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Segunda Sem Carne vira alvo de polêmica com banco; você conhece a campanha?

Marcelo Justo/Folha Imagem
Imagem: Marcelo Justo/Folha Imagem

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo (SP)

10/01/2022 06h00

Em dezembro, rodou pelas redes sociais um vídeo do banco Bradesco com dicas de hábitos do dia a dia que ajudam a reduzir a pegada de carbono. Uma delas em particular gerou indignação entre pessoas, empresas e organizações ligadas à pecuária: o apoio ao movimento Segunda Sem Carne.

Na semana passada, foram organizados em protesto churrascos em frente a agências bancárias de diferentes estados do país. A mobilização foi chamada de Segunda Com Carne.

Apesar da comoção recente em torno do Segunda Sem Carne, o movimento existe há 19 anos e tem o ex-beatle Paul McCartney como um dos principais defensores. Criado nos Estados Unidos, a campanha se expandiu para mais de 40 países, chegando ao Brasil em 2009 com apoio da Sociedade Vegetariana Brasileira.

Em 2015, foi incorporado pelo Governo do Estado de São Paulo aos restaurantes populares do Programa Bom Prato, e já ganhou adeptos conhecidos como Xuxa, Gisele Bündchen, Marcos Palmeira e Reynaldo Gianecchini.

Afinal, o que é o Segunda Sem Carne?

É um movimento internacional que propõe o seguinte: não comer carne em um dia da semana. Michele Letran, da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), explica que apesar de existir a intenção de ajudar a reduzir o consumo da proteína animal, o Segunda Sem Carne não quer fazer imposições, mas convidar as pessoas a conhecerem outras formas de se alimentar.

"O Brasil é rico em diversidade de grãos, legumes e verduras, e nossa alimentação fica centralizada na carne? A substituição de alimentos de origem animal por alimentos de origem vegetal por um dia se torna um incentivo à descoberta de novos sabores, mostrando essa variedade que temos no reino vegetal e as infinitas formas de preparo", afirma.

Alimentação - iStock - iStock
Imagem: iStock

Como começou o Segunda Sem Carne?

Sua história começa em 2003 com o publicitário nova-iorquino Sid Lerner. Sempre muito envolvido com a luta por saúde pública de qualidade, ele se uniu à Universidade Johns Hopkins para encontrar uma forma de diminuir o consumo de carne entre a população estadunidense, que comia 15% a mais do que o recomendado àquela época.

Ele, então, pensou em reviver uma campanha iniciada em 1917 pela agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, que pedia à população para não comer carne por um dia para que sobrasse mais para alimentar as tropas do Exército durante a Primeira (e depois a Segunda) Guerra Mundial.

Só que dessa vez, Lener queria incentivar pessoas a repensarem hábitos alimentares que prejudicam a saúde dos seres humanos e do planeta. Além de mudar a campanha das terças, como acontecia nas épocas das guerras, para as segundas-feira, justo por ser um dia em que as pessoas comumente escolhem para iniciar alguma mudança na vida.

O movimento hoje acontece por três motivos: pelas pessoas, pelos animais e pelo meio ambiente.

Comer carne faz mal para saúde?

A defesa da redução do consumo de carne e ter uma alimentação mais focada em vegetais está baseada na prevenção de doenças graves.

"Hoje temos diversos estudos mostrando que o consumo elevado de carne aumenta o risco de câncer, principalmente de intestino, também para doenças cardiovasculares, para diabete", explica a nutricionista e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), Aline Martins Carvalho.

Mas ela afirma que, quando o assunto é a carne, não devemos esquecer que ela tem muitos nutrientes e que o alimento por si só não faz mal à saúde dos seres humanos. O grande problema está no excesso.

A professora ressalta que, apesar do Brasil ser grande consumidor de carne, é preciso lembrar que nem todos conseguem comprar o alimento. Depois das altas nos preços no mercado em 2021, 67% dos brasileiros cortaram carne bovina da lista de compras, segundo pesquisa do Datafolha.

"E isso acontece provavelmente por causa do baixo poder aquisitivo, não por escolha alimentar dessas pessoas. Então, aqui entra a questão da justiça alimentar. O ideal seria que as pessoas conseguissem escolher não comer carne, e não serem obrigadas a isso", completa.

E como a carne afeta a saúde do meio ambiente?

Não é só a saúde dos seres humanos que é motivo de preocupação para o Segunda Sem Carne, mas a do planeta também. Para produzir um quilo de carne bovina, são liberados cerca de 2 kg de metano e 50 kg de dióxido de carbono na atmosfera, de acordo com o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) com dados obtidos pelo Observatório do Clima, em 2020.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a produção de carne e laticínios corresponde a 14% de todas as emissões de carbono, que são diretamente responsáveis pelo aquecimento global e a crise climática.

Sobrevoo do Greenpeace em fazenda na Amazônia em 2020 mostra gado sendo colocado em área recém queimada - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Sobrevoo do Greenpeace em fazenda na Amazônia em 2020 mostra gado sendo colocado em área recém queimada
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Qual a relação entre produção de carne e desmatamento?

O Atlas da Carne 2021 apontou que 63% da área desmatada na Amazônia foi para a criação de pastos para gado. Além disso, dos produtos agrícolas que saem do Brasil com destino a Europa, como a soja e o café, 50% deles também vêm do desmatamento, segundo o documento.

"Entendemos que o principal vetor do desmatamento é o roubo de madeira e a grilagem de terras. A ganância humana para querer ter mais dinheiro, mais terra, vender madeira. Não acreditamos que a pecuária seja o causador, mas é uma consequência. A área está devastada e aí alguém a ocupa com gado porque é a forma mais simples", diz Luiza Bruscato, engenheira ambiental e gerente-executiva do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável.

Para ela, o Brasil tem um potencial grande para um dia alcançar o patamar de país com produção de alimentos mais sustentável do planeta.

"O país é predominantemente agrícola, a gente precisa de um bom clima para manter nossa produção e aumentar cada vez mais a nossa produtividade. Então, nesse sentido, o que que o Brasil pode fazer? Aplicar de fato o Código Florestal brasileiro de forma integral, dar apoio, educação e informação para os produtores rurais e incentivos econômicos e linha de crédito de mais fácil acesso", afirma.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O texto original dizia que 63% da Amazônia foi desmatada para a criação de gado. A informação foi corrigida com o dado certo: 63% das áreas desmatadas da Amazônia foram usadas para criação de gado, segundo o Atlas da Carne 2021.