Colorismo: O que é e como ele afeta a vida de negros de pele retinta?
Giacomo Vicenzo
colaboração para Ecoa, de São Paulo
08/09/2021 08h50
Você sabe o que é colorismo? Esse tipo de preconceito tem relação com a tonalidade da pele. No Brasil, a cor da epiderme é um assunto que já passou por diferentes denominações. Em 1976, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), permitiu que cada indivíduo dissesse de forma livre com qual cor se identifica no Censo Demográfico, entre os mais de 136 registros estavam algumas, como, "cor de burro quando foge", "meio-branca", "loira-clara" e "morena castanha".
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Atualmente, o levantamento padroniza as cores de pele e etnias em amarelo, branco, indígena, pardo e preto. As pessoas declaradas negras (pretos e pardos) no Brasil representam mais de 56% da população.
Apesar de serem maioria, sofrem com processos de desigualdade social, que se refletem nos acessos às diversas áreas da sociedade e com o preconceito racial, que atinge sobretudo pessoas mais retintas, e esse tipo de preconceito leva em conta as marcas, que seriam os traços mais notáveis de ascendência africana, como explica Messias Basques, doutor em antropologia pelo Museu Nacional.
Mas qual é a relação da cor da pele e das variações de tons da pele negra com o colorismo? O assunto foi abordado no programa "Preto à Porter", lançado pelo UOL esta semana. Para responder essas perguntas e outras Ecoa reuniu dados e conversou com o antropólogo, que pesquisa raça, questões raciais e povos indígenas, para entender a relação do termo com os mais variados processos de racismo no Brasil.
O que é Colorismo?
O colorismo é um preconceito que pode acontecer entre pessoas de pele negra, mas, assim como o racismo, funciona de forma estrutural na sociedade brasileira e está ligado ao processo de embranquecimento no país, criando relações e cenários desiguais, de acordo com o tom da pele.
"Nasce da suposição de que a raça impõe às pessoas um limite, enquanto para outras as permite prosperar e vencer na vida. Desse modo, produziu-se uma identificação com pessoas mais marcadamente com fenotípicos africanos com a sua exclusão através do racismo", explica Basques.
"Nessa escala cromática, quanto mais se aproximam daquilo que é branco passam a serem vistas como mais humanas, menos pretas, menos selvagens, menos tribalizadas, atrasadas e primitivas", completa.
Para o antropólogo, o colorismo cria uma espécie de "pigmentocracia", que vai definir os locais de acesso e quais acessos essas pessoas terão, de acordo com o tom de sua pele.
"Se opõem os polos do branco ao preto e quanto mais tende ao meio e ao polo branco, mais se atribui a essas pessoas vantagens sociais e oportunidades em contraposição àquelas pessoas que têm a sua pele preta e o seu fenótipo marcadamente com uma maior ascendência africana", aponta.
Quais os efeitos do colorismo?
No Brasil, os cargos de liderança das 500 maiores empresas são ocupados por apenas 4,7% de pessoas negras, de acordo com um levantamento do instituto Ethos.
Para o antropólogo, sua própria experiência pessoal o coloca em contato com essas diferenças de locais e acessos. "A partir da minha experiência de vida, de pessoa negra de pele clara, chego em lugares privilegiados da nossa sociedade, e não encontro no lugar pessoas negras de pele retinta, é como se nós encontrássemos oportunidades para indivíduos e não para uma coletividade", acredita.
Basques concorda que programas de inclusão de empresas e outras ações afirmativas são importantes peças de inclusão, mas vê o cenário ainda como uma exceção. "Nossa presença enquanto exceções apenas comprova a suposta regra de que a meritocracia existe, porque chegamos por conta das nossas ações e determinação. De outro lado, ocorre o contrário, chegamos e somos exceções, porque a regra é o racismo e o colorismo de nossa sociedade", defende.
"Olhe para os lados e procure pessoas negras e retintas em nossa sociedade e onde elas estão — estão nos lugares menos desejados, menos valorizados socialmente. Assim como a diferença entre salário de negros e brancos existe, mas sobretudo, para pessoas mais retintas e mais marcadas por um fenótipo", complementa com a provocação.
Em 2019, a população branca recebeu 56,6% a mais que a população negra, de acordo com dados do IBGE, que também apontam que pessoas negras ocupam postos de trabalho mais precários.
Outro estudo, feito pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), mostrou que mesmo quando a "linha de largada" é traçada de forma igual, com famílias de níveis econômicos e culturais semelhantes, profissionais negros recebem 17% menos que os brancos.
Raízes do colorismo e caminhos para mudança
Para Basques, a presença de pessoas negras de pele clara em locais valorizados pelas elites brasileiras revela a dificuldade de incluir a comunidade negra como um todo. "Não só pela aparência física, mas por aquilo que essa aparência revela, que é o racismo baseado em uma hierarquia determinada na pigmentação", diz.
O antropólogo exemplifica o efeito do colorismo não só no Brasil, como também nos EUA, com a vida Zora Hurston, autora negra e pesquisadora que estudou e publicou sobre os contrastes raciais de seu país na década de 30.
"Ela sofreu a consequência do colorismo no fenômeno histórico do racismo nos EUA, sendo contemporânea de Katherine Dunham, outra mulher também pesquisadora e pioneira no tema, mas que tinha a pele mais clara que a sua e se destacou, enquanto Hurston foi enterrada em uma cova sem identificação, mesmo com a promessa de genialidade de sua obra", diz Basques.
Para o pesquisador é importante relembrar esse fato, pois Dunham e o próprio fenômeno do colorismo estão por trás de uma das primeiras leis de igualdade racial no Brasil. "A autora visitou o Brasil e foi impedida de adentrar em um determinado hotel, muitos intelectuais, entre eles Gilberto Freyre, então deputado federal, se pronunciou na tribuna dizendo que o gerente que barrou sua entrada não havia percebido que no Brasil, há um acordo democrático que teria como base o relacionamento harmonioso entre as raças e indivíduos", lembra.
Basques aponta que ações afirmativas sobre o colorismo propriamente dito, ainda não foram criadas, mas as ações étnico-raciais acenam para essas boas-práticas, mas enquanto não houver um projeto de estado com essa agenda, muitas dessas ações, da esfera privada à governamental irão continuar mirando na comunidade negra, mas acertando em sua maioria nas pessoas negras de pele mais clara.
Assista ao terceiro episódio de "Preto à Porter"