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É hora de devolver o carvão aos livros de história, diz presidente da COP26

Fumaça sai de torres de refriamento em usina de carvão - Wolfgang Rattay/Reuters
Fumaça sai de torres de refriamento em usina de carvão Imagem: Wolfgang Rattay/Reuters

Da RFI

04/11/2021 18h58

Os combustíveis fósseis estiveram no centro das discussões da COP26 nesta quinta-feira (4), com compromissos firmados sobre essa que é uma das principais causas das mudanças climáticas. Ao menos 19 países, incluindo Estados Unidos e Canadá, concordaram em parar de financiar com dinheiro público projetos de extração de energias fósseis fora de seus territórios, até o fim de 2022, um anúncio recebido com cautela por organizações de defesa do meio ambiente.

"Investir em projetos de combustíveis fósseis, da forma como estão, acarreta riscos sociais e econômicos crescentes", escrevem os signatários, em comunicado conjunto.

Recentemente, as nações do G20 concordaram em parar de apoiar projetos de usinas termelétricas a carvão no exterior. Porém, o plano anunciado nesta quinta-feira inclui, pela primeira vez, gás e petróleo, e promete redirecionar esse dinheiro para energias renováveis.

Se esse compromisso for mantido, mais de US$ 15 bilhões (cerca de R$ 84 bilhões) deverão beneficiar a energia limpa, dizem os especialistas.

Noutra iniciativa, promovida pelo governo britânico, mais de quarenta países se comprometeram a uma "declaração de transição do carvão para energias limpas". Vários deles já tinham assumido compromissos semelhantes, como a Polônia ou o Reino Unido. No entanto, grandes países envolvidos no setor - Austrália, China, Índia, Estados Unidos, Japão ou Rússia - não estão entre os signatários.

Além disso, as duas iniciativas contam com membros de peso econômico internacional relativo, como Maldivas, Ilhas Marshall, Fiji, Mali e Nepal.

Os anfitriões britânicos, no entanto, mostraram seu entusiasmo. "Está chegando o momento em que estamos devolvendo o carvão aos livros de história", disse Alok Sharma, presidente da COP26.

"Precisamos colocar o financiamento público do lado certo da história", disse, por sua vez, o secretário de Estado de Negócios do Reino Unido, Greg Hands.

Salvar Acordo de Paris

Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), para poder preservar o objetivo ideal do Acordo de Paris de um aquecimento limitado a + 1,5° C em relação à era pré-industrial, seria necessário cessar imediatamente todos os financiamentos para novos projetos de extração de combustíveis fósseis.

No entanto, de acordo com a ONG Oil Change International, entre 2018 e 2020, só os países do G20 financiaram projetos desse tipo no valor de US$ 188 bilhões, principalmente por meio de bancos multilaterais de desenvolvimento.

Após compromissos para reduzir as emissões de metano em 30% assumidos no início da semana, muitos observadores consideraram que esse era um novo "passo na direção certa", como afirmou Tasneem Essop, diretor da Climate Action Network International.

"O IPCC é perfeitamente claro: para evitar um desastre climático devemos acabar com nosso vício em combustíveis fósseis, e a eliminação do financiamento é um passo essencial à frente", resumiu Jennifer Layke, do World Resources Institute.

"É um progresso bem-vindo, mas os países (signatários), em especial Estados Unidos, devem permanecer firmes com os compromissos e fechar a torneira para as empresas de combustíveis fósseis", declarou Kate DeAngelis, diretora do programa de finanças internacionais da ONG Amigos da Terra.

Emissões de CO2 se aproximam de recorde

O novo anúncio aconteceu após notícias preocupantes sobre as emissões de gases do efeito estufa. A pandemia de covid-19 freou brutalmente a economia mundial e, com isso, a poluição do planeta pelo consumo de energia fóssil.

As emissões totais caíram 5,4% em 2020, mas devem voltar a subir em 2021, nada menos do que 4,9%, a menos de 1% do recorde de 2019, segundo um estudo do consórcio internacional de cientistas Global Carbon Project.

As emissões de gás e carvão são particularmente preocupantes, uma vez que crescerão este ano mais do que caíram em 2020.

As emissões devido ao petróleo devem aumentar 4,4%, em 2021. Elas não voltarão aos níveis de 2019, mas os autores do estudo assinalam que o setor de transportes ainda não recuperou os níveis pré-crise.

"Esse relatório é um balde de água fria", comentou a coautora Corinne Le Quéré, professora de mudanças climáticas na Universidade de East Anglia. "Mostra o que acontece no mundo real, enquanto aqui em Glasgow falamos sobre como lidar com as mudanças climáticas", acrescentou.

O pior aluno é a China, país onde teve início a pandemia, responsável por 31% das emissões mundiais de CO2.

A queda da atividade mundial devido à pandemia "nunca foi uma mudança estrutural. Deixar o carro temporariamente na garagem ou trocá-lo por um veículo elétrico não é a mesma coisa", disse Corinne.

A demanda por energia ultrapassa em muito os investimentos milionários para mudar o modelo, de combustíveis fósseis a renováveis.

Mas a esperança permanece: na década de 2010, 23 países cresceram, mas suas emissões diminuíram. A maioria deles eram desenvolvidos, o que significa que os regulamentos e as mudanças funcionaram.

Diante do panorama, alguns ecologistas e países particularmente vulneráveis insistem que é necessário pensar em medidas de adaptação, ao invés de tentar mitigar mudanças climáticas profundas.

Mais financiamento para adaptação da economia deveria ser prioridade

O financiamento dedicado à adaptação diante do aquecimento global é inferior entre cinco e 10 vezes ao custo das medidas de luta, segundo a ONU.

Esses esforços "estão muito longe de serem suficientes. O mundo deve aumentar radicalmente seus esforços para se adaptar às mudanças climáticas", afirmou Inger Andersen, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em paralelo à conferência de Glasgow.

Em 2019, os países ricos forneceram um total de US$ 79,6 bilhões em ajudas aos países em desenvolvimento para a luta contra as mudanças climáticas. Dois terços desta quantia foram, no entanto, destinados aos projetos de redução das emissões de gases de efeito estufa - uma abordagem de mitigação -, e não para adaptação.

Algumas organizações ambientalistas consideram que a adaptação é o caminho mais urgente e prático para enfrentar um fenômeno inevitável, o do aquecimento global, dada a demanda de energia para atender o crescimento dos países em desenvolvimento na África, na Ásia, no Oriente Médio, ou na América Latina.

Segundo o PNUMA, as necessidades de financiamento são cada vez mais prementes: entre "US$ 140 bilhões a US$ 300 bilhões anuais, até 2030"; e entre "US$ 280 bilhões e US$ 500 bilhões anuais, entre agora e 2050", apenas para os países em vias de desenvolvimento.

(Com informações da AFP)