No RS, churrascaria Picanhas Grill vira vegana contra sofrimento animal
Evandro Rodrigues não esquece do primeiro almoço na casa da namorada. Zelinda Lima preparou pratos de que gostava e sabia fazer, como glúten temperado, mas que eram completamente atípicos para ele. O namorado trabalhava em churrascaria e pegou gosto pela coisa. Evandro sonhava em abrir o próprio restaurante.
Juntos, eles criaram um restaurante vegano no Rio Grande do Sul que está dando o que falar. A dieta sem uso de ingredientes de origem animal é defendida como uma maneira sustentável de alimentação e respeito com a vida animal. Mas antes do cardápio vegano, muita coisa aconteceu.
A namorada de Evandro vivia em uma realidade bem diferente da dele. Há mais de 30 anos, Zelinda se tornou vegetariana por influência da filosofia hare krishna.
Não há a menor chance de que ela volte a um cardápio com ingredientes de origem animal e, consequentemente, nunca experimentou nada do que ele preparava para os clientes. Com o tempo, Zelinda criou uma mão boa para a cozinha vegetariana. Na verdade, a técnica era uma necessidade.
"Cansei de passar fome por não achar restaurantes com comida vegetariana no passado", diz. Assim, ela sonhava em facilitar a vida de outros vegetarianos e veganos de Porto Alegre, capital de um estado que se gaba do churrasco. Mesmo assim, apoiou o sonho de ter uma churrascaria de Evandro, mas com condições.
Além de carne, o restaurante também serviria opções vegetarianas e veganas. Quem quisesse, que pedisse. Feito.
Os dois economizaram, pediram dinheiro emprestado e abriram as portas do Picanhas Grill, na capital gaúcha. Como acontece com muitos restaurantes, o início foi difícil. Os clientes não apareciam e ainda era preciso reformar o salão.
Mas com o tempo a clientela foi aumentando, as obras terminaram, as dívidas foram quitadas e muitos vegetarianos apareceram em busca das receitas sem carne. Até que más notícias começaram a circular pela televisão e na boca dos clientes. Um vírus altamente contagioso e fatal se espalhava na China, Europa, e ameaçava contaminar os brasileiros.
O Picanhas, então com filas de dobrar a esquina, fechou para o público em respeito às medidas sanitárias e passou a atender apenas por aplicativo.
Em junho do ano passado, o casal teve uma ideia. "Por que não aproveitar e mudar nosso negócio?", perguntaram um para o outro. Assim, a churrascaria virou vegana.
A virada
A dieta vegetariana abole o consumo de carne animal. Entretanto, há os vegetarianos chamados ovolactovegetarianos, que consomem produtos derivados, como ovo, leite e queijo. Outra fatia dos vegetarianos costuma restringir apenas a alimentação, mas usar produtos derivados de origem animal, e são chamados vegetarianos restritos. Já o estilo de vida vegetariano chamado vegano não come ingredientes de origem animal e nem usa produtos desenvolvidos com sofrimento de algum bicho (por exemplo: cosméticos testados em coelhos).
Em comum, são modos de vida com várias motivações. Podem ser contra o abate de animais, o modelo agropecuário de ocupação da terra, princípios pessoais, crença...
O Picanhas Grill reabriu as portas para o público no mês passado como um restaurante na categoria vegana, mas com um letreiro na fachada quase igual ao original: Picanhas Grill Veg. O nome carnívoro ficou como uma homenagem ao trabalho do casal para criar um restaurante sem "ter 1 real, bah!".
O rodízio é servido como uma churrascaria convencional. Há um buffet com saladas e outras opções, uma grelha e um garçom que vai de mesa em mesa com um espeto com mais comida.
No cardápio, couve-flor à milanesa, estrogonofe de glúten, seitan (proteína de glúten), calabresa vegana, bife à parmegiana (com bife de soja e queijo veganos), polenta, pão de alho, abacaxi assado com canela, coxinhas, pastéis e cheddar vegano e cachorro quente. Tudo sem leite, ovo ou queijo. De sobremesa, maçã caramelizada, carrapinha (amendoim com chocolate), bolos e mousses.
Para Zelinda, a dieta vegana é uma maneira de evitar o sofrimento animal. "Eu aprendi que toda a vida de um ser vivo deve ser respeitada na filosofia hare krishna", diz.
Nos últimos anos, ela afirma que a população é mais consciente sobre alimentação com a ajuda da internet. Logo, a sociedade foi sendo educada para criar mais produtos, restaurantes e a reconhecer o veganismo como uma opção sustentável.
"Eu conheci jovens que nunca provaram carne. Na minha época não era assim", diz. Quando "saiu do armário" como vegana, a finada mãe a levou ao médico para checar se ela estava bem de saúde.
Como se provou com exames que estava tudo bem, a mãe se convenceu e boa parte da família de Zelinda se tornou vegana ou vegetariana.
Evandro também viu vantagem. "Bah, tu come um Xis e fica estufado, não dorme direito. O paladar também só consegue sentir gosto de carne e mais nada. Com vegano, tu come e fica tranquilo", diz.
Mais de 100 pessoas compareceram na reinauguração. "Um pessoal chegava bem ali perto da grelha pra ver se não era carne mesmo", brinca Evandro.
Para evitar aglomerações, o Picanhas funciona com reservas. O horário é das 10h30 às 15h30, com atendimento de no máximo 40 clientes por vez. O rodízio vegano sai por R$ 56.
A Curadoria de Ecoa
As histórias e pessoas apresentadas todos os dias a você por Ecoa surgem em um processo que não se limita à prática jornalística tradicional. Além de encontros com especialistas de áreas fundamentais para a compreensão do nosso tempo, repórteres e editores têm uma troca diária de inspiração com um grupo de profissionais muito especial, todos com atuação de impacto no campo social, e que formam a nossa Curadoria. Esta reportagem, por exemplo, nasceu de uma conexão proposta por Luana Pereira, curadora de Ecoa.
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