Abate de jumentos dispara e alerta cientistas no Brasil; saiba como ajudar
Há nove anos, a educadora Márcia Freitas encontrou um jumentinho acuado em um dos cantos da cidade de Fortaleza. O bicho estava com as patas machucadas, mas ninguém parou para ajudá-lo. Olhando de mais perto, se via que era uma fêmea. Márcia também foi embora, sem saber o que poderia fazer, mas a situação tirou seu sono.
"Como pode alguém judiar de um bicho que carregou Jesus Cristo?", se perguntava. No dia seguinte, ouvindo um conselho da irmã, Márcia reencontrou a jumenta no mesmo canto do dia anterior, ainda machucada, e ela chamou um veterinário e decidiu adotá-la e chamá-la de Princesa. Assim, Márcia inaugurou um abrigo para jumentos.
A iniciativa dela é parte de um esforço coletivo de ONGs, ativistas e pesquisadores para dar esperança a milhares de jumentos no Brasil e no mundo.
A espécie é símbolo da resistência e trabalho nas regiões áridas do país, mas há uma luta para criar novas relações de bem-estar com esses equídeos. Há iniciativas que permitem adotar jumentos ou a resgatá-los das ruas brasileiras (Saiba como ajudar abaixo).
Entre 2006 e 2017, o número de jumentos no Brasil caiu de 600 mil para 300 mil, segundo o IBGE. De 2015 a 2018, 91.645 jumentos foram mortos para abate, um aumento de 8.000%, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Jumento para exportação
O Brasil é um importante exportador de carne e couro de equídeos. Desde os anos 80, há leis que permitem o abate, e desde 2017 um decreto dá segurança para comercializar, que regulamenta como se deve abater mulas, cavalos e jumentos.
Entre 2010 e 2014, foram cerca de mil abates de jumentos, também chamados jegues e asnos, no país. O aumento repentino se deu com a regulamentação da exploração comercial de pele e carne equina. Consequentemente, a partir de 2017 o número de abates legais subiu 8.000% entre 2015 e 2018, com a participação de frigoríficos na Bahia que vendiam especialmente para compradores asiáticos.
Márcia e jumento resgatado em abrigo Menino Vaqueiro
Chineses consomem o eijao, um creme facial feito com uma gelatina extraída da pele de jumento. Não há comprovação científica, mas se crê que o tônico é útil para tratar anemia e insônia. Dados das Nações Unidas afirmam que 75% dos jumentos chineses foram mortos entre 1994 e 2018, o que também estimulou a importação de países como o Brasil.
Por aqui, não é comum comer carne de equídeos, como cavalos e jumentos. Projetos em Brasília tentaram proibir o abate, mas parlamentares da Bancada do Boi rejeitaram defenderam que a carne equina é uma "iguaria" em muitos países.
A sociedade civil continuou as tentavias de proibir os abates em ações no Ministério Público e com denúncias nas redes sociais. Em 2018, vídeos com jumentos abandonados, com fome, sede e a caminho do abate geraram comoção e investigações policiais na Bahia.
A queda de braço e as cenas de maus tratos reduziram a atratividade do negócio entre brasileiros, mas o estudo dos pesquisadores da USP Mariana Gameiro e Adroaldo Zanella deduz que jumentos ainda são abatidos de maneira ilegal.
Somado a isso, outros asnos são abandonados e substituídos por motos e caminhões como transporte de carga. Logo, não é difícil encontrar jumentos em beiras de estradas e nos cantos das cidades. Os dados e a análise são de pesquisadores da USP e foram publicados em julho no Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science.
No estudo, a somatória de tantos problemas traça um cenário preocupante: se a diminuição de jumentos continuar no mesmo ritmo, há risco de uma queda drástica no número de animais no Brasil, como ocorreu na China.
Um abrigo especial para a espécie
Márcia criou o Abrigo Menino Vaqueiro, em Fortaleza, onde mantém cerca de 30 jumentos. A única fonte de renda da instituição são doações. São cerca de 3 a 4 sacos de ração por dia, cada uma com 40 kg, mais o valor das consultas veterinárias.
No início do abrigo, os animais eram resgatados e deixados em um terreno provisório. Hoje estão em uma área reservada, mas há casos de furtos de animais e dificuldade financeira para tocar o projeto. "Já deixei de comprar quentinha para mim para comprar ração para eles", diz Márcia.
A primeira paixão foi um jumento do avô, ainda na infância. O nome do local é em homenagem a uma prece feita para o santo do Menino Vaqueiro. Há cerca de seis anos, uma récua desapareceu. Segundo Márcia, após as preces, como em um milagre, eles retornaram para o recinto. Além de Princesa, há também Vitória, obrigada por um carroceiro a carregar muito peso até ser abandonada.
Fora do país, a inglesa The Donkey Sanctuary (ou A Reserva dos Jumentos) calcula que 64 mil burros serão abatidos no Brasil, em um total de 76 mil jumentos mortos em 2021.
A ONG financia pesquisas sobre a espécie no mundo e permite "adotar" um jumento resgatado a partir de R$ 22. O adotante recebe retratos e atualizações sobre o jumentinho adotado. É também possível acompanhá-los por câmeras que transmitem os celeiros.
Abrigo Menino Vaqueiro (Fortaleza - CE)
Pix: Telefone 85 98931-1281 (Márcia Virgínia Freitas dos Santos) ou;
Banco do Brasil - Ag. 3655-2 | Conta 76.604-6 | CPF 739511023-49
Picpay: @abrigo.meninovaqueiro
Instagram: @abrigomeninovaqueiro
The Donkey Sanctuary (Reino Unido)
Site: The Donkey Sanctuary (qualquer valor; é possível adotar a partir de R$ 22)
Doou? Exija transparência.
Para denunciar maus tratos de animais em Fortaleza, basta procurar uma delegacia. Também é possível telefonar para o telefone (85) 3247-2630 ou escrever pelo e-mail dpma@policiacivil.ce.gov.br. A ligação é anônima.
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