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ANÁLISE

'Não Olhe Para Cima': Os negacionistas do cometa somos nós

Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence em cena de "Não Olhe Para Cima" - Divulgação/Netflix
Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence em cena de "Não Olhe Para Cima" Imagem: Divulgação/Netflix

Fernanda Schimidt

De Ecoa, em São Paulo (SP)

29/12/2021 06h00

"Nós tentamos dizer pra vocês todo esse tempo, está bem ali!" Na cena, o personagem de Leonardo DiCaprio grita ao telefone enquanto vê um cometa apocalíptico se aproximando da Terra. O fim do mundo tem local e hora marcada, mas ninguém deu muita bola. Em outros tempos, o roteiro de "Não Olhe Para Cima" seria absurdo. Hoje em dia, provoca risadas nervosas no público acostumado a viver em meio às fake news e a combater negacionismo.

DiCaprio e Jennifer Lawrence vivem uma dupla de astrônomos que identificou um cometa com quilômetros de extensão e trajetória direta para o Pacífico. Desde a descoberta, assumem a missão de alertar as autoridades, a imprensa e a população para tentar reverter a tragédia iminente.

A sátira dá o tom do longa de Adam McKay, megaprodução da Netflix que estreou na última semana e está no topo do serviço de streaming no Brasil (e no mundo). Com elenco estrelado e atuação caricata, é quase impossível olhar para os personagens de Meryl Streep, Tyler Perry, Cate Blanchett, Jonah Hill e Mark Rylance e não tentar identificar quem seriam os ineptos e gananciosos da vida real que os inspiraram.

É fácil cair na tentação de apontar o dedo e nos sentirmos de alguma maneira superiores nesse mundo polarizado, em que muitos minimizam uma pandemia que matou mais de quatro milhões de pessoas. Mas o filme não é sobre covid-19 ou vacina.

Cientistas têm nos alertado desde os anos 1980 sobre os danos irreversíveis que os nossos sistemas de produção e consumo estão provocando no meio ambiente. "Nós tentamos dizer pra vocês todo esse tempo, está bem ali!" Os efeitos da crise climática e seus eventos extremos podem ser vistos com mais intensidade ano após ano, não faltam dados que comprovem o aquecimento global. Os negacionistas do cometa somos todos nós.

cena de "Não Olhe Pra Cima" - Niko Tavernise/Netflix - Niko Tavernise/Netflix
Cartaz com frase "Não existe Planeta B", comum entre ativistas pelo clima, aparece em cena de "Não Olhe Para Cima"
Imagem: Niko Tavernise/Netflix

Projeções divulgadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) apontam para um cenário catastrófico até o fim do século em diversas partes do globo, incluindo o Brasil: regiões inabitáveis pelo calor, terras improdutivas e áreas que hoje têm alta densidade demográfica totalmente submersas.

Em "Não Olhe Para Cima", a população tinha seis meses para definir um curso de ação. Quando acordou, era tarde demais. Quanto tempo vamos precisar na vida real? Enquanto coletivamente seguimos na inércia, cidades inteiras estão sendo alagadas por chuvas desproporcionalmente intensas, áreas cada vez maiores estão sendo devastadas por queimadas, povos indígenas estão sendo ameaçados por defender a floresta e um presente que nos possibilite o futuro - um futuro neste planeta, é claro.

Afinal, como no filme, a corrida espacial dos bilionários está a todo vapor. Vale lembrar que os 5% mais ricos do mundo foram responsáveis por 37% de todas as emissões de carbono entre 1990 e 2015, ou seja, a ciência mostra que são diretamente responsáveis pelo agravamento da emergência climática.

O cometa continua se aproximando. O que vamos fazer agora?

Como escreveu a colunista de Ecoa Julie Dorrico após assistir ao filme: "no fim do mundo, neste fim do mundo, se eu pudesse fazer uma prece, seria para que pudéssemos rezar no nosso íntimo pelas pessoas, e não pelas coisas."