Magalu repete trainee só para negros; "programa foi de utilidade pública"
Gislaine Cruz já atuou em diversas empresas e até no setor público. Em algumas delas, seu desenvolvimento profissional não era valorizado e seus gestores não sabiam lhe dizer o motivo. Ela, no entanto, sabia muito bem do que se tratava, tinha sentido na pele as barreiras de um ambiente de trabalho pouco diverso. Gislaine é formada em gestão de políticas públicas pela USP e atualmente trabalha no setor comercial do Magazine Luiza. É uma mulher negra e uma das 19 contempladas pelo programa de trainee da empresa direcionado só para profissionais negros.
"Quando cheguei no Magalu, vi que as pessoas, de fato, estavam preparadas para me receber. E esse era meu medo. Como eu ia crescer se o gestor não me desse oportunidade? Mas aqui eu tenho voz e me sinto acolhida", conta ela.
Hoje (21), exatamente um ano após lançar o programa que gerou manchetes, críticas e também inspiração para outras iniciativas, o Magazine Luiza abriu mais um processo de trainees, novamente direcionado exclusivamente para pessoas negras. A ideia da empresa, uma das maiores varejistas do mundo, é dar continuidade ao projeto de diversidade racial em seus cargos de liderança.
Quem pode participar
"A gente só precisa de oportunidades. Todos somos capazes e únicos", comenta Gislaine Cruz. A participante do processo de trainee do Magalu de 2020, comentou, ainda, que ela (e os demais selecionados) está disponível para responder dúvidas e incentivar mais pessoas negras a se inscreverem nessa nova seleção.
Universitários e formados entre 2018 e 2021 em qualquer curso e qualquer estado podem se inscrever. Não precisa ter fluência em inglês e experiência profissional anterior. Idade e instituição de ensino não serão critérios avaliativos. Entre os 19 selecionados no processo anterior, 12 não tinham inglês fluente.
"Como diz Angela Davis: quando uma mulher preta se movimenta, toda uma estrutura se movimenta com ela. A gente precisa se movimentar para mudarmos a realidade do nosso país. Nós, pessoas negras, somos a maioria, mas não ocupamos a maioria dos espaços", afirma Gislaine.
Do cenário indesejado à mudança
51,8% dos funcionários do Magalu se consideram pretos ou pardos. Desses, 41,5% ocupam cargos de liderança, 47% no setor de operação, ou seja, nas lojas e 21% nos escritórios. A ideia da empresa é que, nos cargos de liderança, o número de pessoas negras represente a demografia brasileira, ou seja, 56,1%.
Esses números apresentados hoje pela companhia não eram uma realidade em setembro de 2019 quando o Magalu decidiu adotar uma política de diversidade. Na primeira pesquisa elaborada pela empresa para conhecer seu quadro de funcionários, 53% se autodeclararam negros, apenas 16% estavam em cargos de liderança.
"Reconhecemos a questão racial na empresa como um problema, esses números mostraram uma incompetência nossa", disse o CEO, Frederico Trajano, durante o lançamento do novo programa. A solução, então, foi montar um time que contou, entre outros parceiros, com a 99jobs e o Indique Uma Preta, para reverter esse cenário e trazer novos profissionais negros para a empresa.
Assim que foi lançado, o processo de trainee do Magazine Luiza tomou conta da internet. Por destinar suas vagas exclusivamente para pessoas negras, parte das redes sociais acusava a companhia de "racismo reverso".
"O programa de trainee também foi de utilidade pública porque gerou esclarecimentos que as pessoas desconheciam como a história do racismo reverso", comenta Patricia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas da empresa. Houve também quem questionasse a constitucionalidade do processo, acusando-o de exclusão.
Assim como racismo reverso não existe, já que pessoas negras não excluem institucionalmente outras por não serem maioria em espaços de poder, o processo do Magalu não fere a Constituição. Para garantir igualdade, como afirma a carta magna, é necessário tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais a fim de que, no fim, todos partam do mesmo lugar e possam ter as mesmas oportunidades.
Essa repercussão, contudo, gerou um efeito positivo. Mais e mais pessoas se candidataram às vagas — e as ações da companhia subiram. Ao todo foram mais de 22 mil inscrições.
Dicas da diretora executiva de gestão de pessoas do Magalu para empresas que querem adotar processos seletivos visando maior diversidade:
- Ter um CEO engajado com a proposta;
- Ter o entendimento de que não pode ser um programa isolado, o problema da falta de diversidade em uma empresa não se resolve apenas com uma só ação, mas, sim, com um programa com diversas ações;
- Ter um trabalho forte de comunicação e preparação, pois as pessoas da empresa precisam entender o assunto.
Nós, executivos, fizemos cursos aqui na empresa de letramento racial para que estivéssemos preparados para receber os trainees
Patricia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas do Magazine Luiza
Para continuar a mudança
Se o objetivo da empresa, como afirma, é fazer um processo seletivo e reparação social, ainda falta bastante para atingir o número de líderes negros correspondentes à população brasileira. Depois de muita discussão, a solução encontrada pelo Magalu foi repetir o processo seletivo do ano anterior.
Mas não só isso. A contratação de trainees representa apenas uma parte do programa de diversidade. O Magazine Luiza desenvolveu, entre outras atividades, um grupo de afinidade chamado Quilombo Magalu que atua como uma consultoria interna que ajuda a validar iniciativas, posicionamentos e políticas de inclusão dentro da empresa.
O departamento de gestão de pessoas também estabeleceu metas de contratação de colaboradores negros para posições de liderança e definiu uma política de promoção de funcionários que incentiva a diversidade.
Para criar mais lideranças negras, contudo, a empresa julgou que a melhor alavanca seria o processo de trainee, que funciona como um "fast track" — jargão do mundo corporativo para um trajeto acelerado para se chegar a uma posição de gestão. Segundo Patricia Pugas, geralmente em dois anos o trainee consegue assumir um cargo de liderança.
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