Quando e como surgiu o agronegócio? Atividade pode e deve ser sustentável
Do mercado até a mesa, os produtos que nascem no campo abastecem todas as cidades do país. Esses alimentos e matérias-primas são usados por empresas de vários ramos, que integram o agronegócio. O setor é um dos mais fortes do Brasil e, mesmo com a pandemia de covid-19, continua em alta e faz diferença no PIB do país. No primeiro trimestre de 2021, o crescimento do setor foi de 1,2%.
Paralelo aos números gordos, o agro é acusado de contribuir para o desmatamento de florestas, a contaminação dos solos e rios, devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos, e de prejudicar a saúde dos consumidores; com o excesso de produtos químicos utilizado no tratamento de animais de corte e na lavoura
Mas o que, de fato, é o agronegócio? Quando o termo surgiu? E possível amenizar os impactos causados no meio ambiente por essa atividade? Ecoa conversou com especialistas sobre o tema para responder essas perguntas.
O que é agronegócio e quando o termo surgiu?
A agricultura, a pecuária e o extrativismo fazem parte da história da humanidade, assim como o comércio, mas essas atividades tomam o nome e a proporção do agronegócio, como conhecemos hoje, há cerca de 60 anos.
"O termo agribusiness [agronegócio] se tornou público nos EUA em outubro de 1955. Neste ano, pela primeira vez, professores de Harvard usam a palavra, que foi originada por Ray Goldberg, pesquisador acadêmico das cadeias produtivas", explica Eduardo Daher, diretor executivo da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio).
Tudo isso já existia, mas a cadeia produtiva não era organizada como hoje. Quando se fala em agro, não se pensa em bucólicos agricultores com enxada na mão, mas em insumos, tratores e maquinário, agrotóxicos, cooperativas, traders e o setor pecuário.
Daher explica que esses meios trabalhavam de uma forma desconexa e, a partir da década de 50, pautado no pensamento de Goldberg, esses núcleos começam a ser pensados e entendidos como o que chamamos atualmente de cadeia produtiva.
"Quem assume esse conceito a nível governamental e transforma o agronegócio em algo mais pesado é [o então presidente dos EUA] Lyndon Baines Johnson, após os anos 60. Se falava em guerra contra a fome e tinham que fazer uma produção em maior escala. Criaram um conselho de agronegócio e grandes empresas foram integradas nessas cadeias, que passaram a enxergar o processo como um todo", lembra Daher.
Como o agro chegou no Brasil?
No Brasil, o termo agribusiness chega traduzido por Ney Bittencourt de Araújo, fundador da Abag e ganha força a partir dos anos 2000. "Essa mudança vem depois dos anos 70 e muda a ideia de que o Brasil era somente um produtor de café", explica o atual presidente da Abag.
Do café na xícara até o couro no sapato, e a madeira que produz o lápis. Todos esses ciclos são de alguma forma parte do agronegócio. "Tudo que passa pela cadeia do agronegócio é o conceito de agribusiness. E os produtos também mudaram, o açúcar saiu [apenas] do cafezinho e foi para o motor dos carros [em forma de etanol] criando o setor conhecido como sucroenergético", completa.
Mas Daher é crítico em apontar que nem tudo pode ser considerado agronegócio, pensamento que por algum tempo foi disseminado.
"A floresta plantada é agronegócio, se planta uma floresta para poder a cada sete anos derrubar árvores, isso é agronegócio. Agora, a floresta que já estava lá, o bioma da Amazônia, isso não é agronegócio", diz.
Quais os impactos do agronegócio?
A produção em larga escala e o equilíbrio com o meio ambiente são os grandes desafios e o calcanhar de Aquiles do agronegócio, que usa grande quantidade de recursos para produção. O excesso de consumo de água é um exemplo, especialmente na criação de animais destinados ao corte e que vão virar o bife no seu prato.
Somente para produzir um quilo de carne de frango são necessários cerca de 3.700 litros de água, para a mesma quantidade de carne bovina o uso vai para cerca de 17 mil litros. Cada brasileiro come, em média, mais de 90 quilos de carne por ano.
A proteção, principalmente da Amazônia, tem colocado o Brasil nos holofotes internacionais. De acordo com Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a região teve no primeiro semestre o maior desmatamento dos últimos 10 anos, foram cerca de 4.014 km² de floresta devastados em solo brasileiro e a pressão para que o país combata o problema aumenta e traz o risco de possíveis sanções internacionais.
O agro produz a comida no nosso prato?
Para Marcus Nakagawa, professor da ESPM e especialista em sustentabilidade, estamos em déficit com a natureza em escala global quando se pensa na produção de insumos.
"Temos que buscar esse equilíbrio, o processo tem de ser regenerativo, pois já perdemos recursos naturais demasiadamente e ainda estamos em déficit ambiental em relação ao que produzimos e consumimos", diz para Ecoa.
O professor aponta que o problema nasce da falta de incentivo governamental e vai até a falta de conscientização do consumidor final sobre práticas de consumo e conhecimentos de empresas que adotem produções sustentáveis. "Falta valorização da agricultura familiar, busca de novas tecnologias sustentáveis e treinamento e conhecimento para o consumidor final", defende.
Hoje existem cerca de 5 milhões de propriedades agrícolas no país e Daher diz que apesar de 85% da receita ser proveniente de apenas 5% delas, que são grandes produtores, há espaço para todos. "Feijão e hortaliças, por exemplo, são produzidos por pequenos e médios produtores. Não conseguimos viver hoje sem o pequeno e o médio", defende.
O desmatamento pode prejudicar o agro?
O presidente da Abag acredita que o principal problema está no desmatamento ilegal e na falta de fiscalização, que falha em proteger o território de terras indígenas.
"Temos um código florestal que tem o melhor estabelecimento de regras do mundo, mas tem muita área que não é documentada e não poderia ser tocada, mas grilam os documentos, isso é um verdadeiro banditismo", exclama.
Daher afirma que apesar de um mercado internacional variado, a Europa diminuiu o consumo de produtos agrícolas brasileiros pela metade nos últimos anos. Para ele, um dos caminhos para a preservação é criar lógicas de 'remuneração'.
"São projetos que estão em andamento, criar uma remuneração por proteção ambiental para empresas e produtores. Quando a floresta em pé valer mais que a derrubada haverá preservação", acredita.
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