Escola em Sergipe combate evasão com busca ativa feita por alunos e diretor
No Brasil, a evasão escolar costuma dar um salto na passagem para o ensino médio. Dados da PNAD Educação revelam que o percentual de jovens fora da escola aos 15 anos é de 14,1%. Aos 14 anos, quando geralmente ainda estão no ensino fundamental, o índice é de 8,1% Entre os motivos mais citados estão a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%); entre as mulheres, destacam-se ainda a gravidez (23,8%) e afazeres domésticos (11,5%).
Com a pandemia e a necessidade de acompanhar as aulas remotamente, a falta de acesso à internet se tornou outro obstáculo importante. Foi o caso de Nataly Santiago Santos, jovem sergipana de 15 anos que por pouco não abandonou os estudos no início deste ano.
"Eu não tinha um celular para fazer as atividades - em casa só tem o da minha mãe, e muitas vezes ela precisa levá-lo para o trabalho. Então estava pensando em parar de estudar", conta. Mas, com o apoio da sua escola, ela não apenas continuou os estudos, como também passou a atuar na busca de outros alunos para incentivá-los a não desistir.
O grande responsável por esse feito é o professor Almir Pinto, atual diretor do Colégio Estadual Edélzio Vieira de Melo, onde Nataly está cursando o primeiro ano. Localizada na cidade de Santa Rosa de Lima, em Sergipe, a escola oferece aulas de período integral para o ensino médio.
Ouvindo a comunidade escolar
Ao chegar ao cargo, em 2010, Almir se chocou ao descobrir que a evasão escolar por ali beirava os 43%. "Aquilo me deixou muito incomodado. Estava claro que os alunos não enxergavam na escola um papel de transformação social na vida deles", reflete. Ele então decidiu escutar toda a comunidade escolar - incluindo alunos, família, professores e coordenadores pedagógicos - para entender o que havia por trás desse número.
Ao ouvir as pessoas, ele entendeu que um dos principais motivos para o abandono das aulas era a necessidade de trabalhar para ajudar em casa. Além disso, a evasão entre as mulheres estava muito relacionada ao fato de engravidarem e não terem com quem deixar os filhos.
Embora esses fatores não fossem uma surpresa, o diretor identificou outros que nem imaginava. "Descobrimos que a merenda que fornecemos é muito importante. Alguns alunos deixavam de ir à aula por causa disso: eles perguntavam para a turma do período anterior o que haveria e perdiam a motivação se não fosse bom. Eles já chegavam cansados do trabalho, e não queriam ficar com fome o resto da noite", conta. Na época, a escola ainda não oferecia ensino em período integral.
Essas informações nortearam uma série de medidas. A alimentação, por exemplo, foi repensada com a participação dos alunos na definição do cardápio. Para as mulheres, a escola implementou o projeto "Bebê a Bordo", que envolveu a criação de uma brinquedoteca onde pudessem deixar seus filhos enquanto estivessem em aula. As ações foram bem recebidas e isso se traduziu em números: em dois anos, a evasão escolar foi zerada.
Clube de Protagonistas
Para continuar mantendo esse índice e ampliar o papel da escola na vida dos alunos, Almir decidiu lutar pela sua inclusão no Programa de Ensino Médio Integral, que hoje conta com mais de 4 mil escolas em todo o país. "Essa é uma metodologia que se baseia em pilares como o acolhimento, o aprendizado na prática e o protagonismo juvenil", explica.
A mudança começou em 2018, de forma gradativa. Em 2020, todas as turmas já estavam na modalidade integral - e até mesmo os estudantes que trabalhavam aceitaram essa troca. Com a ampliação do tempo na escola, os alunos foram incentivados a criarem clubes segundo seus interesses. Surgiram grupos de música, dança e jogos, mas o principal deles é o Clube de Protagonistas, que vem realizando desde o começo do ano um trabalho diário no combate à evasão escolar.
Nataly atua nesse clube como secretária, ajudando a organizar as ações voltadas ao engajamento dos estudantes. "Mesmo com todas as dificuldades que enfrentou no ensino remoto, hoje ela é uma estudante de destaque na escola e ainda ajuda muito na gestão das atividades dos protagonistas", diz o diretor.
Uma dessas atividades envolve uma busca ativa que já começa antes do início do ano letivo. "Nós apuramos quantos alunos do município estão se formando no ensino fundamental, pegamos seus nomes e telefones e os colocamos em um grupo no WhatsApp. Se o aluno não tem telefone, procuramos o do vizinho", afirma ele.
Pelo aplicativo de conversas, os protagonistas passam informações sobre como é o ensino de tempo integral e ajudam na integração dos novos alunos. Isso tem funcionado tão bem que a escola vem atraindo até pessoas que haviam interrompido o estudo vários anos antes. Segundo Almir, já houve um caso em que não apenas um jovem, mas também sua mãe e sua tia resolveram voltar a estudar.
Com essa interação, as turmas passam a conhecer a escola, o programa e os colegas antes mesmo de fazer a matrícula. "Quando as aulas começam, todos chegam parecendo velhos amigos, e isso é muito bom. Queremos que eles sintam que pertencem a este lugar e não abandonem as aulas", comemora.
Providenciando o apoio necessário
Essa busca do início do ano teve ainda a função de identificar se os novos alunos teriam ou não condições de acompanhar as aulas remotamente. Com isso, descobriu-se que 35 alunos (de um total de 218 na escola) não tinham internet em casa. Desses, 15 não tinham celular.
A escola criou uma campanha para obter doações de celulares para esses alunos, mas não conseguiu arrecadar muitos aparelhos. O diretor veio então com uma alternativa: mesmo sem aulas presenciais, a escola ficaria aberta para que os alunos pudessem usar os computadores para acompanhar as aulas e realizar as atividades. Segundo Nataly, foi isso o que fez com que ela se animasse para continuar os estudos.
Embora funcionasse para alguns alunos, vários outros não tinham condições de se deslocar até a escola por não terem dinheiro para o transporte público (com a pandemia, o transporte escolar havia sido paralisado). Foi aí que a busca ativa de porta em porta começou.
Almir e o grupo de alunos protagonistas identificaram quais eram os alunos que estavam com esse problema e começaram a organizar visitas regulares para levar as tarefas a serem feitas e buscar as já prontas para os professores corrigirem.
Mas as visitas servem para um propósito ainda maior: "Nós vamos até lá, conversamos, buscamos compreender a situação que eles estão vivendo e então fazemos o possível para ajudar e incentivar", conta Nataly. "É uma experiência muito legal, porque eles gostam da nossa visita e confiam na gente", completa.
As visitas acontecem todos os dias, alternando os colegas visitados e também os voluntários: com o transporte providenciado por Almir (geralmente uma van), metade do grupo vai à casa dos alunos e metade fica na escola para organizar as atividades. Hoje, o clube conta com 30 protagonistas.
A ação tem dado resultado: "Mesmo os mais resistentes retomaram os estudos", comemora o diretor. "É necessário convencer o aluno sobre a importância da escola. E para isso o ideal é levar quem mais eles escutam: os próprios colegas", completa.
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