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Marina Silva quer ver discurso de proteção ambiental virar ação

Marina Silva no Seminário Economia Limpa, em 2017 - KEINY ANDRADE//Folhapress
Marina Silva no Seminário Economia Limpa, em 2017 Imagem: KEINY ANDRADE//Folhapress

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

05/11/2021 06h00

Uma das finalistas do Prêmio Ecoa na categoria Vozes que Ecoam, a ambientalista e política Marina Silva (Rede) vê uma mudança em curso na sociedade brasileira em relação à pauta ambiental. Muitos brasileiros têm se mostrado preocupados com a preservação das florestas e começam a sentir em sua vida cotidiana os efeitos dos eventos climáticos extremos.

Mas, segundo Marina, ainda falta passar da retórica à prática, e é essa transformação mais imediata que ela gostaria de provocar com seu ativismo. Nascida em um seringal no Acre, ela foi companheira de Chico Mendes na luta contra o desmatamento e se elegeu vereadora em 1987, dando início a uma trajetória que a levaria ao cargo de ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 e a disputar a presidência em 2010, 2014 e 2018.

Marina disputa o Prêmio Ecoa com o escritor e filósofo Ailton Krenak e os atores Bruno Gagliasso, Christiane Torloni e Lázaro Ramos. Idealizada para premiar personalidades que estão usando sua voz para incentivar o público na busca por um mundo melhor, a categoria Vozes que Ecoam é totalmente definida pela participação do público, desde a escolha dos finalistas. Para votar, clique aqui ou vá ao fim desta entrevista.

Ecoa - Qual causa você considera mais relevante e urgente para a construção de um futuro melhor?

Marina Silva - Para mim, é a mudança do atual modelo predatório de desenvolvimento. Esse modelo que destrói os nossos ativos ambientais, gera riqueza por pouco tempo para poucos em prejuízo social e ambiental de muitos. Mudar estruturalmente esse modelo predatório de desenvolvimento — predatório do ponto de vista social, econômico, cultural, ambiental — é o grande objetivo da minha vida.

Como inspirar as pessoas a tomar parte nessa luta?

Tem uma pedagogia triste que está acontecendo no mundo e também no nosso país, que é o resultado dos eventos extremos. Quando as pessoas entram em contato com essa realidade, seja em relação às enchentes, aos deslizamentos, aos períodos de estiagem, com prejuízos para as suas lavouras, para a geração de energia, aumentando a tarifa de luz, aumentando a inflação, o custo dos produtos que levam para casa, isso acaba criando uma consciência prática.

Tanto é que, em 2018, nós tivemos uma atitude por parte da sociedade de votar em uma pessoa, dando a ele mais de 50% dos votos no segundo turno, que era claramente negacionista, claramente contrário a qualquer agenda ambiental. E a partir desse momento a gente sente uma diferença na sociedade brasileira. As pessoas não querem ver a Amazônia, o Pantanal serem destruídos, ficam preocupadas em relação às chuvas escuras, como aconteceu em São Paulo, às nuvens de poeira, e tantos outros problemas que as afetam.

Essa pedagogia ajuda cada indivíduo a se aproximar do ponto de vista prático, e com coerência entre o discurso e a sua atitude, da mudança que precisa ser feita. Uma mudança que é feita a partir do esforço individual de cada um e principalmente do esforço político em pressionar empresas e governos para que cumpram com os seus deveres.

Qual a importância de usar sua voz, enquanto pessoa pública, para divulgar causas sociais e ambientais?

Eu sinto que é um instrumento. Tenho muita gratidão a Deus, à sociedade brasileira, porque de alguma forma essa voz, apesar de todas as adversidades da vida, me deu uma relativa audiência, tanto interna quanto externamente. Então, usar esse recurso importante, seja para denunciar, seja para dar força ou visibilidade aos ganhos importantes que temos, que são muitos, é algo que para mim é muito significativo.

Lá atrás, no início dessa luta com Chico Mendes, era muito importante aqueles que usavam sua voz, seus conhecimentos acadêmicos, sua capacidade jornalística para poder dar visibilidade à luta que fazíamos de forma muito isolada, enfrentando muita violência e muitos perigos.

Ainda dependemos disso, porque é no coletivo que a gente consegue adquirir força, audiência, relevância, ninguém tem essa força em si mesmo e por si mesmo.

Que mudança você gostaria de provocar com a sua atuação?

Uma transformação entre discurso e prática. Quando eu vejo as pesquisas dando conta de que 80% das pessoas estão preocupadas com as florestas, de que mais de 80% das pessoas não querem ver as florestas serem destruídas e que acham que esse é um tema relevante para os candidatos em 2022, eu gostaria muito de que esse discurso se expressasse em uma atitude prática.

Já é muito bom que as pessoas tenham essa sensibilidade, mas é sair da sensibilidade para uma ação de verdade. Eu costumo dizer que é muito fácil defender o meio ambiente no ambiente dos outros. Difícil é defender o meio ambiente no ambiente da gente: dentro da empresa, do nosso país, na nossa região, na nossa casa, na nossa universidade ou na nossa redação. É sair da retórica para a ação prática que vai fazer mudar de tom.

O que ou quem te inspira a seguir tendo esperança neste futuro melhor?

Eu tenho muitos lugares de inspiração, mas hoje o que mais me inspira é a resistência, a coragem e a resiliência dos povos indígenas. Existem no nosso país mais de 200 povos que falam mais de 180 línguas. Eles já foram mais de cinco milhões e hoje estão reduzidos a um milhão — eliminamos na nossa história um milhão de pessoas a cada século.

Quando eu vejo, como hoje, a filha do meu amigo Almir Suruí fazendo discurso junto com os líderes mundiais na COP 26, quando verifico a ação da Joênia [Wapichana] no Congresso Nacional, a tenacidade da Soninha Guajajara, o que faz o Almir Suruí, o Davi Kopenawa, Ailton Krenak, o meu querido ancião cacique Raoni, que hoje é uma referência para todos nós, isso me dá força e esperança porque é como se eles tirassem água de pedra. É como se eles plantassem sementes de esperança no coração da gente.

Vote também na categoria Fizeram História que reúne 14 pessoas que descobriram coisas, lutaram por causas, desafiaram padrões e deixaram contribuições relevantes para a construção de um mundo melhor, mais justo, diverso e sustentável. Conheça a história de cada uma delas aqui em Ecoa e vote abaixo na sua favorita.

A premiação nasceu para reconhecer e impulsionar as histórias e soluções de quem está na linha de frente da transformação social no Brasil. O Prêmio ECOA quer agregar valor tanto às iniciativas, pessoas e empresas indicadas quanto para a sociedade brasileira, amplificando as vozes que são silenciadas e construindo pontes entre agentes de transformação, audiência e a sociedade, de forma propositiva e inspiradora.