Mercado de Carbono: O que é? Contribui mesmo para reduzir emissões?
A regulamentação do mercado global de carbono foi um dos tópicos principais das negociações realizadas na COP 26, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada entre 31 de outubro e 12 de novembro deste ano em Glasgow, no Reino Unido.
O mecanismo permite que nações que superarem as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa comercializem esse excedente para os países que não forem capazes de diminuir para o nível necessário.
A conversão de emissões em recursos monetários tem o objetivo de incentivar economias a se descarbonizarem para limitar o aquecimento do planeta em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, como prevê o Acordo de Paris. Esse mecanismo de mitigação supervisionado pelas Nações Unidas está descrito no 6º artigo do acordo e teve suas regras definidas nesta COP.
O comércio internacional já acontece entre algumas partes do mundo — por exemplo, entre o estado da Califórnia, nos EUA, e a província do Quebec, no Canadá —, mas será facilitado com a regulamentação do mercado pela ONU.
No nível nacional, a elaboração de um instrumento interno de precificação de emissões de empresas, setores econômicos, municípios e estados independe do resultado das negociações na COP. Muitos países já possuem regulações próprias.
Mas a precificação do carbono — e a maneira como deve ser desenhada — está longe de ser um ponto pacífico entre especialistas, ativistas, organizações e outros atores. "Por que é preciso criar valor econômico para convencer alguém a cuidar do planeta?", questiona o geógrafo e doutorando da Universidade Federal Fluminense Diosmar Filho, que esteve na COP 26.
Como o mercado de carbono surgiu?
Os mercados de carbono começaram a tomar forma no mundo a partir do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 por países integrantes da ONU. O acordo internacional colocou a meta de que países desenvolvidos diminuíssem em 5,2% (em relação aos níveis de 1990) suas emissões de gases causadores do efeito estufa até 2012.
Para ajudar a atingir o objetivo, foram criados instrumentos como a implementação de projetos de redução de emissões em outros países — envolvendo, por exemplo, energia renovável ou reflorestamento — em troca de créditos de carbono, bem como a venda de créditos a países que ultrapassassem o teto do protocolo, que foi chamado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
A assinatura do Acordo de Paris em 2015 renovou as metas, que passaram a valer para todos os signatários, e introduziu um novo mecanismo de flexibilização, que incentiva uma participação maior do setor privado. A regulamentação desse ponto vinha sendo discutida desde então e foi uma das resoluções da COP 26.
Que tipos de mercado existem?
Existe um mercado regulado, que opera com metas de redução de emissões a serem cumpridas de forma obrigatória por países (como no caso dos acordos internacionais) ou internamente por cidades, estados e empresas. Quem ultrapassa o teto pode comprar licenças — ou créditos — daqueles que emitirem abaixo do limite ou, dependendo do instrumento em vigor, pode ter que pagar um tributo pelas emissões.
Há também um mercado voluntário, em que empresas, organizações e até pessoas tomam a iniciativa de compensar emissões decorrentes de suas atividades. Nesse caso, elas adquirem créditos que financiam projetos de reflorestamento, conservação ambiental ou de energia limpa. Esses créditos não valem como meta de redução para os países que fazem parte do Acordo de Paris.
O que são e onde se inserem os créditos de carbono?
A expressão corresponde a unidades representativas de 1 tonelada de carbono que deixou de ser lançada para a atmosfera a partir de projetos com práticas e tecnologias de baixo carbono, seja no mercado regulado ou por atores privados com interesse voluntário em compensar suas emissões. Também pode representar uma permissão de emissão dentro de um sistema de comércio de carbono criado e regulado pelo governo para determinados setores econômicos.
Qual a posição do Brasil? Essas transações já ocorrem aqui?
O Brasil ainda não possui um mercado de carbono regulado e obrigatório nem outras políticas mais amplas de precificação de carbono.
Chefe do departamento de direito ambiental do escritório Stocche Forbes, a advogada Caroline Prolo lembra que uma das únicas iniciativas que se aproximaram disso foi o programa RenovaBio, instituído em 2017 para contribuir com o cumprimento dos compromissos firmados pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris, mas voltado somente para o setor de biocombustíveis.
O que existe atualmente no país é um mercado voluntário, no qual atuam empresas como a Moss, que comercializa créditos de carbono de projetos ambientais certificados para empresas e pessoas físicas que desejam compensar suas emissões. Seus clientes vão do iFood ao automobilista Cacá Bueno. Projetos como esses são chamados de REDD+ — Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Ambiental.
Outro exemplo é o Prêmio Ecoa, que terá sua primeira edição em dezembro de 2021, e irá quantificar e neutralizar as emissões geradas (no consumo de energia elétrica, viagens aéreas e produção de resíduos, por exemplo), alocando a quantidade equivalente de créditos em projetos ambientais certificados.
No mercado internacional, o Brasil também hospeda projetos de créditos de carbono utilizados por atores de outros países.
"Com o Acordo de Paris, essas transferências internacionais poderão ser intensificadas, pois ele apresenta diversas possibilidades, tanto de acordos entre o governo brasileiro e outros países para transferência de unidades de mitigação de carbono, quanto a possibilidade de empresas e iniciativas privadas realizarem projetos e venderem créditos de carbono para serem usados por outros países para cumprirem suas metas", diz Prolo.
Atualmente, o Congresso discute o Projeto de Lei 528/21, que visa instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, regulando a compra e venda de créditos de carbono no país.
O setor agropecuário tem mostrado interesse no mercado voluntário pelo potencial de gerar créditos (e retorno financeiro) através da agricultura de baixo carbono ou mesmo da recuperação de pastagens.
Como esses mercados podem contribuir para reduzir emissões?
Para Guarany Osório, coordenador de programa do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp, "a precificação do carbono não é bala de prata, é um instrumento dentre vários" para combater o efeito estufa.
Apesar disso, ele destaca o mercado regulado de carbono como um instrumento importante por duas razões: por internalizar o preço das emissões na economia e por ajudar a reduzir emissões de maneira mais custo-efetiva, ou seja, mais barata.
Em relação ao primeiro aspecto, o professor aponta que empresas não colocariam espontaneamente um preço no carbono, o que justifica a necessidade de uma política pública para incorporar o custo dessa externalidade negativa — em "economês", os efeitos colaterais da venda de um produto ou serviço.
Já o segundo ponto se refere ao fato de que esse mercado permite que empresas para as quais reduzir emissões é mais barato façam uma redução além do previsto e vendam licenças para aquelas que precisariam investir mais para conseguir isso, atingindo o teto estabelecido com o menor custo possível.
Esses mercados têm sido um mecanismo útil para reduzir as emissões de GEEs?
Ainda há poucos mecanismos devidamente regulamentados de compensação de emissões, o que dificulta verificar se estão de fato contribuindo para uma redução.
"Foram úteis, mas não suficientes", afirma a advogada Caroline Prolo. "Se bem desenhados, os mercados de carbono ajudam a controlar as emissões e estimulam o desenvolvimento tecnológico que é essencial para a descarbonização da economia global."
De acordo com o Banco Mundial, os esquemas de precificação de carbono em vigor atualmente no planeta cobrem cerca de 13% das emissões globais anuais de gases de efeito estufa.
Quais as críticas?
Algumas organizações ambientais, como o Greenpeace, avaliam que o mercado de carbono equivale a uma "licença" para que países e empresas continuem emitindo CO2, em um contexto em que reduções cada vez mais drásticas são necessárias para enfrentar a crise climática.
No caso brasileiro, em que uma fração significativa das emissões provém do uso da terra, também há críticas à maneira como esses mecanismos já vinham se aplicando aqui e às estratégias apresentadas pelo Brasil na COP 26.
O geógrafo Diosmar Filho critica o "reflorestamento" feito no país com base na monocultura de eucaliptos, que leva a uma redução da biodiversidade, como foi o caso nos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Grupo Plantar, que começaram a ser implementados em 2000, após o Protocolo de Kyoto.
Ele também aponta que a recuperação de pastagens degradadas, uma das ações apresentadas na COP pelo governo, não deve ser o foco do país para reduzir emissões.
"A gente está correndo o risco de cair na mesma estrutura anterior de desigualdades, que é manter as monoculturas que são predatórias. Não existe precificar aquilo que é passivo de degradação ambiental", disse.
Como a precificação deve funcionar para que seja justa e eficaz?
No caso do Brasil, o geógrafo Diosmar Filho afirma que a descarbonização da economia e o emprego de mecanismos como os mercados de carbono devem partir da regularização de terras indígenas e quilombolas.
Para ele, as demarcações ajudariam a alcançar o desmatamento zero — tendo em conta que o desmatamento responde por grande parte das emissões no país — e, com a precificação do carbono, ainda trariam um retorno econômico para as populações tradicionais que mantêm a floresta em pé. "Se for para ter mercado de carbono, que ele beneficie quem cuida da terra", afirmou.
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