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O que é medida socioeducativa e como ela pode ajudar jovens infratores?

Agente fecha portão enquanto menores jogam futebol na quadra da Fundação Casa, na unidade de Osasco - 12.jul.2010 - Marcelo Justo/Folhapress
Agente fecha portão enquanto menores jogam futebol na quadra da Fundação Casa, na unidade de Osasco Imagem: 12.jul.2010 - Marcelo Justo/Folhapress

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

22/02/2022 06h00

No Brasil, um adolescente que descumpre a lei pode ser internado por até três anos na Fundação CASA (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), antes Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo que atende jovens de 12 a 21 anos.

Diferentemente dos adultos, que podem ir para penitenciárias, jovens que cometem atos infracionais recebem a chamada medida socioeducativa. Embora também possa envolver a privação de liberdade na chamada internação, a ela somam-se uma série de esforços assistenciais, que trabalham desde a educação até a profissionalização da pessoa.

No entanto, a maior parcela da sociedade acredita que a diminuição da maioridade penal seria o melhor caminho para lidar com esses jovens. Foi o que revelou a última pesquisa feita pelo Datafolha sobre o tema, que apontou que 84% dos brasileiros são a favor da redução para 16 anos.

Mas como as medidas socioeducativas funcionam? De que forma elas se diferenciam das penas em prisões para adultos e quais os reais benefícios que podem trazer à sociedade? Para responder a essas e outras perguntas, Ecoa conversou com um promotor de justiça e com o presidente da Fundação CASA sobre o tema.

O que é uma medida socioeducativa e como ela funciona?

"Quando uma pessoa maior de idade pratica um crime, recebe uma pena que pode ser de prisão. Quando é menor, não se recebe uma pena, pois ela é considerada inimputável ou imatura. Dessa forma, se tem um acolhimento diferenciado do Estado, como está previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)", explica Fernando José da Costa, secretário da Justiça e Cidadania e presidente da Fundação CASA.

O promotor de justiça da Infância e da Juventude da capital de São Paulo, Fernando Simões, completa que para os adolescentes não se fala em crime, mas sim em ato infracional. "Mas são as mesmas condutas que levam a um ou outro tipo de responsabilização", explica.

Segundo ele, caso sejam internados, os jovens podem ficar nas unidades por até três anos. Na semiliberdade podem sair para cumprir tarefas como ir à escola. Já na liberdade assistida, vão apenas uma vez por semana à instituição para cumprir as obrigações dessa medida ou para a prestação de serviço à comunidade.

"A Legislação estabelece como regra que a internação é uma medida excepcional destinada a casos graves, com emprego de violência ou grave ameaça, com reincidência ou quando não se cumpre a medida socioeducativa anterior", explica o presidente da Fundação CASA. Para os casos mais leves, o jovem leva uma advertência.

O que muda da medida socioeducativa para as penas recebidas por adultos?

Para Costa, as maiores diferenças já são notáveis nos significados das palavras. "Nas medidas socioeducativas, a ideia é justamente educar esse jovem. Assim, o adolescente que está internado ou passando por outro tipo de medida terá ensino regular e cursos de capacitação", explica.

"Além disso, diferentemente do que ocorre no sistema prisional, ele terá um PIA (Plano Individual de Atendimento), que tem psicólogos, assistentes sociais, médicos e sociólogos", completa.

Para Simões, isso acaba significando acesso a recursos sociais que o adolescente nunca teve. "Ainda que seja trágico pensar que, para que tenham um acesso um pouco melhor, tenham cometido um ato infracional antes", reflete o promotor.

Costa, que defende a ressocialização como melhor caminho, lembra que toda sanção penal tem sua finalidade, e que são feitas para que se evite praticar condutas que vão contra a Lei. "Há as que têm finalidade de ressocialização (medida socioeducativa), e aquelas em que se aplica o mal justo ao injusto (detenção) para que a sociedade verifique a justiça sendo feita. Todas têm sua importância", ressalta.

Em janeiro de 2022, o estado de São Paulo passou a contar com o programa "Minha Oportunidade", que tem como objetivo promover a capacitação e empregabilidade a pessoas que passam por medidas socioeducativas. A iniciativa, que irá durar inicialmente 22 meses, tem como meta alcançar até 14,6 mil jovens da Fundação CASA.

Atualmente, são 4.631 internos, de acordo com dados cedidos à reportagem pela Assessoria de Inteligência Organizacional (AIO) da instituição, em 15 de fevereiro de 2022.

Qual a importância da aplicação de medidas socioeducativas?

Costa acredita que programas que garantam o acesso aos estudos e ao emprego podem ser uma saída importante para jovens deixarem o crime.

"Fazer com que consigam trabalhar ajuda a diminuir a reincidência de atos infracionais, pois entre os grandes motivos [para a reincidência] estão a falta de capacitação, empregabilidade e orientação psicossocial e familiar", afirma. "Algumas pesquisas internas feitas na Fundação CASA nos mostraram que muitos nem sabem o que é uma entrevista de emprego", revela.

"A medida socioeducativa é uma alternativa para ele se reaproximar da escola e ter apoio de entidades que ajudam nesse processo, tanto dele quanto da família. Às vezes com coisas como imprimir um currículo ou dicas de onde procurar emprego já são muito importantes, sobretudo para famílias que nunca tiveram assistência social", completa o promotor.

Em São Paulo, a porcentagem de reincidência de internações em 2022 é de 26,43%.

É possível lidar com crimes graves sem a redução da maioridade penal?

Os crimes bárbaros, como homicídios, estupros e latrocínios, podem inflamar a sociedade, que não considera proporcionais as medidas socioeducativas que privam da liberdade adolescentes por apenas três anos.

No entanto, no estado de São Paulo, os jovens que estão internados por esses crimes representam menos de 5% se somados. A maior parte é por tráfico de drogas (48,48%), seguido de roubo qualificado (33,4%), de acordo com dados cedidos pela Fundação CASA.

Para casos de crimes graves e violentos, o promotor de justiça (que já participou de debates legislativos no Senado sobre o tema) acredita que a solução não é alterar a Constituição, que tem a maioridade penal aos 18 anos. Para ele, o ideal seria mudar alguns regimentos do ECA.

"O problema de muitas das mudanças propostas é colocar o adolescente para cumprir pena em vez de pensar na socioeducação dele. Essas propostas buscam uma solução em curto prazo", afirma.

Para o promotor, uma saída interessante seria fazer um rol com os atos infracionais mais graves, como homicídios, latrocínios e estupros e aumentar os limites de tempo de internação nas instituições para adolescentes em todo o país.

"Poderia aumentar para pelo menos cinco ou seis anos o tempo de internação para crimes graves. Assim, se estaria ao menos dobrando o prazo que esses adolescentes ficariam privados da liberdade, o que representaria cerca de 40% do tempo que ele já viveu", defende Simões.