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SP planeja 'maior trilha da cidade' em região verde rara e pouco conhecida

Trilha Interparques corta parques municipais, estaduais, reservas particulares e pretende ser maior trilha da cidade - Reprodução
Trilha Interparques corta parques municipais, estaduais, reservas particulares e pretende ser maior trilha da cidade Imagem: Reprodução

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

21/12/2021 06h00

Para surpresa de turistas e talvez até de moradores, São Paulo não é uma cidade só com prédios: há florestas de Mata Atlântica conservadas, sítios, terras agrícolas, aldeias indígenas e muita natureza. O projeto de uma megatrilha pretende aproximar a população dessa região verde do município, ainda pouco conhecida e visitada.

A ideia é que a trilha tenha cerca de 170 km de extensão e passe por distritos na zona sul paulistana, como Marsilac e Parelheiros. Quando concluída, os organizadores estimam que será a maior trilha da cidade e irá conectar parques municipais, estaduais, reservas particulares e áreas próximas a aldeias indígenas, como as aldeias da Terra Indígena Tenondé-Porã. O objetivo é conectar moradores, comerciantes e movimentar o ecoturismo na maior metrópole do país.

A trilha chamada "Interparques" foi elaborada por técnicos da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, que planeja ligar estradas de terra a pequenos trechos de asfalto e ciclovia, com placas de sinalização para pontos turísticos, cachoeiras, comércios e pousadas. Ainda não há prazo para a conclusão do projeto.

"Esperamos dar um salto de qualidade de vida para a região, com trabalho e valorização do território", diz Ana Roso, da única Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) federal de São Paulo, chamada Sítio Curucutu. As RPPNs são propriedades particulares cujos donos se comprometem com a União a mantê-las conservadas para estudos científicos, turismo ecológico e educação ambiental. O contrato de uma RPPN é perpétuo. No futuro, a trilha irá passar pela propriedade administrada pela família de Ana. "Estamos em um local mais distante, com pouca infraestrutura e oportunidades, mas com um poder ambiental incrível", acrescenta.

Reserva Sítio Curucutu, em Parelheiros, São Paulo, está na rota de "megatrilha" planejada por servidores da prefeitura; paisagem de Mata Atlântica conservada contrasta com urbanização da cidade - Divulgação - Divulgação
Reserva Sítio Curucutu, em Parelheiros, São Paulo, está na rota de "megatrilha" planejada por servidores da prefeitura; paisagem de Mata Atlântica conservada contrasta com urbanização da cidade
Imagem: Divulgação

A maior trilha da cidade

A ideia da trilha Interparques em São Paulo surgiu por volta de 2014 entre os servidores da prefeitura. Em breve, a pasta deve lançar uma portaria para dividir o custeio do projeto com outras secretarias, como a de turismo, esportes e mobilidade urbana.

O início da trilha deverá ser no Parque Natural Municipal Bororé, na zona sul paulistana, aonde é possível chegar por meio de uma balsa que cruza a represa Billings em um cenário bem diferente dos arranha-céus paulistanos. A partir dali há cachoeiras, parques, aldeias indígenas e agricultura familiar.

A servidora Anita Correia de Souza Martins afirma haver interesse em estimular o turismo verde na região já há 20 anos, mas a distância, a pouca divulgação e o sinal de telefonia e internet ainda limitados dificultam o processo. Consequentemente, o pólo verde passa batido nos planos de muitos paulistanos.

Imagem área de Área de Proteção Ambiental (APA) Bororé; região fica a cerca de 40 km do centro de São Paulo - Reprodução/Prefeitura de São Paulo - Reprodução/Prefeitura de São Paulo
Imagem área de Área de Proteção Ambiental (APA) Bororé; região fica a cerca de 40 km do centro de São Paulo
Imagem: Reprodução/Prefeitura de São Paulo

"Quando criança, eu ia até [a região de Parelheiros] e achava que era outro município. Só descobri que era a minha cidade quando comecei a trabalhar na secretaria e me veio essa memória do coração", explica Anita.

Apesar disso, ela afirma que é preciso cautela para manter as áreas conservadas e impedir que a urbanização avance contra o verde. Por isso, nas últimas duas décadas, a prefeitura criou parques municipais e, agora, planeja a trilha Interparques.

Segundo ela, além da própria prefeitura e do governo estadual, será preciso envolver a União e órgãos federais, como a Funai e o ICMBio, com a prefeitura de Embu-Guaçu, onde se planeja parte da trilha, e com comerciantes, donos de pousadas e casas de evento na região.

As grandes trilhas pelo mundo

As trilhas de longa distância são tradicionais no mundo inteiro. Muitas começaram por motivos religiosos, como as famosas trilhas europeias do Caminho de Santiago (entre países como Portugal, França e Espanha) e a brasileira Caminho da Fé, que liga estados e cidades do sudeste com a cidade de Aparecida. Há trilhas criadas no passado para fins comerciais e adaptadas para fins ecológicos, como a Caminho do Sal, entre São Bernardo do Campo, Santo André e Mogi das Cruzes.

A criação de uma trilha não é nada fácil e pode levar anos para ser finalizada. A Trilha Transcarioca, com 183 km entre parques estaduais do Rio de Janeiro, levou mais de 20 anos até ser inaugurada, em 2017.

A demora é causada por estudos ambientais, treinamento de funcionários e comerciantes, licitações, sinalização e para decidir quem paga a conta. O setor do ecoturismo, porém, acredita que o interesse maior do público em busca de natureza acelere esse processo.

Em 2019, 15 milhões de turistas visitaram unidades de conservação no Brasil, um aumento em 300% em relação aos 13 anos anteriores, de acordo com estudo elaborado pela Fundação Grupo Boticário. Espera-se que o público seja ainda maior em 2022, com o possível fim do isolamento social instaurado pela pandemia. Não à toa, surgiram empresas de turismo especializadas em passeios por Parelheiros ou Marsilac.

"É um movimento do país todo interligar grandes parques e trilhas", afirma Marcelo Freire Mendonça, servidor da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, que ajudou a mapear o comércio, a definir a sinalização e trechos que precisarão de reformas e ciclovias e, mais importante, a estimular participação de quem mora nesse raro paraíso verde na metrópole. "Esse é um tipo de trilha que só vai dar certo se todo mundo estiver integrado, especialmente os moradores, para comprar a ideia e desenvolver a trilha com a gente", diz.