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Não dar a descarga depois de xixi é mais sustentável?

Pergunte VivaBem xixi - Imagem: Fernanda Garcia/UOL VivaBem
Pergunte VivaBem xixi Imagem: Imagem: Fernanda Garcia/UOL VivaBem

Felipe Floresti

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro (RJ)

31/08/2021 06h00

Choveu muito pouco em todo o Brasil no primeiro semestre de 2021. Há 91 anos os reservatórios não recebiam tão pouca água no período mais chuvoso do ano, de acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). O impacto não é somente no valor da conta de luz.

O sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 7,5 milhões de pessoas em toda a região metropolitana de São Paulo, entrou no mês de agosto com menos de 50% de sua capacidade. O volume total armazenado é menor do que o de 2013, ano que deu início à crise hídrica que durou até 2015. Caso as chuvas não retornem no próximo verão, existe um novo risco de desabastecimento.

No entanto, nas cidades de Bauru, São José do Rio Preto, Salto e Itu, no interior de São Paulo, o rodízio no fornecimento de água já é uma realidade. O mesmo acontece no Paraná, em Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e até na capital, Curitiba, diante de uma das piores crises hídricas da história do estado.

Diante das circunstâncias, as companhias de abastecimento apelam ao cidadão que economize água. De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada pessoa necessita de 3,3 mil litros de água por mês (cerca de 110 litros de água por dia para atender às necessidades de consumo e higiene). No Brasil, o consumo por pessoa pode chegar a mais de 200 litros/dia.

Seguir algumas recomendações básicas de uso racional da água pode reduzir muito o consumo. Fechar o chuveiro ao se ensaboar, por exemplo, pode gerar uma economia de até 90 litros por banho.

No vaso sanitário, a recomendação é que seja utilizado somente para os fluidos humanos, nada de papel ou qualquer outro objeto. A substituição da descarga com sistema de válvula por caixas acopladas reduz o consumo de 12 para seis litros por acionamento. Sistemas mais novos, com dois botões, possibilitam economia ainda maior, reduzindo o consumo pela metade quando for só para carregar o xixi.

Mas será que essas medidas são suficientes? A crise hídrica é global e deve atingir cada vez mais gente. A ONU estima que em 2050, até 5,7 bilhões de pessoas em todo o planeta vão ficar sem água potável no mínimo uma vez por mês.Diante da gravidade da situação, há quem proponha algumas medidas alternativas. Que tal reduzir o consumo de água na descarga, pelo menos do xixi, a zero? Basta urinar no banho, defendia uma campanha do SOS Mata Atlântica de 2009. Porém, tomamos muito menos banhos do que urinamos.

Dos EUA vem uma ideia mais ousada. Existe até um ditado: If it's yellow, let it mellow. If it's brown, flush it down. Algo como: "se for amarelo, deixe maturar. Se é marrom, dê descarga". Uma regra ensinada por muitas famílias que instrui a deixar o xixi na privada. A urina só vai embora mais tarde, acompanhando as fezes. Ecoa foi descobrir: afinal, não dar a descarga depois de xixi é mais sustentável?

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Imagem: iStock

SIM

Economiza água

Uma pessoa saudável faz, em média, de cinco a oito vezes xixi todos os dias. Sem apertar o botão de descarga, gera uma economia de, no mínimo, 15 litros de água todos os dias. Esse gesto simples, em que nem precisa fazer nada, ao final do ano, vai gerar a conservação de 5.400 litros de água.

Isso se for uma dessas descargas econômicas, com duas opções de fluxo. No sistema de válvula, a economia pode chegar a 96 litros por dia. 35.040 litros de água ao longo de um ano.

Não espalha xixi

Sempre que acionamos a descarga, aquele turbilhão de água desce com força e, como consequência, espalha uma espécie de spray pelo ambiente. Microgotículas invisíveis que se espalham pelo ar, e contêm uma pequena amostra de tudo que está no vaso, incluindo vírus e bactérias. Fechar a tampa já ajuda bastante, mas não impede completamente que essas partículas escapem e fiquem suspensas no ar.

Urina é quase estéril

Ao contrário das fezes, a urina é quase estéril. Embora por muito tempo se acreditou que eram completamente livre de qualquer microorganismo, pesquisas recentes demonstraram que não é verdade. A tecnologia disponível que não conseguia detectar as bactérias ali presentes. A boa notícia é que elas são difíceis de estudar justamente por não se multiplicarem muito rápido, uma característica dos patógenos.

NÃO

Fede

O xixi pode até não ter muitas bactérias, mas só na bexiga. No restante do sistema urinário carrega algumas, que se juntam às da privada ou do ar. Logo começa o processo de deterioração da ureia, rica em nitrogênio. As bactérias quebram a ureia e promovem a liberação de amoníaco. É o cheiro que exala a cidade do Rio de Janeiro após o Carnaval.

Dificulta a limpeza

Água e ureia compõem 97% da urina humana. No entanto, pesquisadores já identificaram a presença de até três mil substâncias químicas, como creatinina (0,1%), ácido úrico (0,03%), cloreto, sódio, potássio, sulfato, amônio e fosfato. Assim como ocorre dentro dos rins, com a formação de pedras, essas substâncias podem cristalizar na superfície do vaso sanitário. Deixar a urina lá, maturando, aumenta o tempo de deposição e formação dessa crosta. Ao limpar, além de ser mais trabalhoso, pode demandar a utilização de produtos químicos que vão parar nos corpos d'água, e não tem nada de sustentável.

Muito trabalho, pouco retorno

Questões sanitárias envolvem também questões culturais e de bem-estar de sociedade. Uma coisa é morar sozinho, ser o único a utilizar o banheiro, e deixar a descarga do xixi para depois. Outra, bem diferente, é precisar utilizar o banheiro e encontrar a urina alheia te aguardando.

Fora os possíveis problemas de convivência em sociedade, na prática, não faz muita diferença. Por exemplo, caso todas as 7,5 milhões de pessoas abastecidas pelo Sistema Cantareira deixassem, de uma vez por todas, de dar descarga no xixi, a economia de água seria de, no máximo, 720 milhões de litros por dia. Muito menos que os mais de um bilhão de litros que são perdidos todos os dias por vazamentos nas tubulações ou roubo de água.

Especialistas recomendam continuar dando descarga seja no número um ou número dois. Caso o desejo seja adotar práticas mais sustentáveis, além de evitar o uso perdulário, a dica é ficar atento para possíveis vazamentos dentro de casa. Em larga escala, apoiar e defender a conservação das florestas, matas ciliares, nascentes, mangues, e todos os ecossistemas, é a única forma eficaz de garantir segurança hídrica a longo prazo.

Fontes:
Alexandre Pessoa - Pesquisador da área de saneamento da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venancio (EPSJV/Fiocruz) e membro do grupo temático Saúde e Ambiente, da Abrasco
Crise Hídrica no Brasil - https://biblioteca.cebds.org/crise-hidrica-no-brasil?gclid=CjwKCAjwr56IBhAvEiwA1fuqGhfiA-Dxw0QZgyFq6vyU27MbUaZCCMv2m77U3zvPC9bcseZ4Ghws5BoCTSIQAvD_BwE
Sabesp - http://site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaoId=595
Artigos sobre urina - https://www.nature.com/articles/s41598-019-56693-4
https://journals.asm.org/doi/full/10.1128/JCM.02876-13