"Empresas poluentes vão precisar se reinventar", diz executiva da XP
A construção de uma sociedade mais justa e responsável pela preservação do meio ambiente não é um trabalho só seu e meu. Governos e empresas, os verdadeiros tomadores de decisão e que concentram grande parte do dinheiro do mundo, são atores fundamentais quando pensamos em construir um mundo melhor. E é nesse cenário que se encontra o termo ESG.
A sigla, que veio para simplificar uma estratégia mais complexa, em português, significa ambiental, social e governança, isso na teoria. Na prática, esses conceitos querem dizer que as empresas passam a se importar em impactar positivamente esses três setores. "Em um primeiro passo, a empresa precisa entender o impacto negativo que ela causa. A partir disso, estrutura ações primárias e de médio e longo prazo para mitigar esses impactos e gerar impactos positivos", explica Flora Bitancourt, curadora de Ecoa, empreendedora social e consultora.
Para entender um pouco mais sobre o assunto, Ecoa conversou com a executiva Marina Cançado, head de sustainable wealth na XP Private — "riqueza sustentável" é um termo que tem ganhado força na busca por negócios que equilibram economia e sustentabilidade.
Ecoa - Como a gente pode falar sobre ESG para leigos e pessoas que não estão no mercado financeiro?
Marina Cançado - Em um mundo cada vez mais complexo em que tudo está conectado, as dimensões ambientais, sociais e de governança, o que diz respeito à sigla ESG, nos ajudam a enxergar como uma empresa ou um investimento podem ser afetados pela mudança de comportamento social e climática. De um lado, ESG são conjuntos de dados e informações que a gente traz para tomar uma melhor decisão de investimento pensando em um futuro sustentável. Por outro lado, ESG é uma forma da gente se conectar com essas tendências ligadas à sustentabilidade, diversidade, inclusão, que é de onde vão sair as oportunidades de investimento dos próximos anos.
O ideal não seria todas as empresas terem os princípios do ESG? Por que isso não acontece?
Essa é uma agenda que, apesar de ter cerca de 20 anos no mundo, é recente no Brasil. Está há uns três anos no "mainstream". Nós temos muito para contribuir para esses novos setores da economia, mas a implementação desse olhar vai variar de acordo com cada setor, em um vai ser mais fácil, em outros, não. É uma jornada que não vai ser perfeita. Como toda transição, ela vai ter contradições, desafios e não vai ser uma mudança rápida. Mas quem quiser ser relevante daqui para frente vai ter que se ater a essas questões.
Como tornar mais empresas sustentáveis ambiental e socialmente?
Não tem receita de bolo. Quando vamos fazer uma análise ESG, cada uma dessas letras se quebra em uma série de itens que vamos olhar junto com a empresa. Desdobramos tudo em muitos detalhes e isso acaba sendo um ótimo mapa para que a empresa entenda onde ela está. O que eu quero dizer com isso é que, na medida em que fazemos análises ESG cada vez mais robustas, que criamos hierarquias sobre os temas mais importantes das atividades de uma empresa, onde elas já atuam, onde há lacunas, as empresas vão conseguir estabelecer estratégias eficientes para avançar com consistência e ter maiores resultados.
O que mudaria para os consumidores se os custos de um negócio levassem em conta seu impacto no meio ambiente?
Hoje, no mundo, há uma mudança de expectativas em relação às empresas e ao próprio consumo com preocupações sociais e ambientais. Posto isso, as empresas que vão estar preparadas para o futuro são as empresas que começam a rever seus produtos, seus negócios e seus serviços para que estejam mais aderentes ao que busca essa geração. Há um crescimento, por exemplo, da população vegana e vegetariana que busca produtos plant-based, e quanto mais pessoas buscam esses produtos, mais o custo se torna acessível e mais podemos encontrar variedades no mercado.
Como consumidores e investidores podem ajudar a fazer com que mais empresas tenham preocupação real com impacto social, ambiental e de governança?
Existe uma mudança e uma verbalização dessa mudança por parte dos consumidores, ou seja, a preferência deles por um ou outro produto. E, por outro lado, existe uma pressão muito grande do mercado financeiro global. A partir do momento que o mercado financeiro diz que o valor da ação de uma empresa depende de como ela está em sua performance ESG, é uma grande sinalização de que isso vai determinar investimentos. Existe uma pressão também para que as empresas sejam mais transparentes em seus relatórios de sustentabilidade. E essas pressões vindas de todos os lados estão fazendo com que as empresas evoluam, seja por convicção de que isso faz sentido para o seu modelo de negócio, seja para responder a essas pressões.
Você acredita que ESG é uma moda? Há uma banalização do termo?
O ESG veio como uma evolução na forma de fazer negócios e pensar investimentos. Acreditamos que mais para frente não vamos falar em mercado financeiro tradicional e mercado financeiro ESG, vai ser tudo ESG. Não é moda, é o futuro do mercado de investimento. Como todo termo novo, tem um tempo para que as pessoas de fato saibam o que isso significa. Claro que em alguns casos há o mau uso, o greenwashing. Mas não diria que é sempre.
Como garantir sustentabilidade social, ambiental e de governança num mercado com cadeias produtivas tão complexas, ou seja, um mercado que tem muita terceirização e é tão globalizado?
É preciso ter uma mentalidade de ecossistema. A empresa precisa mapear todas as partes envolvidas e entender como ela pode apoiar a jornada dos seus fornecedores, dar feedbacks, ajudar a construir uma transparência e colocar parâmetros e práticas claras esperadas.
É possível que indústrias extremamente poluentes adotem os princípios ESG e transformem suas cadeias, por exemplo? O que é preciso para que isso seja realidade?
Dado que temos metas muito difíceis de serem alcançadas com prazos claros, as empresas grandes poluentes vão precisar se reinventar para se adequar a essa nova realidade, ou tendem a não prosperar pela ação dos governos e do próprio mercado. Estamos vendo algumas situações que têm forçado mudanças como a taxação de carbono e o engajamento acionário, conseguindo colocar ativistas nos conselhos de grandes petroleiras.
Temos um mercado empresarial e financeiro que entendeu o ESG como uma adequação ao futuro e está dando seus passos. Eu mesma queria que isso fosse mais rápido, mas como é um processo de transição tem altos e baixos e suas contradições.
Marina Cançado, diretora na XP Private
Como o capital privado pode atuar junto ao capital público para mudanças estruturais?
Dada a complexidade e a magnitude dos desafios que precisamos endereçar local e globalmente, é necessária a convergência entre setor público e privado. Um exemplo dos capitais atuando em conjunto é o Acordo de Paris, em que os governos estabelecem metas e as empresas precisam contribuir para essas metas por meio de seus compromissos e mudanças na forma de operar.
O governo federal tem sido muito mal visto, até internacionalmente, em termos de políticas ambientais e sociais, então como podemos trazer esses empresários para as práticas ESG? Uma coisa anula a outra?
Todo o movimento ESG entende que para que as empresas gerem retorno a longo prazo, elas precisam responder questões que são essenciais para a sociedade, como mitigar o impacto ambiental e social que ela gera. Então, esse é um movimento muito maior que opiniões individuais de empresários [que apoiam o presidente Jair Bolsonaro], e grande parte das empresas está indo nessa direção e estão caminhando na rota certa.
O ESG tem realmente funcionado? Quais são os resultados que já temos desse modelo?
Globalmente, um terço do capital que circula no mercado financeiro já está alocado em investimentos com algum nível de incorporação ESG. O fato dos investidores e do mercado financeiro estarem considerando as dimensões ESG está fazendo com que as empresas tenham que olhar, endereçar e avançar nesses aspectos cada vez mais. Mesmo no Brasil, é impressionante ver o quanto as empresas estão precisando se posicionar e agir em relação à inclusão e diversidade, emissões de CO2 e tantas outras agendas. São resultados visíveis dessa nova forma de fazer negócios e investimentos que a revolução ESG está trazendo.
No Brasil, o ESG é muito mais recente que em outros países e temos muito para caminhar, mas estou muito otimista do que estamos vendo no mercado brasileiro.
Marina Cançado, especialista em ESG e diretora na XP
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