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Sincretismo: qual a relação entre santos católicos, orixás e colonialismo?

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

01/09/2021 06h00

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"O sincretismo sempre significa uma mistura, a troca simbólica que dá como resultado uma terceira coisa. É uma fusão cultural que traz valores de uma cultura para outra, que por vezes tem esses 'símbolos disfarçados' ", diz o sociólogo e historiador de arte Marcos Horácio Gomes Dias, doutor em história social. A questão sobre o que é sincretismo foi levantada em "Preto à Porter", novo programa do UOL.

Um exemplo é o santo católico São Jorge, que foi relacionado ao orixá Ogum pelas religiões afro-brasileiras proibidas de cultuar as divindades africanas no Brasil colônia. Ambos têm as mesmas representações simbólicas, ainda que em símbolos distintos (santo e orixá).

Mas o conceito vai além da fé. "O sincretismo ganhou espaço nas religiões, mas podemos trabalhar em diversos outros campos como a política, as grafias, o modo de viver. Sempre será a junção de no mínimo duas culturas", explica Dias.

O sociólogo esclarece que não há como existir um sincretismo religioso sem que esse seja também cultural: "O sincretismo está na maneira de exprimir sentimentos, de explicar o mundo, como vamos visualizar as explicações por meio dessas imagens e livros sagrados."

Quais as origens do sincretismo?

A etimologia de sincretismo vem da Grécia Antiga, do movimento de reunião das ilhas gregas de Creta. "Antes de ser cunhado pelas vias antropológicas, a palavra vem do tempo grego, quando diversos grupos se uniam para lutar contra um inimigo comum, então essa palavra pode remeter a esse início de pessoas se juntando em nome de uma coisa só", pontua o sociólogo.

Para José Luís Landeira, doutor em educação (USP), e que fez pós-doutorado em letras na Universidade de Coimbra - Portugal, o sincretismo é fator constituinte do cristianismo ocidental.

"O cristianismo ocidental é sincrético muito antes da ideia africana entrar nessa equação, sendo sincrético com as relações greco-romanas e celtas. Encontrando no sincretismo uma maneira de existir, de sobrepor e de dialogar com outras culturas", explica.

Pensando pelo viés ocidental, essa primeira absorção de cultura acontece com o domínio dos romanos sobre a Grécia. "Mas esse olhar sincrético, tinha o sentido de 'Deus do outro', e apesar de incorporarem em sua visão, o 'meu Deus' se sobrepõem a essa outra divindade", completa Landeira.

Sincretismo e colonialismo

O sincretismo segue lógicas parecidas no cristianismo brasileiro, com as religiões africanas, mas em um papel colonizador de sobreposições do sagrado. "O sagrado do africano vai dialogar dessa maneira subversiva, porque ele sobrevive dentro do cristianismo e de uma forma muito rica, enriquecendo o cristianismo brasileiro", aponta Landeira

Para o pesquisador, especialmente no Brasil, há uma espécie de terceiro espaço para essas crenças, que incorporaram aspectos entre si. "A religião de matriz africana não é mais como era na África e o cristianismo também não é mais como ele chega ao Brasil na matriz europeia. É muito rico isso na construção da identidade de um povo, de uma cultura", explica.

No entanto, as raízes dessa riqueza são regadas a sangue, pela imposição da cultura dos colonizadores aos povos originários e pela proibição dos cultos de origem africana pelos escravizados, que adaptaram parte dos seus ritos aos santos católicos, criando essa relação de sincretismo..

Sincretismo vs hibridismo

É longe da ideia equivocada de 'pureza' que existem e se constroem as culturas e religiões, mesmo pelo cristianismo trazido do continente europeu. "Essa cultura portuguesa já era sincrética por séculos de tradição árabe, que ocuparam a Península Ibérica por anos, com os reinos cristãos anteriores, principalmente dos Suevos, e com os Celtas ao norte", explica o sociólogo.

"Não existe uma cultura que seja isolada, mesmo pensando em povos indígenas que não têm contato com outras pessoas, por sua vez, eles têm contato com outros povos indígenas. As culturas se emprestam, aprendem umas com as outras, independentemente se elas se gostam ou lutam entre si", completa.

Dias ainda explica que grupos de pesquisadores reivindicam o desuso da palavra sincretismo, e propõem no lugar o termo conhecido como hibridismo, que entende a mistura das culturas, sem denominar qual a "principal" ou "original". "Defendem que tornamos sincrético sempre algo que é subalterno, que se esconde atrás de uma cultura dominante. Por exemplo, no caso dos orixás, que sempre parecem ficar 'escondidos' atrás da imagem de santos católicos", explica.

Assista ao segundo episódio de "Preto à Porter"