Professor encoraja alunos (e outros educadores) com áudios no WhatsApp
"Não estude porque você precisa. Estude porque não vão poder tirar isso de você. Estude porque você quer conhecer mais. E principalmente, estude porque conhecimento é liberdade". Foi com essa mensagem, embalada por "My Life Is Going On", música da série "La Casa De Papel", que o professor Octavianus Cesar concluiu o áudio enviado aos seus alunos no dia 4 de agosto.
A turma do nono ano da escola pública estadual Professor Ayrton de Araújo, em Fortaleza, recebe uma mensagem do tipo todas as manhãs via WhatsApp. Os áudios costumam ter entre dois e três minutos, e apresentam avisos da escola e frases de encorajamento com muito bom humor. O objetivo vai além de apenas informar os alunos: o foco é sempre o incentivo ao estudo.
Para não cair no tédio, Octavianus capricha na trilha sonora e aproveita datas comemorativas como gancho. O mês de junho, por exemplo, contou com músicas de festa junina. Também aparecem trilhas de seriados populares entre os alunos, como a já citada La Casa de Papel. "Já fiz um mês inteiro só com músicas-tema de filmes", conta.
Melhorando a comunicação com os alunos
Na escola, onde ele dá aulas de História, cada docente se tornou "padrinho" de uma turma para organizar as atividades durante a pandemia. Como encarregado do nono ano, ele administra o grupo de WhatsApp desses alunos. É por ali que encaminha as atividades de todas as matérias, envia comunicados e recebe as tarefas para repassar aos professores.
Ao notar que os alunos preferiam se comunicar mandando mensagens de voz, Octavianus resolveu fazer o mesmo. Mas com um toque a mais: "Acho o áudio muito seco, então resolvi colocar um pouco de humor e sempre trazer uma mensagem de motivação", explica.
O formato atual, com as músicas de fundo, começou meio por acaso. Era fevereiro, início do ano letivo, e o professor tinha acabado de deixar a esposa no trabalho. "Eu precisava mandar a mensagem para abrir o dia no grupo da turma, mas ainda estava no carro. Comecei a gravar ali mesmo, enquanto tocava Djavan no rádio. Fiz alguns comentários que conversavam com a música e eles adoraram. Então caiu a ficha de fazer sempre", lembra.
Ele conta que, a partir daí, a interação com os alunos só melhorou. Os áudios são postados por volta das 7h, para marcar o começo do dia. "Uma vez mandei mais tarde, perto das 9h, e o pessoal começou a cobrar. Foi aí que percebi que eles realmente ficam na expectativa."
Embora o resultado se pareça com um curto programa de rádio bem-feito, a produção é simples e sequer conta com edição. Três celulares, colocados lado a lado, são usados para a gravação - seus dois filhos emprestam seus aparelhos ao pai todos os dias.
"Uso um celular para fazer a gravação direto no WhatsApp, enquanto os outros dois ficam com a música no ponto para eu apertar o play. Sempre coloco duas músicas diferentes para marcar a mudança da linha de raciocínio e prender a atenção de quem ouve", explica ele. A mensagem já é enviada assim que a gravação termina.
Inspiração para todos
Nascido em Belém (PA), Octavianus foi morar em Fortaleza (CE) ainda bem pequeno. Influenciado pelo pai e pelos irmãos, todos professores, formou-se em História pela UFC (Universidade Federal do Ceará) em 2003 e decidiu ser professor também. Aos 46 anos, não se arrepende da escolha. "Eu me identifiquei com a profissão. Gosto muito do que faço", diz.
Além de buscar uma conexão maior com os alunos durante a pandemia, os áudios vieram de uma necessidade pessoal do professor. "Eu me divirto muito dando aula, e sem os encontros presenciais passei a sentir muita falta da escola. Vi nesses áudios uma forma de preencher o vazio e descarregar a ansiedade desses tempos difíceis", explica.
O sucesso foi tanto que ele passou a receber pedidos para gravar mensagens a outras turmas da escola. Agora, produz duas todo dia - uma para o nono ano e outra mais genérica, para outros professores compartilharem.
Os áudios também têm servido como incentivo para outros profissionais da educação. "Eu sempre os envio para colegas professores e coordenadores darem sugestões, e eles compartilham com outras pessoas e grupos", afirma. Isso lhe tem rendido muitas mensagens de educadores não só de sua própria escola, mas de outros estados brasileiros e até de outros países, como Finlândia e Portugal.
Mas não para por aí. Mesmo sendo voltadas aos estudantes, as mensagens agradam muita gente de fora da escola - incluindo pais de alunos e até alguns dos seus próprios familiares. "Um tio me disse que ouve todo dia no café da manhã, junto com a mulher e os dois filhos, para se animar", conta. "A ideia, no final das contas, é diminuir um pouco o peso desse período que a gente vive. É deixar as coisas mais leves e passar a mensagem de que precisamos continuar, um dia de cada vez", conclui o professor.
Resultados mensuráveis
Nas redes sociais de Octavianus, os comentários evidenciam a admiração de alunos e ex-alunos. "Você é incrível, prof!!! Foi um dos professores que mais marcou minha vida e tenho certeza que está fazendo diferença na vida de muitos agora também!", disse uma jovem no Instagram.
"Às vezes [você] nem pode imaginar, mas o seu jeito faz a vida de muita gente mudar. Você é inspiração para muitos, e eu me sinto grata por ter recebido um pouco dos seus conhecimentos, e por ter me ensinado muita coisa, sempre com suas sábias palavras", comentou outra.
O professor não esconde a surpresa com a repercussão do seu trabalho. "O que eu faço é muito simples. É só um temperinho a mais no arroz com feijão", diz. Mas, grande ou pequena, a ação vem gerando bons frutos.
Em sua turma de 35 alunos, apenas um deixou os estudos este ano. A maioria entrega todas as atividades e se mantém engajada. Esse é um número que chama a atenção ao se considerar que a evasão escolar, sempre um desafio nas escolas públicas, ficou ainda mais preocupante com a pandemia.
Antes da Covid-19, 1,3 milhão de jovens brasileiros em idade escolar já estavam fora da escola. Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicam que houve evasão de outros 4 milhões em 2020.
Para o professor, os áudios ajudam a reforçar o vínculo com a escola e esse é um fator importante para conter o abandono dos estudos. "Por não ir à escola presencialmente, o aluno pode acabar perdendo o vínculo com aquele ambiente e formar novos vínculos com outros lugares e pessoas, como o mundo do trabalho ou até mesmo do crime. Isso contribui para a desistência", reflete.
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