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O que muda no mundo se você deixar de comer carne?

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Imagem: iStock

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

05/02/2022 06h00

Ter um pedaço de carne no prato pode custar mais do que parece. Além do preço alto no mercado, para que todo o processo aconteça é preciso que 66,5 bilhões de frangos, 1,48 bilhão de porcos e 304 milhões de bovinos sejam abatidos por ano. Os números são dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU).

A alta demanda pela criação desses animais também acompanha a sua pegada de emissões no mundo e marcam de 10% a 12% dos gases do efeito estufa gerados globalmente.

Mas o que muda se a gente parar de comer carne? Para responder essa pergunta e entender o efeito da produção da carne no planeta, Ecoa reuniu dados e conversou com especialistas de saúde e meio ambiente e pessoas envolvidas no mercado alternativo ao da proteína animal.

O que muda se eu parar de comer carne?

Os cientistas estimam que os humanos começaram a comer carne há mais de 2 milhões de anos, embora ela só tenha passado a ser cozida há mais de 500 mil anos. O alimento teve o seu papel na linha da evolução, de acordo com pesquisas feitas por biólogos evolucionistas da Universidade de Harvard. Eles conduziram um estudo que apontou que a carne foi uma opção mais rápida para a absorção de nutrientes em comparação com as raízes e tubérculos crus.

No entanto, a forma como comemos e, principalmente, produzimos carne - em escala industrial -, surgiu em meados do século 20. Mas a chegada do século 21 tem mostrado também em números que o hábito está se tornando insustentável ao longo do tempo: somente para a produção de um quilo de carne bovina são liberados em média 2 kg de metano e 50 kg de dióxido de carbono, de acordo com o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola). Além disso, na Amazônia, cerca de 63% da área desmatada foi para criação de gado, apontam os dados Atlas da Carne 2021.

Ainda assim, se parar de comer carne ainda não lhe parece um caminho a se considerar, as leis da física que garantem que dois corpos não ocupam o mesmo espaço podem trazer outra perspectiva: pensando em escala global, se todos os países do mundo consumissem carne como os que mais consomem, seria preciso usar quase toda a área habitável da Terra para a produção de alimentos. A reflexão foi apresentada no documentário "Explained", disponível na Netflix, e usou os dados do relatório Global Environmental Change (2016).

Para o corpo, parar de comer carne ou reduzir o consumo pode trazer benefícios, de acordo com a nutróloga Valéria Goulart. "Se essa mudança for feita de maneira saudável, pode haver a diminuição do risco de doenças cardiovasculares, do depósito de gordura nas artérias que causam infarto e do desenvolvimento de doenças crônicas", explica.

"Consumir menos gordura da carne pode melhorar a saúde da pele, reduzindo a oleosidade e consequentemente as acnes. Além disso, a microflora intestinal também sofre alterações benéficas, e o inchaço e os gases também melhoram", completa a profissional.

Se outrora a proteína animal foi um importante degrau na escala evolutiva humana, agora o consumo de alguns tipos de carne parece estar associado a transtornos psiquiátricos. Estudos conduzidos na Universidade Johns Hopkins (EUA) apontam que portadores de mania (que faz parte do transtorno bipolar) tinham três vezes mais chances de terem comido produtos de carne processada do que pacientes que estavam sendo tratados para outras condições psiquiátricas, como a esquizofrenia.

Quantos recursos são usados na produção de toda a carne que você come?

Para Elias-Piera, doutora em ciência ambiental pela Universitat Autònoma de Barcelona, é preciso ao menos repensar o consumo de carne. "Não precisamos parar de comer carne totalmente, mas precisamos urgentemente reduzir o consumo em pelo menos 50%", alerta.

Como exemplo do impacto que pode ser causado pelo consumo, Elias-Piera recomenda o uso de uma calculadora que quantifica os recursos usados para a produção de carne.

"Para uma única pessoa que só come carne bovina todos os dias em duas refeições, a quantidade de terra utilizada para produção de gado no ano será de 20.185,3 m². Nesse mesmo espaço, poderiam ser produzidos 7.083 kg de arroz ou milho no período. O consumo de água fica em 952.952 litros, quantidade que poderia ser bebida por 870 pessoas em um ano", aponta ela com base nos dados da calculadora.

Por ano, o bife bovino no prato do almoço e do jantar de um único ser humano é responsável por emitir 5.272,2 kg de CO2, quantidade que necessita de ao menos 242 árvores para a absorção de carbono gerado. Essa emissão é equivalente a 674.839 smartphones carregados e a mais de 21 mil quilômetros rodados por um veículo de passeio médio.

É possível parar de comer carne?

Goulart afirma que deixar a carne é possível, no entanto, é preciso trocar as fontes de proteína animal por proteínas de origem vegetal de qualidade.

"O organismo pode sofrer com a falta de nutrientes vindos diretamente da carne, como ferro, zinco, selênio, vitamina D e vitamina B12. Por isso, é importante que essa mudança seja acompanhada por um profissional, que pode prescrever uma suplementação adequada e auxiliar numa troca saudável pela proteína vegetal", aponta a profissional.

Para Anderson Rodrigues, a ideia de deixar de comer carne foi o estopim para abrir a sua empresa de proteína vegetal. "Em 2010, queria parar de comer carne, mas não encontrava nada que fosse vegano. Quando achava, era muito caro, não era gostoso e não era saudável. Nessa época, acabei desistindo", lembra.

Cinco anos depois, Rodrigues fundou a empresa Vida Veg, que produz produtos similares aos de origem animal. "É uma opção em textura e sabor para que a pessoa continue comendo e tendo as sensações de sabores, mas de forma mais sustentável e mais ética por não explorar nenhum animal", comenta.

O empresário faz parte de um mercado de consumo consciente que está em expansão, e soma cerca de 30 milhões de vegetarianos (dados divulgados pela Sociedade Vegetariana Brasileira). Há boas projeções também no ramo dos cosméticos, que sinalizam que até 2025 os produtos de beleza não testados em animais alcançarão a marca de US$ 20,8 bilhões (mais de R$ 110 bilhões) com crescimento de 6,3% ao ano, de acordo com a pesquisa Grand View Research.

Para Elias-Piera, o caminho para a mudança, apesar de apresentar bons números, ainda será árduo. "É difícil convencer uma pessoa que come carne a comprar alimentos veganos e vegetarianos sem ensiná-la e educá-la para isso. Para piorar, alguns comerciantes se beneficiam desses 'nomes populares' para aumentar o valor de produtos só por dizerem que são veganos", analisa.

"É preciso ensinar os benefícios da menor ingestão de carne e não impor que todos devem parar de comer carne, e que só assim iremos salvar o planeta. Esse alimento faz parte da cultura brasileira, do churrasco de fim de semana. Muitas pessoas conseguiram começar a comprar seus bifes diários há pouco tempo", completa.

Ela aponta que a campanha "Segunda sem carne" mostra resultados significativos para o meio ambiente, mesmo incentivando que as pessoas deixem de comer carne apenas um dia na semana.