Educadora enfrenta Talibã e leva meninas afegãs para estudar na África
Desistir de estudar nunca foi uma alternativa para a afegã Shabana Basij-Rasikh. Ela tinha apenas 6 anos de idade quando o Talibã tomou o poder em Cabul pela primeira vez, em 1996, proibindo o ensino para mulheres. Para driblar os extremistas, os pais da então criança a vestiam com roupas masculinas para que pudesse ir à escola. Hoje, aos 31 anos, Shabana segue sem ceder à pressão do grupo, que retornou ao governo no ano passado. Fundadora do primeiro e único internato para garotas no país, a School of Leadership Afghanistan (SOLA), a educadora arquitetou a evacuação de 250 pessoas, entre estudantes, professoras e familiares, para Ruanda. É no país africano que as alunas de Shabana estão dando continuidade aos seus estudos.
Segundo Shabana, a fuga só foi possível graças a um acordo feito pela educadora junto ao governo ruandês, por intermédio de um amigo. A SOLA já estava planejando um programa de estudos no exterior, mas a ideia precisou ser adaptada rápida e secretamente. "Eu tive conversas com os pais das minhas alunas em dezembro de 2019. Os Estados Unidos assinaram um acordo com os talibãs em fevereiro de 2020, e anunciaram a sua retirada incondicional do Afeganistão em abril de 2021. Essas datas foram como avisos numa estrada que eu não queria percorrer", recordou a educadora durante palestra no TED Talks.
Shabana contou que, mesmo sem ter certeza de onde essa movimentação terminaria, não poderia aguardar passivamente um desfecho. Seguir com ensino remoto para as meninas em suas casas não era viável, tanto pela falta de equipamentos quanto pelos possíveis ataques do Talibã à rede de eletricidade e telecomunicações. Com isso, em 1º de agosto, logo após as férias, a educadora tirou suas estudantes de Cabul. Duas semanas depois, o Talibã passava a controlar a cidade. No fim do mês, as meninas já estavam tendo aulas em segurança, no campus de Ruanda.
"Como as coisas podem andar depressa! E é o que toda a gente, não só eu, mas toda a gente pode fazer quando aceita a incerteza do que pode ser e, através de um cuidadoso planejamento de contingência, a transforma na certeza do que tem de ser", definiu Shabana. Antes da evacuação, ela colocou fogo em registros das estudantes, como forma de proteger suas famílias. Outros documentos restantes de mais de 300 meninas que já passaram pelo internato tiveram de ser destruídos com ácido para não chamar a atenção dos extremistas, que já estavam em Cabul.
Uma vida sem ameaças
Foi depois que se mudou para os Estados Unidos, a fim de cursar o Ensino Médio e a universidade, que Shabana se deu conta do quanto gostaria que mais meninas tivessem a mesma oportunidade que ela. Em entrevista à rádio Wbur, ela lembrou que ficou impressionada em como colegas americanas não viviam sob o medo de serem impedidas de ir à escola. "Elas nunca pensaram na possibilidade de uma ameaça ao seu acesso à educação. No início, quando perguntei a algumas delas, ficaram muito intrigadas. Eu achei isso tão bonito", comentou.
Ao mesmo tempo, acrescentou a educadora, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou naquela época um relatório apontando que apenas 6% das mulheres tinham acesso ou um diploma do ensino superior, uma estatística que a tocou. "Eu sabia que tinha que fazer algo", pontuou.
Alunas de todos os cantos
De volta ao Afeganistão, Shabana iniciou o trabalho no internato em 2016. O objetivo era oferecer um espaço onde meninas afegãs pudessem se tornar mulheres instruídas, aptas a educar outras meninas. "Eu precisava de um lugar onde essas meninas aprendessem a ler inglês e o Alcorão. Um lugar onde a noção de liderança feminina afegã se tornaria conhecida por todos", contou no TED Talks.
A oferta de ensino começou com estudantes de 10 a 12 anos, matriculadas no equivalente ao 6º ano do Ensino Fundamental. Até o ano passado, a SOLA vinha recebendo alunas de 28 das 34 províncias do país, falantes de 12 línguas e dialetos. A escola registrou matrículas de 100 garotas, entre alunas do 6º ano ao final do Ensino Médio.
Para muitas dessas meninas, acrescentou Shabana, era a oportunidade de encontrar pessoas de outras partes do Afeganistão pela primeira vez, inclusive na história de suas famílias. "Educar meninas, quebrar barreiras, é o que fazemos. Ficamos conhecidas por isso em todo o país. Os pais vieram até nós de todo o Afeganistão nos pedindo para admitir suas filhas".
Expansão para mais países
Mesmo fora do Afeganistão, a educadora segue empenhada em expandir as operações da SOLA. A meta é matricular novas alunas em 2022 e levá-las para Ruanda, até que o grupo possa retornar em segurança para seu país de origem. Algumas estudantes também estão sendo encaminhadas para intercâmbios nos Estados Unidos. "Não posso compartilhar muitos detalhes por razões de segurança e privacidade, mas sou extremamente grata pelas parcerias que desenvolvemos com esses internatos, que têm sido tão generosos com nossas meninas", destacou Shabana.
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