Corrida é fonte de esperança a crianças de baixa renda no interior baiano
A pista de terra e pedras, em meio à seca do interior baiano, é o cenário desafiador usado por um projeto social para treinar 40 crianças. Com aulas de atletismo e capoeira, o Centro Cultural e Desportivo Educando pela Arte aposta no esporte e cultura para dar a essa criançada chance de alcançar uma vida melhor.
O projeto foi criado há 15 anos e ganhou a simpatia dos moradores de Poções, cidade a 450 km de Salvador, que encontraram na iniciativa uma fonte de esperança e segurança para seus filhos. Para eles, esta é uma maneira de impedir qualquer tipo de aliciamento por grupos criminosos da região.
O centro cultural criado pelo cabeleireiro Maicon Chagas organiza corridas e dá às crianças a oportunidade de mostrar o que aprenderam nos treinos.
O trabalho é feito de maneira voluntária e busca parcerias para ajudar as famílias dos pequenos atletas. A realidade difícil das famílias de baixa renda, que muitas vezes não têm o que comer, não permite que as crianças tenham acesso a equipamentos adequados para a prática do esporte. Muitas correm descalças.
"Essas crianças são de famílias pobres e alguns não têm condições de ter um tênis para treinar. Mas elas têm determinação e espero que esse seu esforço impulsione uma vida melhor futuramente", ressaltou Maicon.
"Com muita dedicação e disciplina estamos conseguindo envolver muitas crianças na prática esportiva, mas, infelizmente, não temos recursos financeiros. E precisamos de apoio com recursos materiais, educacionais e culturais para poder manter o projeto", continuou.
Segundo o organizador, as crianças têm aulas de atletismo e capoeira duas vezes na semana. O trabalho busca patrocínio e doações para ajudar essas crianças.
"O esporte tem valores que tanto transformam quanto sofrem influência da sociedade. Por isso, utilizamos o esporte para enfatizar a inclusão social e, no caso das crianças, gerar mais saúde, mais equilíbrio e agregar valores", destacou Maicon.
"Um dia eu chego lá"
Júlio César Ferreira, 10, está entre os jovens que participam do projeto. Ele e uma irmã de 15 anos moram com a mãe, a dona de casa Ana Barbosa de Jesus. O menino viu no esporte a possibilidade de dar uma guinada na vida.
"Minha vida é correr. Eu treino para dar uma vida melhor para minha mãe. Amo muito a corrida e nunca vou desistir. Vou me esforçar muito para virar profissional. Não tenho tênis especial para o esporte, por isso corro descalço. Mas um dia eu chego lá", disse o menino a Ecoa.
O núcleo familiar de Júlio César enfrenta dificuldades financeiras. A mãe dele, Ana Barbosa, contou que recentemente recebeu uma cesta básica do projeto. Não fosse a doação, a casa estaria desabastecida de alimentos. "Sou sozinha com eles. O pai não tem contato. Tenho cinco filhos, mas só moram comigo os menores de idade. Vivemos de doações", explicou. Ana conta também que tem deficiência física e, por isso, tem dificuldade de conseguir trabalho.
Ela acrescentou que participar do projeto foi um alívio porque mantém o menino ocupado e longe da rua.
"A gente ficou sabendo do trabalho por outras crianças aqui da rua. Elas falaram muito da capoeira. Júlio foi ver e se encantou pela corrida. Para mim, é ótimo porque ele não fica pela rua, não se envolve com quem não presta. Queria poder comprar o tênis dele, mas, infelizmente, não temos condição", contou.
Correndo descalços
Nas redes sociais, Maicon Chagas faz a divulgação do projeto solidário. É nesse ambiente que ele busca apoio para continuar dando a essas crianças o relacionamento com o esporte.
Recentemente, ao ficarem sabendo que muitas crianças correm descalças, internautas lançaram críticas ao mercado e sua política de patrocínios. Alguns lamentaram que grandes marcas doem materiais esportivos a influenciadores, enquanto crianças disputam torneios com os pés no chão.
Harry Thomas Jr, jornalista especializado em corrida desde 1999, explicou a Ecoa que depois de 2015 uma nova cultura se infiltrou no mercado de corrida brasileiro, que passou a ser "dominado" por influencers, muitos deles com dezenas de milhares de seguidores.
Harry citou o slogan "Imagem é tudo, sede não é nada", que encabeçou uma propaganda de refrigerante, e esclareceu: "Nesse processo, a indústria esportiva teve forte influência na massificação dessas ativações de marketing. Agora os protagonistas são influencers que mal tinham corrido uma maratona para estabelecer veredictos se um tênis é bom ou não. Muitas vezes quem recebia o conselho era um corredor com dezenas de maratonas nas costas, uma verdadeira inversão de valores", disse.
O especialista em corridas criticou a nova estratégia adotada e lembrou que esse formato prejudicou os atletas profissionais e os que estão em formação. Esses últimos em sua maioria são pessoas de famílias empobrecidas que foram descobertas por algum caça-talento, como tenta fazer o projeto de Maicon Chagas.
"Correm descalços e mal sabemos a dura realidade que vivem em suas casas. Têm comida? Têm segurança familiar? Estudam? Há uma hora que a escolha de Sofia por eles vai ser feita. Vou continuar a ser pobre e correr ou tentar melhorar de vida trabalhando em uma profissão? Sem o estímulo, perde-se o brilho", argumentou.
"É aí que as marcas poderiam ajudar — não cobramos que resolvam o problema —, mas elas se omitem. Preferem dar um tênis por mês para alguém que nem lembra mais o último modelo que ganhou do que ceder uns poucos pares por ano para esses jovens talentos. Ninguém diz aqui para negarem a existência real dos influencers, mas o que é necessário é uma visão mais equilibrada, consciente, da força do esporte. É equilibrar as ações com quem tem potencial para talvez vir a ser profissional, e que o influencer continue a ganhar seus pares", disparou.
Para saber mais sobre o trabalho do Centro Cultural e Desportivo Educando pela Arte, basta acessar perfil do projeto no Instagram.
O projeto aceita doações por PIX: maiconstudio1@gmail.com (Chave-e-mail)
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