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Estudantes criam bengala inteligente para pessoas com deficiência visual

Estudante demonstrando funcionalidade de reconhecimento de emoções - Divulgação
Estudante demonstrando funcionalidade de reconhecimento de emoções Imagem: Divulgação

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

12/07/2021 06h00

Os professores Miguel Carvalho e Alexandre Louzada, dos cursos de Tecnologia da Informação da Universidade do Grande Rio (Unigranrio), procuram aliar suas aulas a projetos práticos. Como resultado, os alunos estão desenvolvendo soluções para promover a acessibilidade e dar maior autonomia para pessoas com deficiência visual ou com baixa visão.

"A deficiência está muito na relação da pessoa com o ambiente. Assim, acreditamos que deficiente não é a pessoa, mas sim os meios que dificultam o exercício da autonomia", reflete Miguel. "Por trabalharmos com tecnologia, entendemos que é nossa responsabilidade ajudar a criar soluções para diminuir os obstáculos e melhorar a vida dessas pessoas".

O trabalho dos professores começou há dois anos como um projeto de iniciação científica. Com os bons resultados, foi incorporado a uma disciplina oferecida desde os primeiros semestres dos cursos de tecnologia da instituição. A ideia é que os projetos se tornem mais complexos à medida que o aluno avança no curso.

O programa recebeu o nome de TIA - Tecnologia da Informação para Acessibilidade, e seu principal feito é um software que já é capaz de calcular distâncias, reconhecer comandos de voz, diferenciar pessoas e objetos, reconhecer rostos e expressões faciais e fazer pesquisas, entre outras coisas.

Acessórios inteligentes

Uma das aplicações dessa tecnologia é a chamada "bengala sônica", capaz de avisar, por meio de vibrações, sobre a proximidade de obstáculos. "A bengala funciona a partir do mesmo princípio que os morcegos usam para voar. Ela tem um sensor que emite sinais ultrassônicos inaudíveis para humanos e, com base na reflexão desses sons, consegue descobrir se existe um obstáculo à frente e qual a sua distância", explica o aluno Diego de Souza, de 32 anos, do curso de análise e desenvolvimento de sistemas.

A bengala sônica desenvolvida pelos alunos emite avisos antes de colisões - Divulgação - Divulgação
A bengala sônica desenvolvida pelos alunos emite avisos antes de colisões
Imagem: Divulgação

Os avisos costumam ser dados quando há um obstáculo a até 40 cm da ponta da bengala, e a intensidade da vibração vai aumentando à medida que a distância se encurta. A 10 cm de uma possível colisão, ela começa a vibrar continuamente, indicando um alerta máximo de proximidade.

"Geralmente, o usuário só sabe que existe um obstáculo quando a bengala comum bate em alguma coisa. Esse bloqueio costuma ser uma árvore ou um poste, mas também pode ser a perna de outras pessoas, uma criança ou até um animal que eventualmente pode atacá-lo. O sensor serve para avisar antes que essas colisões aconteçam", completa Diego.

Outro projeto desenvolvido pelos estudantes é um dispositivo que fica alocado dentro de uma pochete e que, a partir de um mapa previamente carregado e um sistema de GPS, permite ao usuário se localizar no ambiente.

Por enquanto, ele já funciona na faculdade. "É possível saber onde está o banheiro, as salas de aula, as salas de cada professor. O sistema vai informando pelo fone de ouvido conforme a pessoa se locomove", explica o professor Miguel. Segundo ele, esse uso pode ser expandido para outros locais: "Queremos usar também para identificar pontos turísticos, por exemplo".

Os alunos estão, ainda, desenvolvendo bonés, óculos e outros acessórios com funcionalidades complementares. "A ideia é que seja possível usar todos juntos de forma integrada no futuro", comenta Alexandre.

O próprio software também vem sendo aperfeiçoado continuamente. Os professores contam que o grupo está trabalhando para que seja possível identificar cores e rostos previamente cadastrados num banco de imagens.

Já é possível, hoje, identificar expressões faciais para entender se o outro está triste, feliz, bravo ou preocupado, por exemplo. "Isso permite uma interação maior com as outras pessoas, pois já pode cumprimentá-las usando essas informações como base", explica Miguel.

Aluno mostra pochete com o localizador  - Divulgação - Divulgação
Aluno mostra pochete com o localizador
Imagem: Divulgação

Consultoria especial

Muitos alunos testam as soluções com conhecidos e familiares, mas um ajudante em especial está fazendo toda a diferença. Além de motivar os grupos, o estudante Daniel Alexandre da Silva, do curso de Biologia, tem ajudado a testar e aperfeiçoar as invenções.

"Desde o início da minha trajetória escolar eu tive muita dificuldade por causa da baixa visão. O que me cativou nesse projeto foi justamente a possibilidade de ajudar a evitar que uma criança na mesma situação precise passar pelas mesmas coisas", diz ele.

Sua participação tem sido comemorada pela turma. "Ele apareceu em nossa sala há cerca de um mês querendo usar as invenções - e realmente está usando tudo o que produzimos - e os projetos avançaram muito rapidamente graças às suas sugestões", conta Miguel.

Foi Daniel que alertou, por exemplo, para o que chamou de "som irritante" emitido pela bengala sônica. O problema foi logo resolvido pelos alunos. Outra dica importante foi para o dispositivo de localização: a ideia original envolvia o uso de uma pequena caixa para guardar o equipamento, mas ele sugeriu usar uma pochete em vez disso. Assim, o acessório pode se integrar de forma mais prática à roupa da pessoa, sem que ela precise ficar segurando.

Acessibilidade real

Para garantir que as criações sejam realmente acessíveis, a equipe se esforça para que os produtos sejam baratos. Muitos envolvem materiais reciclados: eles já montaram bengala com um guarda-chuva, por exemplo.

Os acessórios funcionam com bateria, mas o plano é trocá-las por energia solar em algum momento. A conectividade também deve melhorar quando ganharem conexão 5G - hoje, dependem da internet do celular do usuário.

Para ajudar a divulgar o projeto para toda a comunidade, os professores criaram redes sociais e um podcast chamado Rolezinho de TI - nome que foi sugerido pelos alunos. "A gente ia chamar de Café de TI, mas eles disseram que rolezinho era mais legal", ri Alexandre. A ideia é falar de tecnologia de uma forma leve, como um bate-papo mesmo, para atrair mais interessados ao tema.

Aulas na pandemia

Com a pandemia, os encontros dos alunos tiveram que ser reduzidos. As aulas teóricas são todas online, e as reuniões para colocar a mão na massa são escalonadas de acordo com os times de aprendizagem. Cada grupo tem entre 10 e 12 alunos, e parte de suas atividades em laboratório são transmitidas ao vivo para o resto da turma.

Mesmo com os desafios, os professores contam que os resultados têm sido positivos. "Apesar de tudo, as notas melhoraram e os alunos ficaram mais participativos nas aulas", conta Alexandre.

Ele acredita que um dos fatores que ajudaram a promover esse maior entrosamento foi a humanização que as aulas virtuais trouxeram: "Essa coisa de dar aula e passar o carro do ovo, ou de ouvir criança chorando, vizinho brigando, vai criando um ambiente mais descontraído e de maior proximidade". Miguel completa: "O aprendizado passa por isso de ter momentos alegres, divertidos".