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O desmatamento aumenta a chance de novas epidemias?

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Imagem: Getty Images

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

26/09/2021 06h00

É notável o quanto a vida mudou por conta de um microrganismo. Sim, falamos da covid-19. O novo coronavírus alterou o ritmo da sociedade por completo e ceifou milhões de vidas. Ainda sem origem claramente definida, alguns dos estudos, como o da revista científica "Nature", associam que a gênese do problema possa estar relacionada ao contato com animais que foram hospedeiros intermediários da doença, como o pangolim (mamífero que tem o corpo coberto por escamas).

Enquanto a dúvida de onde veio ainda não é respondida de forma exata pelos pesquisadores, o avanço dos seres humanos em biomas e florestas nos coloca em contato com organismos antes desconhecidos, que têm potencial para provocarem (e inclusive já provocaram) pandemias e endemias. A destruição da vegetação no Brasil traz dados alarmantes, com o maior número de áreas desmatadas na Amazônia somente entre março e abril deste ano.

Mas é verdade que o desmatamento aumenta a chance de novas epidemias? Como e porque isso poderia acontecer? Qual a relação das florestas e meio ambiente com a saúde dos humanos?

Ecoa conversou com biólogos, pesquisadores e imunologistas para responder essas e outras questões sobre o tema.

O desmatamento aumenta a chance de novas epidemias?

A natureza e os ecossistemas funcionam como uma espécie de teia em que animais e microrganismos convivem com múltiplas interações, como suporte, predação e servindo de hospedeiros para outros. Os seres humanos, por sua vez, não escapam dessas leis naturais, sobretudo quando esses seres são microscópicos.

"Temos algumas leis que regulam os organismos vivos deste planeta. Essas 'regras' que controlam as dinâmicas de população e se pautam entre relações de natureza evolutiva e ambiental entre as espécies", explica Ana Lúcia Tourinho, doutora em ecologia e professora do programa de pós-graduação em ciências ambientais da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).

A ecologista aponta que o desmatamento está relacionado a muitas doenças contagiosas justamente por essas relações. "O aumento de uma espécie em um determinado local invariavelmente influenciará na diminuição de outra. Dentro de um sistema, o aumento ou diminuição de uma cobertura vegetal implica no número de outros organismos, como os microrganismos, que podem estar dentro dos corpos desses animais que vivem nas florestas", diz.

E complementa sobre o desmatamento: "Quando se tem a perda de cobertura vegetal, há extinção de animais, principalmente mamíferos, que são os vetores intermediários ou primários desses patógenos que causam doenças", explica.

Tourinho ainda alerta que, quanto maior a diversidade, mais protegidos estamos de possíveis pandemias, pois há uma regulação natural. "Espécies que sobrevivem a esses processos de desmatamento, geralmente são as mais resistentes, que são as que têm mais chances de terem patógenos com risco de nos infectar", diz para Ecoa.

Sem abrigo, esses seres naturalmente irão procurar novas moradas, que podem ser a cidade, e quando se fala em bactérias e vírus, esse novo lar, podem ser os nossos corpos. "À medida que diminuímos o tamanho do habitat de uma espécie, os patógenos que as infectam buscarão outros hospedeiros seja pelo aumento da proximidade ou no caso do homem, pela invasão de espaços e consequentemente contato", explica o médico imunologista Luiz Vicente Rizzo, diretor e professor do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. "Alterações no meio ambiente aumentam as chances de novas epidemias."

Florestas e meio ambiente criam barreiras contra novas epidemias?

Rizzo ainda explica que o risco não se limita somente às florestas, mas degradar o meio ambiente, com o aquecimento global por exemplo, coloca a humanidade em contato com uma série de organismos que podem ser potencialmente perigosos, e esse "sinal de alerta" já chegou até mesmo às partes mais geladas da Terra.

"O degelo de diversas áreas do globo está revelando diversos vírus pré-históricos, e com eles protozoários e bactérias e até helmintos [vermes que vivem no organismo do hospedeiro], que podem cruzar a barreira de espécies dado o tempo necessário e a pressão evolutiva introduzida pelas mudanças climáticas e pela degradação do meio ambiente", explica o imunologista.

Da Amazônia às geleiras, os vírus são altamente diversos nos ecossistemas e têm capacidades adaptativas. "Essa adaptação evolutiva entre vírus e hospedeiros ocorre durante milhares de anos em recorrentes processos de infecção e reinfecção. Ao avançarmos o desmatamento facilitamos o contato de animais hospedeiros de vírus desconhecidos com o ser humano", aponta Luciana Barbosa, bióloga e coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

"São microrganismos que o homem não teve contato ao longo do tempo evolutivo, período necessário para geração de mecanismos de defesa imunológica", completa Barbosa.

A bióloga lembra que entramos em uma fase chamada por muitos pesquisadores de Antropoceno, em que as mudanças na Terra são causadas pelo homem, e além dos organismos perderem seus hospedeiros naturais, também perdem possíveis predadores. Esse descontrole é o quadro perfeito para o encontro do homem com esses vírus e bactérias que podem desencadear pandemias, epidemias e endemias.

"Vários cientistas têm chamado de 'quebra de barreira' a aproximação de vírus com o ser humano. Onde antes a proximidade era barrada e filtrada pela vegetação nativa", explica Barbosa.

A passagem de patógenos de animais para humanos é conhecida e vem crescendo de forma alarmante nos últimos anos, de acordo com Rizzo, que lembra os casos de surtos dos vírus que também fazem parte da família dos coronavírus, Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e as constantes aparições de ebola.

"Há outros que não assumem proporções de notícia, seja pela ineficiência na transmissão entre humanos, seja por sua letalidade que limita a disseminação ou por outros fatores como isolamento geográfico das populações humanas afetadas", alerta o médico.

Preservar biomas e a fauna é a solução para prevenir epidemias?

O biólogo sanitarista Diogo Chalegre, membro da World Mosquito Program, que estuda doenças transmissíveis e seus controles, explica que essa transmissão aos humanos pode ocorrer de forma direta ou por vetores.

"Por meio da degradação ambiental, o número de espécies locais de determinado ecossistema pode ser reduzido, assim, predadores naturais de certos animais, que funcionam como reservatórios de vírus e bactérias, podem deixar de existir, levando a um aumento populacional desses animais", comenta Chalegre.

"Com o aumento da população destas espécies, há também um aumento da quantidade de microrganismos que os infectam. Dessa forma, um vírus antes transmitido apenas entre os animais, pode acabar infectando os humanos diretamente ou por meio de vetores, como os mosquitos, por exemplo", completa.

O biólogo explica que os biomas funcionam literalmente como uma barreira desses microrganismos. "Quando um vírus ou bactéria se adapta ao hospedeiro humano, passando a infectá-lo, dizemos que houve uma quebra de barreira ou transbordamento zoonótico. Isso significa que os microrganismos, antes restritos ao ciclo silvestre, passam agora a ser agentes infecciosos para os seres humanos, podendo causar epidemias e pandemias como zika vírus, ebola e possivelmente a covid-19", esclarece.

"É importante lembrar que o macaco não é o transmissor de doenças, mas sim seu hospedeiro e reservatório natural. Quando o ser humano mata o macaco, por exemplo, reduz seu tamanho populacional e favorece a transmissão do vírus para o próprio homem", complementa o biólogo.

Chalegre avalia que a maioria das doenças parasitárias que conhecemos hoje são de origem zoonótica e acabam transmitidas para o homem por algum desajuste ecológico. "Manter o equilíbrio ambiental é fundamental para as gerações. A economia tem que se desenvolver de modo responsável e a sociedade precisa ser educada para cuidar do mundo como se fosse sua casa, pois ele é", defende.

E cuidar do lar, inclusive com a observação de doenças na fauna silvestre, [especialmente as que podem acometer humanos], por exemplo, e seus fatores de risco não é algo restrito somente aos cientistas. O Sistema de Informação em Saúde Silvestre (Siss Geo), possibilita a inclusão de observações georreferenciadas feitas por pessoas de todo o país.