Ato pelo meio ambiente obtém promessa do Senado de 'análise profunda' a PLs
Vozes de artistas consagrados movimentaram ontem (9) o dia em Brasília durante o Ato pela Terra, que incluiu agenda no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Senado Federal. Houve também uma programação de shows musicais que reuniu, segundo a organização, pelo menos 20 mil pessoas no gramado em frente ao Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios.
Embalado por músicas apresentadas por Caetano Veloso, Maria Gadú, Seu Jorge, Nando Reis, Duda Beat, Natiruts, Daniela Mercury e outros, o protesto chamou a atenção para cinco projetos de Lei em tramitação no governo que preveem um retrocesso na agenda ambiental e ameaça aos povos indígenas.
O conjunto de propostas, denominado pelos ativistas de 'Pacote da Destruição', é defendido por parlamentares governistas, que prometeram ao Palácio do Planalto aprová-lo até o fim do atual mandato no Executivo. São projetos que flexibilizam regras para a concessão de licenciamento ambiental, autorizam a entrada no Brasil de agrotóxicos com substâncias comprovadamente causadoras de mutações genéticas, regularizam a ocupação indevida de terras públicas, alteram a demarcação de terras indígenas e permitem a exploração de minérios e de recursos hídricos em terras indígenas, incluindo áreas onde há povos isolados.
"O país hoje vive sua maior encruzilhada ambiental", disparou Caetano Veloso durante seu discurso em audiência pública com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, diante de uma plateia de artistas, ambientalistas e parlamentares. "Não nos esqueçamos de Mariana e Brumadinho, onde a população até hoje chora seus mortos e suas perdas. Neste ano, minha Bahia ficou debaixo d'água e o Rio de Janeiro, cidade que me acolheu, ainda recolhe os destroços de uma catástrofe", disse, lembrando as últimas tragédias ambientais no país.
Mesmo com o ato acontecendo ao longo do dia, a Câmara dos Deputados aprovou ontem requerimento para que tramite em regime de urgência o PL 190/2020, uma das propostas do 'Pacote da Destruição', que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas, possibilitando a construção de hidrelétricas nas áreas até então preservadas. O requerimento, protocolado pelo líder de governo na Câmara, Ricardo Barros, foi aprovado com 279 votos a favor, 180 contra e 3 abstenções.
Lira também autorizou a criação de um grupo de trabalho para analisar a proposta e disse que pretende levar o texto para votação no plenário nas primeiras semanas de abril.
Meio ambiente no Judiciário
Acompanhados de ambientalistas e representantes de organizações da sociedade civil, como Observatório do Clima e Greenpeace, cerca de 40 artistas iniciaram sua programação em Brasília com audiência no gabinete da ministra Cármen Lúcia, do STF.
A ministra Rosa Weber e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso também participaram do encontro. Todos são relatores de ações no Supremo que tratam de temas que impactam o meio ambiente e que afetam povos indígenas.
Em documento entregue aos magistrados, os artistas pediram celeridade no julgamento de 11 processos, que incluem a reativação dos fundos do Clima e da Amazônia, bloqueados pelo governo de Jair Bolsonaro, e dos que tratam do plano de controle de prevenção ao desmatamento da Amazônia Legal e às queimadas no Pantanal.
"Há grave risco de irreversibilidade, especialmente em relação à garantia do Estado de Direito e ao ponto de não retorno no processo de degradação da Amazônia. Isso pode inviabilizar os esforços mundiais contra as mudanças climáticas e gerar a perda definitiva dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta", diz trecho do texto entregue aos ministros.
O documento pede ainda que as ações sejam julgadas "garantindo decisões que assegurem o respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o respeito aos direitos dos povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais e demais direitos sociais protegidos na Constituição Federal".
Presidente do Senado diz que é preciso encontrar "pontos de convergência"
Embora presentes no Congresso, o grupo de artistas não se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, por entender que a estratégia agora é apelar para o Senado, já que Lira é governista.
Parte das propostas em tramitação no Congresso já foi aprovada pela Câmara e agora espera análise dos senadores. Um dos projetos, que altera regras para a comercialização e utilização de novos agrotóxicos, também conhecido como 'Pacote do Veneno', deverá tramitar pelas comissões temáticas antes de ir a plenário.
O PL é um dos textos mais polêmicos da pauta reivindicada pelos ambientalistas. Entre os itens previstos pelo projeto está a autorização para agrotóxicos que utilizam substâncias teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, hoje proibidos no país.
"A gente está correndo o risco de, por exemplo, liberar substâncias para consumo que podem ser cancerígenas", alertou o ator Lázaro Ramos, presente no evento. A chefe de cozinha Bela Gil, uma das vozes mais atuantes contra o PL, explica que a proposta, se aprovada, poderá causar danos irreversíveis ao país. "É muito necessário que a gente barre isso, que a gente freie isso, porque a saúde da população está em jogo." Veja o que outros artistas disseram.
Outra proposta já no Senado é a que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental, dispensando exigências hoje necessárias para a autorização de ocupação do solo. O projeto está à espera de parecer da relatora, a senadora Kátia Abreu, representante da bancada ruralista no Congresso.
Pacheco recebeu do grupo uma carta assinada pelos artistas e por representantes da sociedade civil pedindo que os projetos não sejam aprovados. "Os parlamentares, e em especial Vossa Excelência, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, devem garantir que nenhuma proposta seja colocada em votação até que esteja alinhada com o que diz a ciência, observando as demandas e necessidades das populações tradicionais e do campo e à luz da emergência climática que vivemos", diz o documento.
Em resposta, o presidente do Senado disse que será preciso encontrar "pontos de convergência" nos textos para a negociação sobre as propostas, mas que não pretende levar a plenário nenhum dos projetos sem que antes sejam analisados profundamente.
"Devemos reconhecer quantas vezes tivemos projetos demonizados e que, no final, foram grandes propostas legislativas", argumentou. "Antes de tudo, sou um democrata. Eu respeito a maioria, mas tenho as minhas prerrogativas de dar a cadência a cada um desses projetos para que sejam amadurecidos", afirmou.
"É a participação direta que faz mover as nossas políticas"
Após as audiências com autoridades, o grupo deu sequência a uma série de apresentações musicais e discursos em cima de um caminhão de som montado em frente ao Congresso.
Entre as 16h e as 22h, além de assistir aos shows dos artistas, o público presente ouviu declarações de diversas personalidades públicas contra a aprovação dos projetos, como Paola Carosella, Emicida, Alessandra Negrini, Paula Lavigne, Lázaro Ramos, Crioulo e Bela Gil.
Quem esteve presente comemorou a iniciativa. "É a participação direta que faz mover as nossas políticas, as nossas intervenções públicas", disse a psicóloga Cida Alves, que saiu de Goiânia para marcar presença no ato.
"É um ato necessário, depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos. A Amazônia sendo destruída, povos indígenas sendo mortos? Por isso estou aqui", explicou o modelo Zaili, de 24 anos.
Segurando um cartaz com a frase "Agroecologia contra o racismo ambiental", o engenheiro florestal e professor de agroecologia Ivan Medeiros reuniu seus alunos da Universidade de Brasília (UnB) para participar do Ato pela Terra. "Acredito que o exemplo seja a melhor ferramenta para incentivar e estimular a participação popular."
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