Como a vegetação urbana protege as cidades de climas extremos?
As "Áreas de Preservação Permanente Urbanas" são garantidas por lei e protegem espaços públicos ou privados cobertos por vegetação nativa ou não. Essas áreas verdes servem de refúgio para animais, incluindo os silvestres, e têm um papel importante na regulação do "microclima" de cidades e centros urbanos.
Mas além disso, essa cobertura vegetal está intimamente ligada com a proteção da própria população que habita as cidades. Alguns fenômenos extremos em áreas urbanas, como as tempestades de areia que atingiram o oeste e o interior de São Paulo e as fortes chuvas que causaram enchentes em Nova York, têm origens próximas e estão, em parte, relacionadas à ausência de vegetação nos centros urbanos (e em outros locais).
Ecoa conversou com especialistas e pesquisadores para entender como a redução de áreas protegidas urbanas deixa as cidades mais vulneráveis.
A redução de áreas protegidas urbanas deixa as cidades mais suscetíveis às mudanças climáticas?
Para entender melhor a questão, imagine toda e qualquer área vegetal como "guardiãs do clima". Em parte e de forma simplificada, essa é quase que a função primordial de toda vida vegetal em essência. E quanto menos cobertura vegetal, maior será a ação do calor nesses locais, independentemente se são ou não protegidas por lei.
"Existem áreas verdes que não são protegidas pela legislação, mas também são importantes para a condição microclimática da cidade. No entanto, áreas protegidas por lei são fundamentais, porque se não houver essa proteção elas ficam mais vulneráveis a serem suprimidas para outros usos", aponta Denise Duarte, membro da Coalizão Ciência e Sociedade e professora do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética da USP.
Duarte explica que a perda de coberturas vegetais leva a cidade a um risco de agravamento das condições ambientais irreversíveis. "Cada vez mais vai se impermeabilizando a cidade e tirando esses oásis urbanos, que fazem falta para drenagem. É uma perda irreparável, que se traduz no superaquecimento, em enchentes e nas águas que vão para um escoamento apenas superficial", completa.
Se há dias em que o calor parece insuportável na cidade, o climatologista e pesquisador em mudanças climáticas Alexandre Araújo Costa, professor da UECE (Universidade Estadual do Ceará), explica o porquê e alerta que a troca da cobertura verde pelo concreto e o asfalto aumenta os efeitos das chamadas ilhas urbanas de calor, que diminuem o conforto térmico:
"As zonas urbanas padecem do que chamamos de ilhas urbanas de calor, então se considerarmos o aquecimento global, que tende a produzir temperaturas mais elevadas, como as ondas de calor, estamos amplificando todo esse cenário", diz o pesquisador para Ecoa.
Como a vegetação ajuda no clima das cidades na prática?
Se o Acordo de Paris [que visa impedir o aumento de 2º C na temperatura global em relação à era pré-industrial] levasse em conta apenas as temperaturas médias registradas nos grandes centros urbanos ao redor do mundo, o clima de algumas cidades, como São Paulo, estaria longe de cumprir o estipulado: os termômetros desses locais já têm marcado o dobro desse limite há cerca de três anos.
"Essa não é apenas uma projeção futura: dados mostram que desde meados do século 20 houve um aumento da temperatura média de cerca de 3º C em São Paulo, com o agravamento dessas condições microclimáticas urbanas, que são repetidas em outras cidades do mundo", alerta Duarte.
E é justamente a arborização das cidades (entre elas as áreas de preservação urbanas) que ajudam a amenizar o clima das metrópoles. "Uma cidade arborizada tem muito mais capacidade de ter um sistema de refrigeração natural, não apenas pelo sombreamento por parte das árvores, mas também pela capacidade desses vegetais produzirem evapotranspiração, que é a perda de água da planta por transpiração", explica Costa.
Preservar as árvores — sobretudo as mais antigas e com copas maiores — é especialmente importante para a regulação do clima, como explica a curadora de Ecoa, Ana Lúcia Tourinho, doutora em ecologia e professora do programa de pós-graduação em ciências ambientais da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).
"As árvores grandes absorvem mais quantidades de dióxido de carbono durante a fotossíntese, que ficarão estocadas no corpo desse vegetal, evitando que se dispersem na atmosfera. Dessa forma, temos um auxílio na redução da temperatura geral. Se temos isso em mais cidades, o ciclo se repete", aponta.
Qual a relação da vegetação com as tempestades de areia, alagamentos e manutenção de um clima suportável nas cidades? Alguns fenômenos como as enchentes em Nova York, ocasionadas pela passagem do Furacão Ida, mostram que áreas como a do Central Park (repleto de vegetação) foram menos afetadas do que outras, justamente pela capacidade do escoamento de água da região.
Já as tempestades de areia do interior paulista são um fenômeno conhecido como haboob, que ocorre com frequência em países asiáticos. Elas são ocasionadas por ventos e temporais que entram em contato com o solo seco e desmatado (em centros urbanos e em outros locais) e levam todo o acúmulo de resíduos em nuvens que alcançam quilômetros de altura. Nesse caso, a vegetação novamente tem um papel importante na proteção térmica do solo.
"Fazem parte do processo metabólico das plantas algumas trocas biofísicas e químicas que lhe permitem absorver parte da energia solar para fazer a fotossíntese. Por isso, a superfície das árvores e folhas nunca é aquecida, diferentemente de outros materiais urbanos como o asfalto", observa Duarte.
Costa lembra que a perda de áreas verdes nas cidades dá lugar às áreas que são totalmente impermeabilizadas e essa situação cria uma nova variável de risco a esses centros urbanos: "Uma atmosfera com mais vapor da água induz à formação de chuvas extremas, assim como os extremos de calor, que se tornarão mais prováveis nessas ocasiões e podem causar alagamentos e inundações. A manutenção de áreas verdes facilita a infiltração de água no solo e aumenta a resistência das cidades a eventos meteorológicos extremos" explica o climatologista.
O desmatamento como um todo já traz alertas graves sobre as mudanças climáticas. Um estudo feito por brasileiros e publicado recentemente no periódico internacional "Communications Earth & Environment" projeta a savanização da Amazônia e aponta que o avanço do desmatamento pode expor 12 milhões de pessoas da região norte do país a um nível insuportável de estresse térmico devido à baixa capacidade de se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas.
Duarte lembra que manter a cobertura vegetal ameniza as condições microclimáticas extremas e contribuem para a diminuição da temperatura da superfície e do ar. "Em um dia de calor extremo as pessoas enfrentam uma condição de estresse térmico, que tem limites para o corpo humano. Há um reflexo negativo na saúde de quem é exposto a esses microclimas extremos, aumentando as chances de algumas doenças cardíacas e AVCs", comenta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.