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Estudantes criam aplicativo que facilita comunicação com crianças autistas

App AuTime foi desenvolvido por estudantes da UFPE para ajudar crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares - Divulgação
App AuTime foi desenvolvido por estudantes da UFPE para ajudar crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares Imagem: Divulgação

Lígia Nogueira

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

24/01/2022 06h00

Desde muito cedo, João não atendia quando falavam com ele, não mantinha o olhar fixo em outras pessoas e tinha dificuldade em se comunicar de maneira verbal. Eduardo, que tinha 14 anos na época, passou a conviver com a primo e desde o primeiro contato conseguiu se conectar com a criança usando gestos e palavras simples. Ao longo dos anos, o jovem seguiu acompanhando os desafios enfrentados pelos tios para atender as necessidades do garoto e percebeu o quanto era importante o envolvimento de toda a família para oferecer o acolhimento e o cuidado de que ele precisava.

João hoje está com 16 anos, é um adolescente feliz e que consegue se comunicar melhor, apesar de ainda ter dificuldades para verbalizar o que deseja. Apesar disso, ele segue suas atividades como qualquer outro adolescente de sua idade: pratica esportes, vai à escola, viaja com a família e sai para fazer as coisas de que gosta.

Pensando nos desafios que faziam parte da rotina de seu primo, Eduardo Ramos, hoje com 28 anos, desenvolveu, junto com outros três colegas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um aplicativo para ajudar crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares.

Há dois anos, Eduardo, que é estudante de design, e os outros alunos foram selecionados para participar do programa Apple Developer Academy, um projeto de ensino financiado pela Apple e centros de educação parceiros que possui sites em várias cidades do Brasil e do mundo. O objetivo é promover o desenvolvimento dos jovens com ensinamentos práticos baseados em design, programação e inovação, além de incentivar o crescimento pessoal de cada um.

O resultado da experiência, que terminou com a formação do grupo e de outras quatro turmas de estudantes de diferentes partes do país, foi o AuTime. O app pretende ajudar pais e crianças autistas a criar e seguir uma rotina de tarefas no dia a dia, apresentadas aos pequenos de forma lúdica.

"Em nossa primeira versão do aplicativo, feita para o iPhone, meu primo João participou de alguns testes junto de sua mãe. Mas a versão atual que está em desenvolvimento para iPad ainda precisa passar pela fase de testes", conta Eduardo, em entrevista a Ecoa.

Dentro da Academy, os estudantes foram desafiados a trabalhar com um propósito de vida que os inspirasse. Durante os processos de idealização e decisão do propósito individual, perceberam que tinham como objetivo trabalhar com acessibilidade, inclusão e educação. Assim, após uma busca sobre diferentes temas, eles foram se aproximando da área do Transtorno do Espectro Autista, principalmente pela iniciativa de Eduardo e Victor Vieira, 24 anos (estudante de engenharia elétrica da UFPE) que levaram a proposta de trabalhar nesse campo. Victor também tem uma prima, Fernanda, com autismo e, assim como o colega Eduardo, via as dificuldades na rotina de sua família.

Estudantes - Divulgação - Divulgação
Os estudantes foram selecionados para participar do programa Apple Developer Academy, um projeto de ensino financiado pela Apple e centros de educação parceiros
Imagem: Divulgação

Hélio Silva, 23 anos, estudante de design, e Matheus Andrade, 21, aluno do curso de engenharia da computação, também sentiram que o tema se encaixava com seus objetivos. "Nos unimos por esse propósito e realizamos tudo de uma maneira empática e com o coração aberto, buscando desenvolver um aplicativo que pudesse ajudar crianças e adolescentes dentro do espectro e suas famílias", contam os criadores do AuTime, que contaram ainda com a contribuição de Keise Nóbrega, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFPE, para entender melhor como poderiam trabalhar com pessoas dentro do espectro autista.

"Além do contato com especialistas, também entrevistamos diversas famílias para compreender a realidade doméstica de cada uma delas", afirmam.

Empreendedorismo

A equipe surgiu de um desafio que deveria durar apenas três meses, mas, ao compreenderem o impacto positivo que o aplicativo poderia ter na vida de tantas famílias, os colegas passaram a trabalhar em outras esferas. Então, decidiram fazer inicialmente uma versão para iPhone, que perceberam não ser a melhor opção, e passaram a desenvolver uma versão para iPad.

"A partir daí, fomos incentivados por nossos mentores a trabalhar ainda mais na ideia. Assim, vimos a oportunidade de nos candidatarmos para o Apple Entrepreneur Camp, um programa de incentivo ao empreendedorismo da Apple, em que tivemos contato com especialistas da companhia para discutir questões técnicas voltadas para design, programação e negócios e melhorar o nosso aplicativo", relatam.

Depois dessa imersão, eles passaram a entender ainda mais o impacto que o AuTime poderia causar e olhar o grupo como uma empresa. Atualmente, eles trabalham no projeto há cerca de um ano e meio e com a mesma equipe desde o início.

Como funciona o AuTime

O AuTime conta com dois perfis: um para a criança com autismo e outro para os pais. No perfil dos pais é possível criar as atividades da rotina da criança, definir detalhes como nome, horário, dias de repetição e, principalmente, selecionar a foto que representa a atividade -e que é importantíssimo para ilustrar a instrução da atividade e gerar a comunicação não verbal. Nele também aparecem informações como o horário de conclusão de cada atividade, o feedback de emoção dos filhos e uma biblioteca contendo todas as atividades criadas.

Victor - Divulgação - Divulgação
Victor também tem uma prima, Fernanda, com autismo e, assim como o colega Eduardo, via as dificuldades na rotina de sua família
Imagem: Divulgação

Já o perfil dos filhos oferece uma experiência simples e que combina o uso de linguagem verbal simples e não verbal para poder auxiliar o entendimento. Neste perfil, a criança pode acompanhar suas atividades diárias e semanais através de imagens. Cada uma das atividades também pode conter um passo a passo previamente definido pelos pais, personalizando, assim, cada tarefa de acordo com o dia a dia e as necessidades das crianças. Além disso, após concluir cada atividade a criança pode dar um feedback de como se sentiu ao realizá-la, o que pode ajudá-las a se conectar melhor com suas emoções e oferecer informações sobre elas aos seus pais.

Para atividades que a criança não goste de realizar, mas que são necessárias, existe o incentivo de coleta de estrelas que podem ser convertidas em uma atividade prêmio. Ou seja, ao concluir as atividades que elas relutam em realizar, elas recebem o incentivo de realizar algo de que gostam muito, como ir ao parque ou tomar sorvete, inspirado no ABA (Applied Behavior Analysis), um método de tratamento baseado no reforço positivo.

Segundo os criadores, os dois perfis combinados buscam gerar uma experiência satisfatória para os dois perfis de usuários ao mesmo tempo em que incentivam a troca de informações via aplicativo. "Porém, a intenção não está na digitalização dessa prática de organização familiar, mas na praticidade que os meios digitais podem oferecer para a comunicação", explicam.

"Incentivamos no aplicativo que exista uma conexão forte entre pais e filhos, seja no auxílio dos pais ao acompanhar os filhos no uso do app, como na ajuda das crianças a se comunicarem com os pais. Além disso, o AuTime busca incentivar a independência da pessoa com autismo ao permitir que comece desde cedo a acompanhar seu cronograma de atividades e compreender a importância dessa organização para seu dia a dia e bem-estar."

Lançamento

Com lançamento previsto para março de 2022, o AuTime está sendo aperfeiçoado para a realização de testes mais profundos. "Dudu e Hélio estão cuidando da parte de design, garantindo a acessibilidade e dando melhor acabamento para algumas estruturas do sistema, enquanto Matheus e Victor estão cuidando da segurança das informações e do banco de dados", contam.