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Projeto oferece bolsas de estudos para egressos do sistema prisional

O projeto Nova Rota foi criado em 2020 para ajudar egressos do sistema prisional a se reinserir na sociedade - Divulgação
O projeto Nova Rota foi criado em 2020 para ajudar egressos do sistema prisional a se reinserir na sociedade Imagem: Divulgação

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo (SP)

04/01/2022 06h00

Desde pequeno, o paulistano Ualifi sonha em ser advogado. Nas brincadeiras e nas feiras de profissão da escola, o menino tinha na ponta da língua a resposta sobre o que gostaria de ser quando crescesse. Fazer faculdade de direito sempre esteve nos planos — e não deixou de estar mesmo durante os quatro anos e meio em que esteve privado de liberdade em um presídio de São Paulo. Ali, passava as horas alternando entre fazer musculação e ler sobre o Código Penal.

Mesmo já em liberdade, eram muitos os impeditivos que acabavam o afastando de seguir esse sonho. Falta de dinheiro, o principal deles. No ano passado, porém, se deparou com um anúncio de um programa de bolsas de estudo para egressos do sistema prisional. Era aquela a segunda edição do projeto Nova Rota, que Ualifi ainda não sabia muito bem como funcionava, mas entendia como uma grande oportunidade para conseguir mudar de vida.

"Se não tiver capacitação e oportunidade para essa pessoa conseguir um emprego, dificilmente ela vai conseguir vencer sozinha. Afinal, em um país extremamente desigual e de oportunidades escassas como é o Brasil, os presos são esquecidos e deixados de lado, e isso prejudica a ressocialização. Porque a pessoa sem capacitação e oportunidades de trabalho acaba não visualizando que existem outras formas de viver, e pode acabar voltando à criminalidade pensando que essa é a única saída", afirma Ualifi.

O nascimento do projeto

Criado em 2020, o Nova Rota nasceu como uma tentativa de contribuir para a transformação desse cenário descrito por Ualifi. Um ano antes, Leandro Félix e Vitor Jardim Barbosa eram colegas na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) quando tiveram a ideia de começar um projeto sem fins lucrativos que ajudasse egressos do sistema prisional a se reinserir na sociedade dando todo o apoio necessário para isso, incluindo ajuda de custo com alimentação e transporte.

"Para nós, o acesso à informação e, mais especificamente, o acesso à educação são ferramentas transformadoras e de difícil desapropriação. Assim, uma capacitação adequada nos parece o caminho para a reinserção social, para a possibilidade de novas vivências e para a redução dos índices de reincidência que, infelizmente, ainda são bastante alarmantes", diz Amanda Barelli, advogada e uma das coordenadoras do Nova Rota.

Leandro Félix e Vitor Jardim Barbosa, criadores do Projeto Nova Rota - Divulgação - Divulgação
Leandro Félix e Vitor Jardim Barbosa, criadores do Projeto Nova Rota
Imagem: Divulgação

Com apoio de doações e investimento de financiadores, a iniciativa consegue dar bolsas integrais em faculdades e cursinhos para os bolsistas selecionados. Ualifi, por exemplo, foi da segunda turma de contemplados pelo Nova Rota, e agora tem realizado seu sonho de criança nas aulas de direito na faculdade Metodista, em São Paulo (SP).

Hoje, há 13 bolsistas ativos no projeto. Cada um deles é acompanhado de perto por dois ou três voluntários, que fazem parte de um grupo de cerca de 40 pessoas que ficam próximas e atentas a qualquer ajuda solicitada pelos alunos. "Buscamos estabelecer um vínculo em nível pessoal com os bolsistas, de modo que os mentores atuem conforme as necessidades cotidianas de cada um. Como grande parte dos nossos voluntários são do meio jurídico, há ainda a possibilidade de oferecer assessoria jurídica àqueles que precisarem desse tipo de suporte", conta Miguel Faria, estudante de direito da USP e um dos mentores do Nova Rota.

Outros tipos de apoio

Além disso, ajudas de custo relacionadas ao deslocamento até os cursinhos e universidades também são oferecidas. Mas o auxílio mais citado pelos bolsistas entrevistados por Ecoa, sem dúvidas, foi o apoio psicológico dado pelo projeto. "Para fim, ficou evidente que a preocupação não é apenas com reinserir o egresso no mercado de trabalho, mas sim com a reinserir um cidadão com uma nova postura e novos pensamentos", opina Ualifi.

Já no caso de Camila Lopes Felizardo, contemplada da primeira turma, a ajuda psicológica foi fundamental não para entrar na faculdade — afinal, já cursava Assistência Social na USP quando conheceu o Nova Rota —, mas para se manter nela. Com a crise econômica no país, ela que é autônoma acabou enfrentando mais dificuldades para conseguir renda durante a pandemia.

Para ela, por meio desse apoio jurídico, econômico, educacional e psicológico, o projeto tem tentado assumir o papel que o Estado deixa de cumprir. "A gente sabe que o perfil social da maioria das pessoas que estão no sistema carcerário é pobre e periférico. Essas pessoas já não têm nenhum acesso às coisas, então eu nem falo em 'reinserção' porque, para mim, o Nova Rota, na verdade, está inserindo na sociedade quem não estava nela antes", diz.

Para o futuro, sua ideia é usar o que está aprendendo na universidade para "fazer com que mais gente tenha acesso a seus direitos", como ela diz, fazendo valer as políticas públicas que já existem e precisam ser cumpridas para que todos tenham direito a uma vida mais digna.

Ualifi, por sua vez, ainda tem mais quatro anos de estudos pela frente, mas já colocou na lista outro sonho que deseja conquistar: o de se tornar um advogado voluntário do Nova Rota para que mais pessoas tenham acesso às oportunidades que ele teve.

"Nossa percepção é que a responsabilidade de reinserção social é de toda a sociedade e que, caso essa tarefa seja bem-sucedida, não apenas o egresso do sistema carcerário se beneficiará, mas toda a sociedade com a redução de índices de violência", diz a voluntária Deborah Toledo.

O projeto está, agora, finalizando o seu terceiro processo seletivo, desta vez voltado para candidatos do Rio de Janeiro. Para mais informações, visite o site do Nova Rota.