Com laboratório de inovação, servidor implementou nova agenda no governo
"A gestão é a alma que faz as coisas funcionarem. Porém a alma a gente não vê. É algo abstrato." É assim que Guilherme Almeida de Almeida, 43, define uma área que ele conhece muito bem: a da gestão, especialmente a aplicação da inovação na administração pública. Ele é servidor público há quase 15 anos, atualmente cedido para um cargo na Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), uma organização social.
Formado em Direito, com mestrado em Administração Pública pela Columbia University (EUA), havia atuado em três ministérios, entre eles o da Justiça, antes de migrar, em 2016, para a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), fundação vinculada ao Ministério da Economia.
Quando chegou à Enap, recebeu a missão de criar uma área de inovação focada em implementação prática, que juntasse laboratório, fusão de conhecimentos e articulação de redes - para além das áreas de ensino tradicional, acadêmico e de pesquisa, que já existiam.
Seu desafio, ao lado de outros colegas, era transformar a estratégia em uma ferramenta de gestão. Em suas palavras, utilizar dados para tomar decisões, não para gerar relatórios que ninguém iria ler. Era preciso fazer com que a inovação chegasse aos diferentes órgãos dos ministérios.
"Eu passei a tentar resolver para onde ia a sociedade da informação brasileira. Eu me dei conta de que estávamos tentando arrumar o GPS, mas o carro não saía do lugar. Fazíamos lei, decretos, políticas, porém, na hora disso tudo ser implementado, o carro não andava. Então, migrei do mundo do direito, que é a arte de dar ordem no papel, para começar a, de fato, tentar fazer com que as coisas acontecessem", afirma.
Ele explica que, quando assumiu o cargo de diretor de Inovação e Gestão do Conhecimento, já havia na Enap um esboço do que viria ser o GNova, um laboratório de inovação voltado ao desenvolvimento de soluções e à desburocratização dos serviços públicos, nascido de uma parceria do órgão com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Entre as atividades que Guilherme desenvolveu durante o período em que exerceu o cargo e esteve à frente do GNova, de 2016 a 2020, estava a implementação de uma agenda de inovação no governo federal e na administração pública brasileira que contribuísse para modernização do Estado.
Guilherme explica o fluxo dessa estratégia: "O laboratório primeiro entende o que está acontecendo no mundo, os novos processos. Então, desbrava, usa, aprende e ensina. É a consolidação e adaptação de métodos para a nossa realidade. A partir daí, ele mostra um atalho de como fazer e facilita as ferramentas para quem quer fazer, além de estar à disposição para apoiar".
Para que essa roda girasse como planejado, era preciso que houvesse uma demanda de problemas e parceiros, "cientistas e cobaias". Com essas solicitações, foi possível que inovações passassem a ser oferecidas para órgãos públicos. Por fim, foi preciso conectar essas inovações com a sociedade. "Tivemos que aceitar humildemente que as soluções podem estar fora, afinal, há muito mais gente fora do governo do que dentro."
A partir desse pensamento, nasceu, em 2019, a plataforma Desafios (desafios.enap.gov.br), na qual órgãos do governo lançam para a sociedade civil problemas, com prêmios para as melhores soluções. Dessa forma, há uma troca de conhecimentos, envolvendo estudantes de graduação e fomentando startups.
Os temas podem ser, por exemplo, como lidar melhor com o fluxo de processos no Poder Judiciário a partir da inteligência artificial. Ou como reduzir o custo de transporte de servidores. "Isso é pensar em soluções que se tornem vivas para o mundo e não gerar um PDF de um estudo que vai para um repositório que alguém, com muita sorte, vai achar na internet e ler. Deixa de ser uma tese, passa a ser um manual, um passo a passo", afirma.
Um exemplo prático aconteceu no ano passado, quando a pandemia de covid-19 se estabeleceu no mundo e tornou o Brasil um dos países mais afetados. A plataforma Desafios ofereceu, em parceria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), mais de R$ 1,5 milhão para projetos sobre o tema com foco em saúde, economia e assistência social, entre outros, com possibilidade de incubação das propostas. Foram recebidas quase 600.
Há um ano fora da Enap, Guilherme diz que é difícil medir o impacto que o GNova ou a plataforma Desafios tiveram ao longo desses cinco anos. Essa agenda de inovação dentro de órgãos públicos segue, segundo ele, uma trajetória própria. A fase inicial teve como objetivo mostrar que ela tinha valor, sobretudo público. A segunda, foi a de captar sinais de sucesso, ou seja, perceber se estava fazendo a diferença. A partir de agora, com a maturidade, será possível quantificar os resultados.
Um dos projetos que o marcou e demonstra como pode ser difícil fazer essa quantificação foi o desenvolvimento e modernização do e-SUS, cujo principal desafio era implementar uma solução online para que os usuários pudessem marcar suas consultas sem a necessidade de se dirigir a uma unidade de saúde, logo no início do GNova.
O laboratório percebeu que o Ministério da Saúde ouvia prefeitos e secretários, mas não levava em conta o que médicos, enfermeiros, atendentes e, sobretudo, usuários do SUS tinham a dizer sobre o tema. "A inovação, nesse caso, foi falar com as pessoas e usar essas informações. Por exemplo, a de que as pessoas marcam consultas para seus filhos, marido ou sogra. E o desenho planejado não permitia isso. Levantamos quase 20 pontos. A Casa Civil esperava um relatório, mas fizemos um cartaz, com desenhos e os principais pontos. E eles perceberam que era isso que estavam buscando", conta.
Guilherme diz que, ao longo dos anos, essas soluções foram implementadas em novas versões do aplicativo. Hoje, por exemplo, é possível inserir cartões de outros membros da família e, com isso, marcar consulta para terceiros. "Isso existiria se nós não tivéssemos participado do processo? Foram implementadas mais rapidamente porque a sugerimos? Economizamos o tempo das pessoas que não ficam mais na fila? Quantas? Não tenho como dizer. Nosso sucesso é participar do sucesso alheio. Promover uma cultura é viver por ela e articular para que ela sobreviva."
Outro sinal de sucesso, segundo Guilherme, foi passar, anos depois, na mesma sala de reunião da Casa Civil e ver os burocratas colocando post it na parede para discutir um projeto. Ou seja, o cartaz que gerou estranhamento no passado havia virado uma ferramenta para encontrar soluções.
O GNova inspirou a criação de outras unidades semelhantes dentro do governo. Virou um movimento. A própria Presidência da República, já sob a administração de Jair Bolsonaro, criou uma pequena unidade de inovação. O Ministério da Economia implementou um laboratório para gestão de pessoas. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também se interessou em ter algo parecido.
"O papel da Enap foi de protagonismo e de animação da comunidade. Ela não tem a premissa de apontar para onde é que se vai, mas sim de educar pessoas e produzir conhecimentos que inspirem. Virou um ecossistema de troca de conhecimento e de cooperação, que é o novo jeito de fazer. São respostas ágeis, mesmo que, às vezes, não tão perfeitas."
Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.
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