Entenda o que são barragens e por que tantas correm risco de romper
Moradores e moradoras de cidades mineiras têm vivido momentos de angústia com a instabilidade de barragens pelo estado. Em Pará de Minas, a prefeitura alertou a população para que deixasse suas casas no domingo (9) por causa do alto risco de rompimento da barragem da hidrelétrica da Usina do Carioca, que pertence à Companhia de Tecidos Santanense. Um dia antes, a barragem da Mina do Pau Branco, da mineradora Vallourec, já havia transbordado.
Esse tipo de situação tem sido recorrente no estado. Basta lembrar que nos últimos anos dois grandes crimes ambientais envolvendo essas construções devastaram as cidades mineiras de Brumadinho e Mariana, deixando centenas de mortos, feridos e desabrigados.
Para especialistas ouvidos por Ecoa, a situação em Minas Gerais, infelizmente, não causa surpresa. "É um caos previsto, essa situação com as barragens ainda vai durar por muitos anos aqui", diz o ambientalista e presidente do Instituto Diadorim para desenvolvimento regional e socioambiental, Gustavo Gazzinelli.
Afinal, qual é a função das barragens? Por que estão em risco de rompimento? Quais são os impactos para a saúde da população e para o meio ambiente? Respondemos essas e outras questões abaixo.
O que são barragens?
Barragens são construções feitas para conter ou reservar "substâncias líquidas ou de misturas de líquidos e sólidos", como define a Política Nacional de Segurança de Barragens, estabelecida pela Lei 12.334, em 2010. O especialista Carlos Barreira Martinez explica que essas estruturas podem ser feitas de concreto, pedra ou terra - este último o tipo mais usado.
Ao todo, o Brasil tem 22.649 barragens registradas no Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB).
Para que elas servem?
As barragens são de tipos, tamanhos e finalidades diversas, como cultivar peixes, recreação, irrigação de plantas, abastecimento de água. A maioria delas não costuma oferecer riscos. Quando se fala de barragens no noticiário, normalmente estão se referindo às barragens de mineração e às de hidrelétricas que são utilizadas para produção de energia, como é o caso da que está com risco alto de rompimento em Pará de Minas (MG).
Há diferença para as barragens de mineração?
"As barragens de mineração são um capítulo à parte", explica Carlos Barreira Martinez, professor de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Itajubá (Unifei). Isso porque nesse caso, as empresas mineradoras utilizam essa construção como um depósito de rejeitos.
Ou seja, para conseguir o minério de ferro desejado - que é utilizado na produção de eletrodomésticos, carros e construção civil, por exemplo -, é preciso separá-lo de outros materiais que vêm junto a ele, mas que não possuem valor comercial para a indústria. Depois dessa separação, chamada de "beneficiamento", esses "restos" são despejados nas barragens, junto com terra, areia e água.
"Normalmente são construídas ao longo do tempo à medida que os resíduos de mineração são produzidos pelo processo de exploração das minas. E podem ser construídas pelos métodos de alteamento de montante, que atualmente é proibido por ser muito inseguro, ou alteamento de jusante, o mais seguro, mas também o mais caro", explica o especialista.
De responsabilidade da Vale, as barragens de Mariana (que rompeu em 2015, deixando 19 mortos), e a de Brumadinho (rompida em 2019, matando 262 pessoas) utilizavam justamente o método mais inseguro. Depois desses crimes ambientais, o Governo de Minas Gerais decretou a descaracterização de todas as barragens alteadas a montante no estado, e as empresas têm até 25 de fevereiro de 2022 para realizar a mudança.
"Nós temos uma quantidade de mineração tão grande em um espaço territorial tão pequeno em Minas Gerais que não podemos aumentar esse processo de produção de minério, temos que diminuir. Ele ultrapassou o limite de suportabilidade do território e recursos hídricos", afirma o ambientalista Gustavo Gazzinelli.
Quais são os impactos do rompimento de barragens?
"O rompimento — como um desastre tecnológico resultado de decisões onde o lucro é prioridade e não a segurança e a vida — é um crime que afeta todas as dimensões da vida das pessoas atingidas, inclusive dos trabalhadores e trabalhadoras das minas ou empreendimentos de energia".
Quem diz é Thiago Alves, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Desde o final da década de 1980, o movimento tem lutado a favor das populações que foram vítimas de desastres com barragens, buscando garantir reparação para que essas pessoas possam reconstruir suas vidas.
"Nossa experiência na bacia do Rio Doce, com o crime da Samarco, Vale, BHP Billiton, e na bacia do Paraopeba, com o crime da Vale, mostra como os prejuízos econômicos se somam aos aspectos simbólicos e culturais da vida em comunidade e os aspectos individuais e coletivos na saúde física e psicológica. Em certa medida, são danos incalculáveis", conta.
Além disso, Thiago destaca que, para além das mortes, destruição de comunidades e do meio ambiente, é importante citar outro dano causado por rompimentos de barragens: o medo. "Moradores que vivem perto de barramentos, como ocorre em Congonhas, por exemplo, passam os dias aterrorizados e, desde já, sofrem prejuízos, como desvalorização de imóveis e a desorganização dos planos de vida, a perda de espaços coletivos, como escolas".
Construção de barragens viola direitos humanos?
Não só o rompimento gera preocupação, a própria construção dessas barragens já é alvo de críticas de movimentos sociais como o MAB. Em 2010, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) divulgou um relatório que apontou 16 tipos de violações sistemáticas dos direitos humanos durante as construções de barragens no Brasil.
Sendo alguns deles o direito à informação e à participação; direito a um ambiente saudável e à saúde; direito à reparação de perdas, direito às práticas e aos modos de vida tradicionais; direito dos povos indígenas e quilombolas e direito à melhoria contínua das condições de vida.
A conclusão do conselho foi que "o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual".
O que precisa ser feito para evitar que novas tragédias aconteçam?
De acordo com o boletim divulgado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), em dezembro de 2021, o Brasil tinha 40 barragens em nível de emergência. Já nesta terça-feira, o governo mineiro divulgou que 31 barragens estão correndo algum risco apenas no estado.
"Sempre que se fala de situação de risco em barragens, deve-se levar em consideração que esse tipo de estrutura é complexo e que deve ser objeto de muito cuidado desde seu projeto até o fim da vida útil. Podemos comparar uma barragem a um ser humano que tem um ciclo de vida e que pode estar sujeito a doenças ou malformações, infelizmente. É preciso de acompanhamento sistemático de forma a prevenir ou tentar minimizar esses problemas", explica o engenheiro Carlos Martinez.
Para ele, ações de diferentes setores da sociedade precisam ser tomadas. A começar pelo poder público, que deve estar atento e cobrar que as leis existentes sejam respeitadas, além de investir em fiscalização.
As empresas proprietárias e responsáveis pelas barragens, por sua vez, devem investir em processos de monitoramento, "treinamento de pessoal, sistemas de alerta e devem colaborar com o setor público para a capacitação de sistemas de defesa civil em locais onde for necessário". E a sociedade civil precisa estar atenta para cobrar que as leis sejam cumpridas.
A fiscalização também é apontada pelo ambientalista Gustavo Zanelli como ponto fundamental para garantir a segurança dos trabalhadores e trabalhadoras, da população em geral e do meio ambiente.
"Precisamos de um sistema de monitoramento público, e não só das barragens, como dos rios, porque as barragens são construídas sobre um rio ou um córrego. Hoje o sistema de monitoramento é todo baseado no automonitoramento das próprias empresas. Nós precisamos desse sistema público inclusive para fazer um contraponto a elas e garantir a nossa segurança e a do meio ambiente", diz.
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