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'Existe solução': Para especialistas, é possível evitar 'outra' Petrópolis

Deslizamento de terra destruiu quase uma centena de casas em Petrópolis e desabrigou mais de 320 pessoas; ao menos180 moradores de áreas de risco foram acolhidos em escolas - Lucas Landau/UOL
Deslizamento de terra destruiu quase uma centena de casas em Petrópolis e desabrigou mais de 320 pessoas; ao menos180 moradores de áreas de risco foram acolhidos em escolas Imagem: Lucas Landau/UOL

Camilla Freitas

De Ecoa UOL, em São Paulo (SP)

28/02/2022 06h00

"Eu sou uma sobrevivente da tragédia de 2011, e foi ali que começou a minha luta". Cláudia Renata Ramos se refere à maior catástrofe climática do Brasil, segundo o CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos). Foram 73 vidas perdidas em Petrópolis após fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Ao todo foram 918 mortes, somando outras cidades como Nova Friburgo e Teresópolis, com 300 mil pessoas afetadas e uma perda econômica deR$ 4,8 bilhões, segundo o Banco Mundial.

Hoje, Cláudia representa não só o Movimento do Aluguel Social e Moradia de Petrópolis como também a Comissão das Vítimas da Tragédia da Região Serrana. Foram sete anos até ela conseguir uma nova moradia depois de ter perdido sua casa.

"Em 2018, depois de muita luta e diálogo, o movimento conseguiu a entrega de alguns blocos de um conjunto habitacional em Petrópolis, são 92 apartamentos. Fui contemplada com um apartamento nesse conjunto", conta. Em março de 2019, mais habitações foram entregues pelo programa Casa Verde e Amarela, desta vez com 776 unidades.

"Ali tem famílias de 1988 até 2015 e 2016", conta a moradora de Petrópolis citando datas de outras tragédias ambientais que ocorreram na cidade. Cláudia afirma que já havia mais de 400 famílias esperando por moradia antes mesmo da tragédia que começou no último dia 15 de fevereiro. Além delas, mais de 80 aguardam aluguel social.

Até a publicação desta reportagem, a prefeitura não tinha o número certo de pessoas que receberão o aluguel social após o desastre. Contudo, o Governo do Estado e da Prefeitura anunciaram um valor de R$1 mil que será pago a moradores desabrigados.

Um problema de moradia

A fala de Cláudia Renata Ramos vai ao encontro da realidade de inúmeras cidades brasileiras. São 872 municípios classificados como críticos pelo IBGE por terem habitantes em áreas de risco de inundações, enxurradas e movimentos de massa. São 8,2 milhões de pessoas vivendo nessas áreas.

Um estudo chamado Plano Municipal de Redução de Riscos que estava com a prefeitura de Petrópolis desde 2017 mostrava que 15.240 moradias da região estavam em áreas de risco, sendo que uma das áreas mais perigosas se tratava do Morro da Oficina, que foi extremamente atingido na última catástrofe.

"A gente vem sempre batendo na tecla de que já tinha passado da hora de fazer uma política pública habitacional de interesse social em toda a região serrana. Isso é para ontem. Se tem pessoas morando em área de risco, é preciso tirar essas pessoas dali", comenta Cláudia.

Mas como deslocar milhares de pessoas dentro de uma cidade que tem cerca de 306 mil habitantes?

A própria Cláudia já tem uma solução. "Há em Petrópolis terrenos para construir moradias populares em lugares seguros e não tão distantes do centro da cidade. O movimento já tem mapeado alguns desses terrenos e tenho até alguns projetos em mãos. Mas já os levei para a prefeitura e nada foi feito. Temos terrenos seguros, o que falta é boa vontade", diz, referindo-se à gestão anterior da cidade. Ecoa tentou contato com o ex-prefeito Bernardo Chim Rossi (PL), mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

A gente vê em muitas cidades brasileiras ocupações em áreas de riscos e as formas de mitigar essas tragédias passam por melhorar a estrutura de drenagem da cidade e melhorar as condições das casas para que elas tenham uma fragilidade menor, mas isso é mitigador do problema. Outra solução também é a produção de moradia em outras áreas da cidade.

Henrique Evers, gerente de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil

Um problema ambiental

Entre o desastre que deixou 134 mortos em 1988 em Petrópolis até a maior tragédia natural do século no Brasil, em 2011, se passaram 23 anos. Dessa vez, foram só 10 anos até que novas chuvas causassem mortes e mais prejuízos. Esse fenômeno, segundo Henrique Evers, gerente de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, pode ser associado a uma questão ambiental.

"É uma tendência, com as mudanças climáticas, que esses eventos extremos passem a ocorrer com maior frequência e maior intensidade. E isso é chuva, mas também é seca e ondas de calor, vários fenômenos com diferentes impactos e gravidade", explica.

Tendo em vista que as mudanças do clima já são uma realidade, segundo o especialista, é preciso que as cidades se preparem para reduzir os possíveis efeitos desse novo cenário. "Primeiro é preciso entender que o que nos levou até aqui foi a negação da natureza enquanto parte integrante da cidade. Esse modelo de urbanização que nega a natureza gera mais emissões de gases do efeito estufa, o que contribui para as mudanças climáticas, e também coloca as pessoas em áreas de risco. Para reverter isso, então, é preciso integrar a natureza na solução, seja em planejamento, seja em investimento em infraestrutura", comenta.

De acordo com Henrique Evers, não basta só o investimento em sistemas de alerta e monitoramento de desastres para processo de evacuação em caso de emergência. Esse tipo de medida é necessária, mas não é suficiente. Parar de entender a cidade como algo oposto à natureza e trazer a natureza como parte da solução dos problemas urbanos é o ponto-chave.

Para isso, ele cita três soluções que podem ser adotadas para diminuir o escoamento de água no solo e ajudar a evitar enchentes e deslizamentos. São elas:

  • Jardins de chuva: uma espécie de canteiro que retém água da chuva;

  • Telhados verdes: retém a água da chuva para que ela fique no telhado e não vá direto para o solo;

  • Reconstituição de topos de morro: áreas de proteção permanente que envolve preservação da floresta nos topos de morros para ajudar, também, a reter o escoamento da água.

E os bons exemplos vêm de casa. Já existem cidades no Brasil que adotam medidas semelhantes para combater os desastres naturais. Recife (PE), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR) são algumas delas. São Paulo e Goiânia (GO), especificamente, estão implementando em grande escala a solução dos jardins de chuva. Niterói (RJ), Sobral (CE), Teresina (PI) e Curitiba estão investindo em parques como sistema de contenção de escoamento da água.

Se em países de primeiro mundo quando ocorrem furacões, tsunami, eles reconstroem as cidades num piscar de olhos, por que no Brasil a gente não consegue fazer isso?

Cláudia Renata Ramos, representante Movimento Do Aluguel Social E Moradia De Petrópolis