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Curso gratuito leva empatia e autocuidado para profissionais da saúde

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Imagem: Divulgação

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

14/08/2021 06h00

"Aprendi a me ouvir e que não sou super-herói para dar conta de tudo. Posso dividir a carga e pedir ajuda." Foi assim que Maria Cristina Lourençoni, ouvidora do Hemocentro de Campinas, descreveu a experiência com o curso "Empatia de Emergência". Oferecido gratuitamente a profissionais da saúde da cidade do interior paulista, sua primeira edição aconteceu on-line, entre maio e julho de 2021.

Os profissionais da saúde na linha de frente contra a covid-19 estão entre os mais afetados pela sobrecarga psicológica e física com a pandemia. Segundo uma pesquisa nacional lançada em fevereiro pela Associação Médica Brasileira (AMB), 42,5% dos médicos relataram sobrecarga de trabalho em suas unidades.

Além disso, 46,6% apresentaram quadros de ansiedade e 45,2% relataram estresse. Houve ainda ocorrência de mudanças bruscas de humor (25%), exaustão física ou emocional (39,5%) e dificuldade de concentração (19,8%).

O curso nasceu como uma extensão do trabalho da consultora de empresas Daniele Junqueira Rafael e da psicóloga Flavia Zanin, do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp. Juntas, as duas já ofereciam treinamentos de Comunicação Não Violenta (CNV) na universidade e viram uma oportunidade de aplicar a prática ao contexto específico dos profissionais da saúde.

Flavia Zanin, uma das criadoras do projeto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Flavia Zanin, uma das criadoras do projeto
Imagem: Arquivo pessoal

"Nós começamos a ouvir cada vez mais depoimentos de alunos que estavam na linha de frente da covid-19, e percebemos a necessidade de dar apoio emocional a esses profissionais", explica Flavia.

Entre março e abril de 2021, essa preocupação aumentou ainda mais. "A gente estava no auge da segunda onda da pandemia e existia uma preocupação grande de que os casos aumentassem e os hospitais não tivessem capacidade para atendê-los", lembra.

Apesar de não ser um hospital voltado ao tratamento de pessoas com covid, o Caism estava se preparando para absorver parte da demanda que o Hospital das Clínicas da Unicamp não conseguisse atender. Foi aí que Flavia decidiu agir. "Busquei a ajuda de Daniele, e ela sugeriu convidar os instrutores de CNV Sandra Caselato e Yuri Haasz, com quem havia feito um curso em 2019, para participar do projeto", conta.

Cuidando de quem cuida

Yuri explica que a exposição prolongada ao estresse vivenciada pelos profissionais da saúde pode se transformar em algo ainda mais sério. "Isso gera exaustão e pode levar a muita irritabilidade e queda na capacidade de raciocínio e no engajamento social, que é a habilidade de lidar com outras pessoas. Quando persiste por muito tempo, pode evoluir para um estado depressivo ou de burnout", afirma.

Daniele Rafael já oferecia treinamentos de Comunicação Não Violenta na Unicamp - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Daniele Rafael já oferecia treinamentos de Comunicação Não Violenta na Unicamp
Imagem: Arquivo Pessoal

É por isso, explica ele, que há tantos casos de afastamento de profissionais de saúde (além daqueles que se contaminaram pelo vírus). Para ajudar as pessoas a saírem dessa situação, eles criaram o curso "Empatia de Emergência". A ideia é usar princípios da Comunicação Não Violenta para promover a criação de espaços de acolhimento e de segurança emocional, além de práticas de autocuidado.

"Esse é um paradoxo muito comum no mundo dos cuidadores: eles focam só nos outros e deixam de cuidar de si mesmos. Mas é como a máscara de oxigênio no avião: você precisa colocar sua própria máscara antes de ajudar outras pessoas", justifica ele.

Segundo o instrutor, o projeto se baseia em três pilares principais. O primeiro é a prática do autocuidado através da chamada auto empatia: "Ajudamos a pessoa a voltar a se conectar com ela mesma, saindo daquele lugar de resposta automática do organismo ao estresse. Com isso, ela se torna capaz de acessar seus próprios recursos de resiliência para lidar com esse contexto tão difícil."

O segundo foco é o do acolhimento e da escuta empática. "Isso envolve a forma como ofereço empatia para o outro, a maneira em que estou escutando e acolhendo. É o mesmo princípio do primeiro pilar, mas nesse caso estou ajudando o outro a acessar seus recursos", explica.

O terceiro foco é a dimensão coletiva, que envolve criar espaços seguros de conversa e acolhimento para que esses profissionais possam se apoiar. "A gente não consegue acabar com a covid, mas com esses recursos pode ajudar as pessoas a estarem melhor preparadas para isso", pondera.

Um projeto de multiplicadores

O curso funcionou em duas etapas. Na primeira, Sandra e Yuri treinaram cerca de 40 "multiplicadores de empatia", um grupo formado por pessoas de diversos institutos ligados à Unicamp e que já tinham conhecimento da CNV.

Na etapa seguinte, esse grupo aplicaria o treinamento para 100 profissionais que estavam de fato na linha de frente - enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem do HC e do Caism. O curso é totalmente gratuito e a participação de todos os envolvidos é voluntária.

Os instrutores Sandra Caselato e Yuri Haasz - Divulgação - Divulgação
Os instrutores Sandra Caselato e Yuri Haasz
Imagem: Divulgação

"Já participei de muitos projetos pontuais, que são úteis para as pessoas presentes no treinamento, mas que não se estendem para além delas. O que me entusiasmou aqui foi justamente o fato de formarmos multiplicadores, o que permite disseminar as práticas de forma exponencial", afirma Sandra.

O valor da empatia

Segundo os instrutores, os encontros foram intensos para todos os participantes. "As pessoas traziam histórias muito duras. Houve momentos em que nós só ouvíamos coletivamente e chorávamos juntos, sem dizer nada", conta Daniele. Ela acrescenta que ouviu muitas pessoas dizerem que aquela era a primeira vez em que estavam de fato se abrindo e acolhendo sua vulnerabilidade.

"Exercitar a escuta atenta e, especialmente no momento atual, sentir que posso ser ouvida foi de grande alívio na semana que estou vivendo", comemorou Daniela Gracioli de Almeida Bacha, médica do Hospital das Clínicas de Campinas, que participou do curso.

A próxima edição ainda não tem data definida, mas deve acontecer no próximo semestre. Além disso, os instrutores planejam criar núcleos permanentes de apoio aos multiplicadores que possam atuar de maneira autônoma em outros hospitais e universidades.

Também abordando conceitos da CNV, Daniele está produzindo o Festival de Empatia, evento online e gratuito que começou no último dia 26 e vai até 7 de agosto.