Jovem de 14 anos se revela talento da tecnologia e já tem emprego garantido
Dona Divina da Cunha descreve o neto Luiz Henrique Olivieri como alguém muito curioso e dedicado. "Desde criança ele é um bom menino. Nunca deu trabalho na escola e eu nunca precisei mandar fazer as lições - quando vejo, ele já fez tudo", completa. Junto com dois irmãos mais novos de Luiz, eles formam uma das cerca de 230 famílias que moram na Ocupação Mauá, em um prédio antigo no centro de São Paulo.
Recentemente, o neto lhe deu mais um grande motivo para se orgulhar: aos 14 anos, ele já está com emprego garantido como desenvolvedor em uma empresa de tecnologia. O trabalho vai começar quando ele tiver idade legal para isso, daqui a cerca de um ano e meio. Até lá, está se aprofundando nos estudos de programação e recebendo uma bolsa-auxílio para atuar como assistente nos cursos de tecnologia que o Instituto Educ360º realiza na ocupação.
O talento de Luiz foi revelado no fim de 2019, meio por acaso. Ele conta que já tinha visto que o instituto estava oferecendo cursos no prédio, mas não havia dado muita atenção a isso. Até um certo dia. "Era um sábado e eu estava descendo, acho que ia sair, mas o pessoal de lá me chamou. Eu fui ver e tinha uns robôs, aí me interessei e fiquei", lembra.
O curso, gratuito, envolve aulas de programação, robótica e design de games. Logo no primeiro dia, os alunos tinham que entregar 10 etapas de um projeto, de acordo com o que havia sido aprendido até então. Mas Luiz completou 19 sem nem perceber que havia ido muito além do esperado. Os passos a mais envolviam conceitos avançados que seriam trabalhados ao longo de cinco meses de aula.
O mais surpreendente é que ele afirma nunca ter tido contato com programação antes. "Eu só gostava de jogar videogame", conta. "Tudo o que fiz na tarefa aprendi naquele dia mesmo. As etapas a mais eu fiz sozinho, sem ninguém me explicar."
Oportunidade de um novo futuro
Aquilo chamou a atenção do programador e designer de jogos Fábio Carmo, professor e cofundador do Educ360º. "Ele foi além do que ensinamos e evoluiu muito rápido", diz.
Além da bolsa para aprofundar os estudos em programação e da vaga de emprego em uma empresa de tecnologia, Fábio também conseguiu uma bolsa de estudos para o aluno aprender inglês, língua bastante necessária na área. Mas Luiz se interessa pelo idioma por ainda outro motivo: "Eu quero muito aprender inglês para ir aos Estados Unidos e me formar lá como engenheiro civil".
Para realizar esse sonho, está desde já economizando parte do auxílio de R$ 800 que recebe do Educ360º. "Eu sempre quis ser engenheiro civil, desenhar prédios, porque gosto de construir coisas. Como tive a oportunidade de virar programador, vou me formar em programação e em engenharia civil, aí já vou ter dois trabalhos", planeja.
Durante a conversa com a reportagem, o professor revelou que a empresa onde Luiz vai trabalhar acabou de comprar uma startup nos EUA. "Quem sabe a ponte já não está feita, né?", diz, para a surpresa do próprio garoto, que lançou um olhar cheio de esperança para a avó. "Quem sabe, né? Já estou muito animado, e aí já anima ainda mais", diz, sorrindo.
A avó gostou: "Acho maravilhoso, porque aí eu vou junto!" O neto concorda: "Já falei, a todo lugar que eu for eu levo ela e meus irmãos. Se der tudo certo, eu levo todo mundo".
Talento somado a muita dedicação
A rotina do jovem é de muitos estudos, geralmente usando o notebook que o professor Fábio emprestou. "Todo dia faço um pouco de lição, estudo um pouco de inglês, um pouco de programação. Aí à noite fico mais tranquilo. No meu tempo livre mexo com tecnologia, pesquiso coisas no YouTube, jogo alguns jogos eletrônicos ou de tabuleiro. Gosto daqueles que envolvem raciocínio lógico", conta.
Ele diz - e a avó concorda - que sempre foi curioso: gosta de pesquisar sobre as coisas, entender como funcionam. Para Fábio, é por essa dedicação que ele mais se destaca: "Já vi muitos alunos com a habilidade dele que não se dedicavam e acabaram perdendo essa oportunidade."
Por outro lado, garante que não é preciso ser um "gênio" para se dar bem: "Se a pessoa tiver um nível de dedicação e estudo como o do Luiz, logo será colega dele no mercado de tecnologia."
Tecnologia a serviço da educação
Segundo Fábio, os alunos que estudam programação acabam melhorando também o seu desempenho na escola. "Tivemos recentemente três alunos que não estavam indo bem no colégio e o professor deles nos procurou para perguntar o que fizemos, porque passaram a ser os melhores alunos da sala", conta.
Para ele, além do desenvolvimento do raciocínio lógico, os cursos de tecnologia estimulam a pesquisar e aprender por conta própria. "A gente acaba subindo a régua do que eles precisam estudar. Para fazer um jogo, por exemplo, é preciso aprender matemática, geometria, inglês. Então ele entende que tem que estudar mais do que antes", completa.
Assim como Luiz, que sonha em ser engenheiro civil, nem todos os alunos do Educ360º querem seguir na área de tecnologia. Para muitos jovens em vulnerabilidade social, essa formação pode servir como um meio de garantir recursos para alcançarem seu verdadeiro sonho.
"Já tive aluno cujo sonho era ser educador físico. Ele estudou comigo por 2 anos, começou a trabalhar com tecnologia para pagar a faculdade e hoje é personal trainer. Tive outro com o sonho de ser chef de cozinha na Itália. Ele já trabalha como programador na mesma empresa em que o Luiz vai trabalhar e está fazendo curso de culinária", conta.
Suprindo a demanda por profissionais de tecnologia
Segundo a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), o déficit de profissionais no mercado de TI pode chegar a 260 mil até 2024. Sabendo disso, Fábio sempre gostou de compartilhar com outros o que aprendia na área.
Ao frequentar cursos, lembrava-se daqueles que não podiam pagar e acabou criando o Educ360º para dar aulas gratuitas a jovens em áreas de vulnerabilidade social. "As faculdades e cursos técnicos não conseguem dar conta de formar a quantidade de profissionais que o mercado está demandando, e por outro lado vi que tem muita gente interessada em aprender", conta.
O instituto já capacitou cerca de 500 jovens de baixa renda desde que foi fundado, em setembro de 2019. A previsão é que forme outros 500 entre julho de 2021 e junho de 2022.
Para não depender de doações, o Educ360º foi fundado junto com uma empresa mantenedora, que oferece serviços pagos de tecnologia. "Eu costumo explicar que é o setor 2.5: não visamos nem só o lucro, nem só a ação social, mas um pouco dos dois", explica.
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