Navegar no rio Pinheiros? Passeio não dá vontade de nadar, mas surpreende
Já pensou em navegar pelo poluído rio Pinheiros, em São Paulo? Quantas vezes você se perguntou como seria a capital paulista se seus principais rios pudessem ser usufruídos pela população? De transporte a lazer, são muitos os caminhos para a mente viajar. A missão que ajuda a responder algumas dessas questões foi feita ontem (9) pela reportagem de Ecoa - e por um motivo ambiental.
O velejador Beto Pandiani usou o rio para uma inauguração simbólica da expedição que fará pelo Ártico, em maio. O objetivo da viagem será o de chamar atenção para a crise climática e o degelo de calotas polares. Ao lado de Pandiani, a reportagem embarcou em uma lancha que partiu da antiga Usina da Traição.
Do meio do rio, a cidade grande parece observá-lo por todos os lados. É difícil esquecer da metrópole ao redor. Os prédios espelhados, os carros na movimentada Marginal Pinheiros e os vagões da companhia de trens não somem das margens. É quase silencioso, o vento sopra no rosto e traz ideias de como poderia ser esse futuro quase utópico de rios urbanos limpos.
Ao menos no trecho entre a Ponte Estaiada e a Usina São Paulo usada para recepcionar a imprensa, as águas parecem mais limpas e menos fedidas do que um paulistano pode imaginar. Na ocasião, quase não havia odor. Nas margens, voam algumas garças, enquanto funcionários navegavam em embarcações de limpeza. Na ciclovia ao lado, ciclistas pedalam acelerados.
O rio recebeu investimentos bilionários para ser limpo nos últimos anos. A sujeira, porém, ainda é visível. As embalagens de salgadinho boiam de um lado para outro. É fácil observar plástico à deriva — o vilão de oceanos mundo a fora também dá as caras por aqui, é claro. Muitos objetos são impossíveis de serem descritos por terem sido inflados ou corroídos pela água para chegar até ali. E no bom português, também tem cocô. Muito.
Ainda não dá vontade de pular do barco e nadar de uma margem à outra. Impossível afastar o medo das possibilidades mirabolantes que poderiam ser encontradas lá no fundo. Porém para um dia ensolarado e sem chuva naquele local específico, foi uma surpresa não se sentir em um barco em direção ao Reino de Hades, o lugar para onde iriam as almas após a morte segundo a mitologia grega.
No barco a vela, Pandiani encontrou um vento razoável para navegar. Não fossem os bloqueios criados para barrar a poluição que se acumula há décadas no curso do rio, os ventos poderiam levar o velejador para a represa Billings e Guarapiranga, na zona sul, em uma tranquilidade incomum nos trens da CPTM ou no trânsito da Marginal.
Em maio, Pandiani vai sair do Alasca (EUA) até a Groenlândia, em uma viagem de 3 mil milhas náuticas, ou mais de 5 mil quilômetros, margeando a chamada região da calota polar. A expedição vai cruzar a Passagem Noroeste, uma rota perigosa que se tornou mais acessível em determinadas estações do ano devido ao degelo causado pelo aquecimento global.
"Nosso objetivo, além de mostrar que é possível navegar nos verões, é produzir um documentário, artigos e um livro sobre o impacto ambiental, social, econômico e cultural do rápido degelo do ártico", diz, sobre a passagem.
Nascido em Santos, Pandiani navega profissionalmente há quase 30 anos. Em 1994, navegou de Miami, cidade norte-americana na costa do oceano Atlântico, até Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Depois, contornou o continente sul-americano em expedições arriscadas, como ir na passagem entre América do Sul e a Antártica em um barco sem cabine. Em sua maior aventura, saiu do Chile e foi até a Austrália. De lá para cá, ele sentiu o planeta esquentar, e os mares sofrerem com a degradação.
A viagem de Pandiani pela região polar ártica, inaugurada simbolicamente no Pinheiros, também será usada como meio de educação ambiental. Para vencer a ausência de ventos na região, o catamarã vai utilizar uma espécie de pedalinho além da vela.
Em agosto, o explorador deve enfrentar um trecho de gelo. "[Os registros] podem auxiliar na educação e concretização das mudanças pela sociedade por alternativas sustentáveis", diz.
Sem água potável, ok?
Para o rio Pinheiros, o governo estadual garante que a água do rio não será potável. O objetivo da despoluição é que o rio seja, pelo menos, navegável e mais bonito, como mostrou reportagem de Ecoa em outubro. Até os anos 1970, ele era usado para competições aquáticas, natação e banho, mas foi condenado pelo crescimento da cidade, por decisões do governo e pela falta de planejamento urbano e de saneamento básico da capital.
A limpeza do rio virou promessa de políticos, eleição após eleição. Até mesmo um peixe, que estava "perdido" em um lago do Parque do Ibirapuera, foi propagandeado pelo governo João Doria (PSDB) como sinal de recuperação, mesmo com índices ainda inóspitos de qualidade.
Desde 2001, o governo estadual tem fracassado em limpá-lo e desistiu do uso de uma técnica polêmica após dez anos. Em 2019, mais de R$ 4 bilhões do governo e da iniciativa privada foram investidos para readequar a rede de esgoto e aumentar a chance de o rio voltar a ser utilizado. Por outro lado, especialistas duvidam de quanto tempo levaria esse processo.
Atualmente, navegar no Pinheiros parece pouco provável para qualquer pessoa com olfato que passa pela região, mas a possibilidade de revivê-lo poderia mudar a relação entre a cidade e seus rios. A sensação de usá-lo como meio de transporte no futuro é instigante e, quem sabe, pode diminuir o mal-estar do paulistano com a cidade onde vive.
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