Irmãos criam startup que destina impostos à solução de problemas sociais

A pianista Thais Nicolau trabalhava no desenvolvimento do projeto de um festival de música brasileira em Campinas (SP) quando se deparou com uma questão: para garantir a sustentabilidade financeira de que a iniciativa necessitava, ela precisaria ir mais fundo no entendimento de como funcionavam as leis de incentivo.

Estava lançada a semente de uma "rede social do bem" que nasceria logo depois com o intuito de conectar projetos sociais e patrocinadores de forma mais prática. No Brasil a Lei Rouanet é a mais famosa, mas o país tem uma série de leis de incentivo fiscal nas esferas municipal, estadual e federal, com regulamentações e processos distintos, na maioria das vezes burocráticos e com soluções isoladas.

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Após a segunda edição do Festival de Música Contemporânea Brasileira (FMCB), realizada com verba direta de apoiadores diversos, Thais aplicou o projeto junto à Lei Estadual de Incentivo à Cultura de São Paulo, o ProAC ICMS, a lei de incentivo fiscal do estado de São Paulo. Com isso conquistou o primeiro apoio à democratização cultural por meio da doação de ICMS da CPFL Energia, que se tornou mantenedora do FMCB até os dias atuais.

"A partir do primeiro contato com projetos incentivados, identificamos a oportunidade de resolver problemas sociais por meio do direcionamento de impostos", relata Thais, que hoje é especialista em leis de incentivos fiscais, além de Doutora pela University of Northern Colorado, professora titular da Universidade do Estado de Santa Catarina e diretora artística e curadora nos principais projetos do Sintonize Group, que inclui o FMCB.

Ao lado do irmão, Douglas Nicolau, empresário formado em administração de empresas e pós-graduado em marketing pela USP, ela deu início ao trabalho de captação de recursos junto à APAE Santo André, o que instigou a dupla a transformar impostos em impacto. Atuando com projetos da APAE e projetos culturais próprios, eles identificaram as diversas dificuldades que o ecossistema das leis de incentivo enfrentava.

Com os primeiros clientes, eles foram aos poucos aprimorando suas soluções ao oferecer, para empresas interessadas em destinar parte do imposto ao patrocínio de projetos socioculturais, o mapeamento de potencial para ajudar a definir qual lei ela pode usar, como usar, em qual causa investir e quanto investir.

O maior desafio em se trabalhar com leis de incentivo é ver tantos projetos que ainda morrem no papel. Mas, ao mesmo tempo, é isso que nos move.

Thais Nicolau, cofundadora da Incentiv.me

Anualmente, cerca de R$ 10 bilhões de reais são aprovados por meio de leis de incentivo fiscal em projetos de cultura, educação, esporte, saúde, inclusão, meio ambiente e inovação. Porém, em média, 60% destes projetos não acontecem devido à burocracia e à dificuldade para captar financiamento.

Pensando em solucionar este problema, os irmãos criaram a Incentiv.me oficialmente em 2016 e passaram a oferecer produtos e serviços para o ecossistema das leis de incentivo a fim de solucionar as dificuldades tanto para as empresas quanto para os proponentes. Às empresas é oferecida uma solução tecnológica para toda a jornada de uso das leis de incentivo fiscal. Já os proponentes têm desde consultoria para otimizar a jornada de captação até o monitoramento dos resultados.

"Um trabalho importante desenvolvido pela Incentiv.me é a conscientização sobre o melhor uso dos impostos", destaca Thais. "Por isso, oferecemos um diagnóstico para que as empresas descubram seu potencial de incentivo nas leis de forma gratuita e qualquer proponente com projeto aprovado pode se cadastrar na plataforma para participação dos processos seletivos."

Ao facilitar o uso de leis de incentivo fiscal, a taxtech possibilita que projetos sociais em todo o país saiam do papel, além de promover a responsabilidade social e as Metas de Desenvolvimento Sustentável (ODS). "Já arrecadamos mais de R$ 150 milhões para 365 projetos de cultura, educação, esporte, saúde, meio ambiente, entre outros, impactando diretamente a vida de mais de 60 mil pessoas. Além disso, a solução promove o protagonismo social por meio da gestão de recursos públicos para resolver problemas coletivos através de uma tributação inteligente", diz.

Investimento

No final do ano passado, a Incentiv.me foi um dos projetos selecionados para receber apoio da organização sem fins lucrativos SITAWI Finanças do Bem, que mobiliza capital para impacto socioambiental positivo e lançou uma nova rodada de empréstimo coletivo pela sua plataforma, em parceria com o Instituto Sabin.

A iniciativa permite que pessoas físicas de todo o país invistam diretamente em negócios de impacto positivo atrelados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. A captação pretende mobilizar R$ 1,1 milhão para a Incentiv.me e para a Cooperativa de Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc).

"Durante a análise e elaboração da proposta de investimento da Incentiv.me foram realizadas muitas conversas com a equipe interna, clientes e beneficiários do negócio social. Eles relataram o alto impacto da organização que viabilizou investimentos para projetos sociais saírem do papel e incluir mais de 630 crianças através do ensino, esporte, cultura e apoio psicológico, por meio do projeto da Associação Morumbi de Integração Social, por exemplo", diz Ana Beatriz Villela, analista de investimento de impacto da SITAWI.

Em sua trajetória, a taxtech com sede em Florianópolis (SC) — e com projetos apoiados por companhias como Suzano, Algar, Camil, Braskem, CPFL Energia e BASF — foi reconhecida como 26ª startup mais inovadora da América Latina pela Innovation Latam e ganhou o prêmio LIDE Rio Preto e Brazil at Silicon Valley, entre outros. Além disso, passou pelo programa de aceleração da FIESP e recentemente foi selecionada para o programa de aceleração do BNDES Garagem. A organização fechou 2021 com um aporte de R$ 10 milhões numa mega rodada de investimento-anjo. "Estamos nos preparando, agora, para expansão em número de colaboradores, tecnologia, projetos sociais e empresas parceiras em 2022", finaliza Thais.