Na gravação passada no telão do auditório do Sesc, os jovens aparecem fazendo perguntas para funcionários do colégio. Uma menina questiona: "Você acha que existe racismo no Brasil?". Uma educadora responde: "Sim, claro que existe!". A entrevista segue nesse ritmo, com as duas conversando sobre raça.
As referências
O episódio serviu para fazer crescer a sementinha que as aulas de professores e historiadores como Flávio Gomes e o Babalawô Ivanir dos Santos, do curso de História da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tinham plantado em Lavini. Durante o curso, ela ouvia os docentes falarem sobre Cultura e História de um jeito novo, com o negro como protagonista, e não apenas no papel de escravizado.
"Eu juntava todas essas referências de aulas que eu tive, livros de intelectuais negros que eu lia e pesquisava, e levava para sala de aula. Até por isso o diretor da escola me indicou para falar nesse dia. Depois daquele evento, minha vontade foi de pesquisar mais sobre nomes como Nilma Lino Gomes, Kabengele Munanga, Azoilda Loreto Trindade, e muitas outras pessoas que auxiliaram a construir uma visão de educação antirracista.
"Que tipo de cidadão a gente vai ajudar a formar?"
Para Lavini, professores são o que ela considera "intelectuais mediadores", aqueles que possuem a capacidade de aprender o conhecimento acadêmico para, por fim, traduzi-lo em sala de aula. Construir a autoestima do professor negro em sala de aula tem sido um caminho percorrido por ela. Mas nem sempre é fácil. A professora já foi até chamada na direção porque tinha sido acusada de falar sobre política em sala de aula. A resposta dela? "Sempre! Porque educação é política!".
"Educação, para mim, é criar estratégias e projetos mais amplos para a sociedade. A gente precisa educar para ajudar a melhorar a nossa convivência, as nossas relações sociais", explica.
As táticas que Lavini tem usado para discutir sobre relações étnico-raciais nas aulas são sutis. A primeira, como aprendeu com professor Flávio Gomes, é não contar sobre a História, Cultura e Religião do povo negro como algo inferior, trazendo referências de pessoas negras apenas como escravizadas para os alunos.
Outra estratégia tem a ver com a fala, o discurso. Logo ela que morria de medo de falar em público, aprendeu que seria preciso não só falar, como saber bem o que estava falando. Em sua trajetória como professora, Lavini conta que já viu e ouviu de tudo, especialmente em relação a intolerância religiosa entre alunos, assunto que ela estudou e pesquisou para a tese de mestrado em Relações Étnico-Raciais, pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), apresentada em maio de 2019.
"Muitas crianças vêm com senso comum da sociedade, e eu não quero criar inimizade com elas, eu quero gerar reflexão. Mostrar para o aluno que eu respeito o que ele pensa, mas eu não preciso concordar com ele porque existem outros tipos de pensamentos. É preciso levar conhecimento, principalmente com estatísticas sobre raça e argumentos bem embasados."
Rede de professores antirracistas
No começo da pandemia, em março de 2020, ela, que tinha se programado para ficar quietinha de novo após apresentar a tese de pós-doutorado, se viu com vontade de fazer algo para promover a palavra da educação antirracista por aí. Começou elaborando um curso de graça chamado "A Ferramenta do Professor Antirracista - Lei 10639, em que dava dicas e compartilhava estratégias para quem quisesse promover a mesma ação em sala de aula.
A aula foi um sucesso — Lavini precisou emitir cerca de 700 certificados para professores que a assistiram. A procura após o curso foi imediata. Vários profissionais, especialmente da educação básica, a procuraram para tirar dúvidas e até mesmo perguntar coisas que ela faria em determinadas situações que eles estavam vivendo com alunos e alunas.
Foi então que Lavini teve a ideia de criar a Rede de Professores Antirracistas, um grupo de pessoas interessadas em aprender o que pode ser feito para organizar aulas que contemplem a Lei 10639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileira em sala de aula. Atualmente, a rede está focada em realizar imersões de estudo sobre cada aspecto da lei. Quando terminarem, o próximo passo será estudar sobre o Estatuto da Igualdade Racial.
Por causa da criação da Rede, em maio, Lavini ganhou o prêmio "Sim a Igualdade Racial", do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), na categoria Educação. Segundo Lavini a maioria dos professores que a procuram para estudar o assunto são negros
"O professor branco fala que não sabe como falar sobre raça porque não é lugar de fala deles. Tem nada a ver! Lugar de fala não significa que você não pode falar sobre algo, como ensina a Djamila [Ribeiro, filósofa que popularizou o termo]. Se você estiver sozinho em sala de aula com seus alunos, não pode fingir que não viu uma situação de racismo. O professor, seja branco ou negro, precisa ler, se informar e discutir sobre os problemas da nossa sociedade."
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