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Curso de programação do MTST leva empregos a moradores de ocupações de SP

Desde o início de 2020, o núcleo leva as aulas para quatro locais diferentes de São Paulo  - Divulgação
Desde o início de 2020, o núcleo leva as aulas para quatro locais diferentes de São Paulo Imagem: Divulgação

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

24/12/2021 06h00

É nas paredes cinzas de tijolos aparentes que o engenheiro de software William Oliveira, 30, aponta para códigos de programação reproduzidos por um projetor. Professor do Núcleo de Tecnologia do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Oliveira ministra aulas de programação há cinco meses em uma das Cozinhas Solidárias do movimento, localizada em Santo André.

Alunos de todas as idades e gêneros olham atentamente as instruções do professor, e compartilham, além do mergulho na tecnologia, a luta por moradia, busca por qualificação e melhores vagas no mercado de trabalho.

Desde o início de 2020, essa tem sido uma missão do núcleo, que leva as aulas para quatro locais diferentes de São Paulo e atende cerca de 60 alunos. "Muitos moradores das ocupações perderam o emprego, a saúde e suas moradias durante a pandemia de covid-19. O número de pessoas em situação de rua subiu e a periferia está sangrando. Aprender uma profissão traz a esperança de voltar a viver com a dignidade", diz Oliveira.

A tecnologia que salva

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A baiana Fernanda Assis concluiu o curso e conseguiu emprego como desenvolvedora de sistemas tecnológicos
Imagem: Divulgação

O professor fala com a propriedade de quem encontrou a saída para uma vida com mais acessos a partir da tecnologia. "Entrar na área de desenvolvimento de software transformou a minha vida. Fui da infância no barraco de metade feito de madeira, metade de alvenaria no ABC Paulista para uma residência na maior metrópole da América Latina", revela.

Atualmente, Oliveira trabalha em um dos maiores bancos do mundo e ganha até dez vezes mais em comparação com seus primeiros empregos fora da área de tecnologia. "O menor salário na área da tecnologia ainda é maior do que o da maioria das pessoas que moram nas quebradas. Um bom emprego representa saúde mental e impacta na vida e na economia local", comenta.

As afirmações de Oliveira vão ao encontro do cenário econômico brasileiro atual. A renda média do brasileiro registrou o menor valor desde 2017, marcando R$ 2.433, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). Em contrapartida, empresas de tecnologia lutam para preencher suas vagas abertas.

Moradia conquistada com a tecnologia

Tradicionalmente, o MTST tem a luta por moradia digna como uma das suas principais bandeiras. Esse foi o drama enfrentado pela baiana Fernanda Assis, de 20 anos, que dividiu uma casa de chão de cimento com 10 pessoas de três famílias diferentes na capital de São Paulo.

A jovem chegou a São Paulo em 2018, em busca de uma promessa de emprego que não deu certo. Vivendo de "bicos" diversos, a família vivenciou cerca de um ano depois a demolição por ordem judicial da residência em que morava. "Foi depois disso que conheci o MTST e o núcleo de tecnologia", conta a jovem.

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Fernanda e seu companheiro foram das primeiras turmas do curso, que teve duração de 6 meses
Imagem: Divulgação

Fernanda e seu companheiro foram alunos das primeiras turmas do curso, que teve duração de seis meses. "O início das aulas era presencial. Havia vários fatores para que não desse certo, pois tínhamos um bebê, o deslocamento era grande e estávamos desempregados', lembra.

Recebendo ajuda com o custo do transporte e desbravando linguagens de programação como Python, logo Assis marcou as primeiras conquistas tecnológicas. "Nosso trabalho final foi robotizar uma horta solidária do movimento e lançar as informações em um site criado pelos alunos do curso", lembra.

Com as habilidades adquiridas, logo as entrevistas surgiram e Fernanda conquistou a vaga de desenvolvedora de sistemas tecnológicos. "Hoje ainda estamos começando a realizar pequenos sonhos, como ter nossa privacidade em uma casa de dois andares, mesmo que seja no aluguel, e comprar algo para nosso bebê. Coisas que não estávamos nem perto de ter antes", diz.

Para ajudar com doações basta acessar o site do Núcleo De Tecnologia do MTST ou entrar em contato via Instragram. As aulas são destinadas aos alunos que fazem parte da base do movimento e estão em luta por moradia, mas há planos de expansão para comunidades próximas dos locais de ensino.

O curso é ministrado de forma online nas ocupações: Condomínio Dandara - Zona Leste; Ocupação Nova Canudos - Zona Norte e na Região Metropolitana: no Condomínio João Cândido - Taboão da Serra e na Cozinha Solidária - Santo André.