Arquivo resgata memória de pessoas trans e travestis da Argentina
Durante dois anos, pessoas transexuais e travestis argentinas compartilharam fotos e vivências em um grupo fechado no Facebook. O espaço virtual voltado a recuperar e proteger a memória da comunidade foi criado em 2012 por duas ativistas, María Belén Correa e Claudia Pía Baudracco, que tinham perdido muitas companheiras assassinadas ou vítimas da Aids nas décadas anteriores. A rede social permitiu reunir as sobreviventes em um lugar seguro e afetuoso para a troca de imagens, relatos e outros materiais.
O ano de 2012 foi um marco para os direitos da comunidade trans e travesti na Argentina — foi aprovada a Lei de Identidade de Gênero, que permitiu a alteração do registro civil de pessoas trans. Claudia Pía Baudracco foi uma das principais impulsionadoras da legislação, mas morreu dois meses antes de vê-la entrar em vigor.
A partir da morte da ativista, Belén Correa herdou os itens físicos que ela vinha coletando e seguiu adiante com o projeto. Entre 2015 e 2017, o acervo reunido começou a ser organizado por arquivistas e ganhou o nome de Archivo de la Memoria Trans.
Com mais de 10 mil documentos — entre fotografias, registros sonoros e fílmicos, artigos de jornais, cartas, diários, fichas policiais e outros —, o arquivo dispõe hoje de um espaço virtual e físico. Em seu site, é possível navegar por séries de imagens sobre infância, carnaval, ativismo e outros temas. A coleção já foi exibida em museus pelo mundo e publicada em fotolivro.
"Compreendemos a importância de preservar os arquivos e deixá-los para a posteridade. Estamos resgatando a memória da comunidade travesti, transexual e transgênero", disse María Belén Correa a Ecoa. Correa participa virtualmente do Festival Zum do Instituto Moreira Salles na quinta-feira (25), às 17h30, onde conversa com a escritora Amara Moira sobre a relação entre fotografia, identidade de gênero e democracia.
A militância de María Belén
Além de ser responsável pelo arquivo, Belén Correa segue na luta pelos direitos da população trans e travesti — em especial das latinas — em todo o mundo. Ela deixou a Argentina há duas décadas, após sofrer ameaças de morte por sua atuação política, e hoje vive em Hanover, na Alemanha.
Há muitas coisas parecidas na luta das pessoas trans da Argentina e do Brasil.
María Belén Correa, ativista trans
Nascida em 1973 em Olivera, no interior da província de Buenos Aires, Correa se mudou para a capital na adolescência e começou a militar alguns anos depois, em 1993, "quase por acidente", diz.
A ditadura militar tinha terminado havia uma década, mas a truculência da polícia contra as pessoas trans permanecia. Elas eram perseguidas, sofriam extorsões, tortura e desapareciam. Junto com outras ativistas, Correa fundou a ATTA (Asociación de Travestis, Transexuales y Transgéneros de Argentina) e passou a denunciar publicamente essa violência.
No início dos anos 2000, ela conseguiu asilo político dos Estados Unidos e lá conheceu pessoas trans e travestis de várias partes do mundo. Ajudou então a fundar a RedLACTrans, Rede Latinoamericana e do Caribe de Pessoas Trans, para assegurar os seus direitos na região. Embora nem todos os países da América Latina tenham direitos assegurados para a comunidade trans e a violência siga acontecendo, a ativista vê alguns avanços nesse período, principalmente em países como Argentina, Chile e Uruguai.
Mais recentemente, na Alemanha, Correa tem estado à frente de um grupo chamado Cosmopolitrans, que fornece apoio a trans latinas e trabalhadoras do sexo em Hanover. Durante a pandemia de covid-19, ela obteve apoio da Open Society Foundations para dar suporte àquelas que ficaram sem renda, fornecendo itens básicos como alimentos, máscaras e preservativos.
Archivo de la Memoria Trans
É possível doar via Paypal para ajudar a manter o acervo.
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