Francês cria 'floresta' em topo de prédio mais alto de SP para educar
No 43º andar do prédio mais alto de São Paulo, há uma pequena "floresta" com mais de 100 espécies de plantas, a maioria nativas da Mata Atlântica, como samambaias, bromélias e pitangueiras. O chamado Andar43 leva educação ambiental para alunos de escolas públicas e de ocupações da região central e é aberto para hospedagens e eventos. Lá de cima, do alto dos 170 metros de altura do edifício Mirante do Vale, é possível ver quase toda a cidade. Dá vertigem olhar para baixo e os ouvidos são tapados pela pressão na subida feita por dois elevadores antigos. Ao entrar na sala, em um corredor, a impressão é de chegar a um pequeno bosque.
A ideia é do francês Charly Andral, artista e comunicador que trabalhou como guia turístico, pesquisador e organizador de eventos desde a mudança para São Paulo, em 2017. Ele já morou em países como Tunísia e Costa do Marfim, mas se apaixonou pela vida intensa, sofrida e divertida da capital paulista.
Na visita feita por Ecoa, Charly procurava joaninhas espalhadas para fortalecer a terra nos vasos. Uma delas, em preto e branco, caminhava próxima ao parapeito da janela. Segundo ele, as plantas não recebem produtos químicos sintéticos e são tratadas com soluções como caldo de cebola e óleo vegetal.
Para impedir que o apartamento de 70 m² seja consumido pela umidade característica da Mata Atlântica, usou-se tinta antimofo - a ventilação é feita pelas largas janelas do arranha-céu construído nos anos 1960 próximo ao Viaduto Santa Ifigênia e do Vale do Anhangabaú, no centro. O resgate das plantas foi feito em canteiros de obras, terrenos e com dicas de amigos. Há até mesmo um Pau-Brasil, que cresce discreto em um vaso. "Muita gente vê Pau-Brasil na rua e nem sabe", diz.
As crianças e adolescentes recebem aulas de observação de espécies, plantio de sementes e mudas, além de conhecer um cardápio novo de plantas não convencionais, as famosas PANCs. Os eventos e sessões de fotografia ajudam a pagar as contas do negócio. Cerca de 15 reservas de hospedagem são feitas por mês, diz o organizador.
Segundo ele, os hóspedes têm interesse em explorar a arquitetura do município e ter mais contato com algo verde na cidade cinza. (A prefeitura estima que São Paulo tenha 30% de Mata Atlântica preservada, mas em áreas concentradas nos extremos, como Parelheiros).
Há cerca de dois anos, Charly não tinha a menor habilidade com plantas. A inspiração veio de um livro chamado "O cogumelo do fim do mundo", no qual a antropóloga norte-americana Anna Tsing demonstra a resistência dos cogumelos em áreas desmatadas e terrenos baldios.
"É uma metáfora sobre criar um mundo mais amigável e novas conexões em lugares que parecem abandonados", diz. Dali em diante, aproximou-se da obra do paisagista Burle Marx, conhecido pela ornamentação feita com plantas nativas e de livros sobre o reino vegetal.
O Mirante do Vale caiu como uma luva. O prédio não é abandonado, mas é ocupado por escritórios, depósitos de lojistas e pequenos negócios. Sem visitas de um grande público, o prédio mais alto da cidade não costuma ser o mais lembrado entre os arranha-céus paulistanos, como o Edifício Altino Arantes "Banespão", o Edifício Martinelli ou o Copan.
"O engenheiro Waldomiro Zarzur era um especialista em concreto armado e não pensou em ornamentação ou impacto possível, como o [Niemeyer] no Copan. Ele queria fazer o mais eficiente possível dentro do seu orçamento", diz Charly. "O Mirante do Vale é uma monocultura de escritórios e a gente é meio como uma erva daninha no meio".
Há um novo prédio comercial e residencial com 172 metros em construção, que será inaugurado em 2022 no Tatuapé, região na zona leste de São Paulo, e tirará o título de mais alto do Mirante do Vale. No ano passado, a instalação de uma casa de vidro no Mirante fez sucesso (fica no andar abaixo do Andar43; o prédio tem 50 andares).
Para Charly, abrir o espaço para educação ambiental e misturá-lo a hóspedes que bancam até R$ 600 por noite evita que só os mais ricos possam acessá-lo, algo comum em São Paulo. "Aqui, as coisas costumam ser privatizadas por uma elite. Por isso, é importante haver a diversidade dessa cidade aqui dentro", acrescenta.
Nascido no "mato" dos Alpes franceses, Charly diz que se apaixonou pela cidade quando a visitou, em 2007. Quando veio para ficar, não foi fácil: com tanta gente, demorou para se conectar. "É a maior cidade da América do Sul e agrega muita gente diferente. É como um vulcão que não se deixa explodir, o que traz dificuldades imensas e também muita intensidade", diz.
"Infelizmente, morar em São Paulo não é uma escolha para muitas pessoas. Há problemas urbanísticos, pessoas abandonadas, quem precisa atravessar distâncias grandes. Mas é humanamente muito rico", conclui.
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