Preto ou negro? Qual a relação dos termos com a história do Brasil
Qual a diferença entre negro e preto? Ambas as definições fazem parte de estudos sociológicos e do Censo Demográfico, ganhando ressignificações ao longo do tempo por ações afirmativas, pela cultura e pela música, sobretudo, pelo movimento hip-hop.
Mas qual seria a forma correta de usar os termos, quais são suas origens e o que esses indicadores dizem sobre as questões raciais brasileiras? A discussão surgiu no programa "Preto à Porter", lançado pelo Uol esta semana. Para respondê-la Ecoa reuniu dados e conversou com um pesquisador para explicar o assunto.
Qual a diferença entre preto e negro?
Negros representam mais de 56% da população brasileira, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e a porcentagem da categoria representa a soma das pessoas autodeclaradas como pretas e pardas. No caso, pessoas pretas seriam as de pele mais retinta (mais escura) e pessoas pardas as que têm a pele menos retinta (ou mais clara).
Portanto, oficialmente para o IBGE negro denomina tanto pardos, quanto pretos, num grupo maior que é a soma de pessoas pretas e pessoas pardas.
De acordo com o antropólogo Messias Basques, doutor em antropologia pelo Museu Nacional, que pesquisa raça, questões raciais e povos indígenas, não há essencialmente uma diferença entre as declarações de cores ou problema entre usar preto ou negro, e lembra que no Brasil o preconceito racial é de marca, como já apontado nos estudos do sociólogo Oracy Nogueira.
"Pensando na produção do racismo no Brasil, e que ele se dá pelas marcas externas, do ponto de vista da compreensão das relações raciais e de como elas produzem desigualdades, os lugares raciais ainda estariam preservados, ainda que haja uma confusão entre pessoas indígenas e pessoas pardas (com ascendência africana), mas todos esses não se confundem com brancos", explica Basques.
O antropólogo defende que, pensando em termos de Censo, importa pouco se há categoria, negro, preto ou pardo, pois lembra que são todos sujeitos racializados; "não-brancos".
"Estão em grupos sociais mais vulneráveis em uma hierarquia de relações que os contrapõem aos brancos, que recebem um legado histórico de privilégio por não serem vítimas de desigualdades de raízes históricas do escravismo e da escravização de pessoas de ascendência africana e indígena", aponta.
Hoje, os movimentos indígenas reivindicam que entre os pardos não há apenas descendentes de africanos, mas também indígenas, já que a origem do termo tem a ver com a cor da pele e não com etnia à qual a pessoa pertence. O pesquisador reconhece que a inclusão e existência como estatística dos povos indígenas ainda é relativamente recente nos Censos Demográficos.
"O primeiro Censo começa recorrendo à cor da pele, as categorias eram branca, preta e parda. Enquanto raça, indígena foi incluída no Censo de 1991, a inclusão da categoria específica de indígena promoveu a sua visibilidade estatística", completa. Ou seja, tanto "preto", quanto "pardo", originalmente, são usados para definir o tom da epiderme e não se a pessoa tem ascendência africana ou indígena.
Pardo ou preto?
Dentro dos movimentos negros, o conceito de pardo tomou uma atribuição pejorativa, debatida em outras esferas, como a da arte, a exemplo do artista plástico Maxwell Alexandre, que se tornou uma revelação brasileira com a obra que critica o próprio termo: "Pardo é Papel", que mostra o empoderamento negro entre jovens como foco.
O motivo do conceito de pardo ter tomado esse local, é que este vem de origens do processo chamado de embranquecimento. "O pardo permite ver um processo de embranquecimento histórico que leva esses indivíduos a esquecerem quem são e não compreenderem sua racialidade e o modo como sofrem processos históricos de longa duração", esclarece o antropólogo.
Basques afirma que, em diferentes momentos da história brasileira, as elites, inclusive as intelectuais, promoveram políticas explícitas de embranquecimento da população.
"Por meio do incentivo da imigração europeia, em detrimento da imigração asiática, por exemplo, justamente sob o argumento da necessidade de purificação do sangue brasileiro e da civilização de um povo demasiadamente mestiço", lembra.
De embranquecimento a "preto" como ação afirmativa
O Brasil é um país amplamente miscigenado, e o sociólogo lembra que os arranjos étnicorraciais e identitários são extremamente complexos até mesmo para sustentação do preconceito. E exemplifica parte dessa estrutura de embranquecimento, por meio da obra do pintor espanhol Modesto Brocos, intitulada "A redenção de Cam", de 1895:
"Nesta tela, pode-se ver uma mulher preta que aparenta estar agradecendo aos céus pela vida de um neto branco, recém-nascido da eventual união de uma mulher negra de pele clara com um homem branco. Quantas famílias no Brasil revelam essa configuração? Inúmeras", diz.
Entretanto, quando o assunto é quantificar a população brasileira, Basques vai ao encontro do que acreditam outros pesquisadores e pensadores brasileiros como, Lilia Schwarcz, que aponta que para se chegar a um número realista da população negra (56,4%), é preciso que exista a categoria pardo.
O antropólogo enxerga o avanço das palavras pretos e negros, como uma forma de ação afirmativa, que por outrora luta para ressignificar conotações negativas da própria língua, como lista negra e outros. Mas vê essa relação ainda distante dos povos indígenas.
Para Basques, pessoas de ascendência africana estão tendo acesso a um novo tipo de educação, difundida pela música. "Há uma relação de identificação com pessoas afro-brasileiras bem-sucedidas nos mais diversos setores. Atualmente, não é apenas o encontro com a violência policial e com as manifestações de racismo que nos fazem questionar se somos ou não pretos ou brancos. É o encontro com nós mesmos", diz
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