Carros elétricos são mesmo melhores para o planeta? Especialistas respondem
A alta no preço da gasolina nos postos brasileiros tem lançado holofotes sobre um tipo de veículo ainda pouco usado por aqui: o elétrico. Segundo um estudo da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e da Boston Consulting Group (BCG), esses carros ainda representam menos de 1% das vendas no mercado de veículos leves. A expectativa, contudo, é que isso avance nos próximos anos. O país, conforme as projeções dessas organizações, pode chegar a 2035 com 22% das vendas no modelo eletrificado.
Embora a popularização dos veículos elétricos no Brasil ainda dependa de estímulos e investimentos do poder público, da própria cadeia automotiva e de produtores de combustíveis — na ordem de mais de R$ 150 bilhões —, esse cenário é apontado pelo estudo como importante para reduzir a poluição gerada pela indústria dos transportes. Somente aqui, o problema é responsável pela morte de mais de 50 mil pessoas por ano. Hoje, metade das emissões desses poluentes vem do transporte individual, apontam dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Especialistas pontuam, ainda, que a carência de postos de recarga e os altos preços — um carro elétrico custa a partir de R$ 100 mil — são entraves importantes no momento. A tendência, no entanto, é que haja uma redução de preço nos próximos anos, com o barateamento da produção dos eletrificados e a desaceleração na produção dos veículos a combustão.
Que fontes renováveis de energia são melhores para o planeta do que os combustíveis fósseis não há dúvidas. Mas há outras questões envolvendo os veículos elétricos que merecem atenção, como sua cadeia de produção e o descarte de bateria e outros componentes. Afinal, será que eles não são responsáveis por nenhuma emissão de carbono ao longo de sua vida útil? Será que um carro elétrico é melhor do que qualquer outro tipo de veículo? Ecoa ouviu especialistas para entender melhor o assunto.
NÃO
Descarte de bateria e eletrônicos
Para o professor João Américo Vilela Júnior, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a bateria e os itens eletrônicos dos carros elétricos são os componentes com maior potencial de poluição. Por isso, a destinação desses materiais tem gerado preocupação entre ambientalistas. Normalmente, assinala o professor, os elétricos recebem uma bateria de lítio, que tem vida útil de aproximadamente dez anos. "A questão é como será o tratamento dessa bateria depois desse tempo. Também há um pesadelo envolvendo o descarte de eletrônicos. Isso está se tornando um desafio com a penetração dos veículos elétricos no mercado", pontua.
Uma saída, completa o professor Jânio Denis Gabriel, do curso de Engenharia Elétrica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), seria a reutilização desses materiais em outras aplicações, como já ocorre em alguns países, com empresas que compram baterias de lítio para reaproveitá-las em diferentes sistemas. Ainda assim, ele reforça que, após essa "segunda vida", ainda não há um destino certo para esse resíduo. "É então que começamos a nos preocupar. Será que conseguimos remanufaturar essa bateria, fazer uma nova? É possível refazer, porém ainda não se tem o processo industrial em larga escala para isso. E se não tem escala, não tem preço", comenta.
Cuidado com a fonte de energia
Ainda que não emita carbono, o desempenho ecológico dos carros elétricos depende de outro fator — a fonte que gera a energia elétrica utilizada. Vilela Júnior salienta que o potencial de redução do impacto ambiental é maior quando a fonte energética é renovável, como a solar e eólica. Como no Brasil a matriz energética é, em grande parte, hidráulica, uma fonte relativamente limpa, o impacto ambiental da geração de energia para os elétricos também seria menor.
Já quando a opção é por fonte de energia não renovável, como o carvão ou petróleo, fontes altamente poluentes, há emissão de poluição, ainda que em quantidade menor. "Mas temos que ressaltar que, em caso de termoelétrica, considerando toda a eficiência do conjunto, o gerador trabalha em uma condição de máxima eficiência, coisa que não acontece em veículo a combustão. Então, mesmo sendo produzida pelo petróleo, gasolina ou diesel, essa energia, ao ser produzida em uma termoelétrica, tem eficiência maior em termos da conversão, o que de certa forma é atrativo", pondera.
SIM
Menos carbono no dia a dia
Diferentemente dos veículos a combustão, os carros elétricos não geram emissão de carbono para rodar. Só por esse motivo esse tipo de veículo já apresentaria um impacto ambiental menor que os convencionais, avalia o professor Vilela Júnior. Ele observa que existe uma emissão de gases do efeito estufa relacionada aos elétricos, mas ela ocorre durante o processo de produção desses bens — principalmente da bateria que os acompanha. "Todo o material industrializado tem um impacto ambiental. Mesmo assim, a longo prazo, o carro elétrico compensaria mais, por ter essa emissão zero no dia a dia, se comparado ao veículo a combustão", explica.
Ao longo da vida útil de um carro elétrico, e considerando a sua produção, a emissão de carbono gerada é até 68% menor que a de veículos movidos a combustão interna. O percentual é parte de um levantamento do Conselho Internacional de Transporte Limpo, divulgado no ano passado.
Menos derivados de petróleo
Carros elétricos também apresentam menos componentes que os veículos a combustão, destaca o professor Jânio Denis Gabriel. Enquanto os convencionais saem de fábrica com em torno de 15 mil componentes, os elétricos carregam cerca de 3 mil.
O professor explica que essa redução abrange itens derivados de matérias-primas que podem levar à contaminação da água e do solo. "Muitos desses carros não têm nem caixa de marcha, não têm óleo no motor. Isso também diminui uma série de itens que são derivados do petróleo e que têm que ser repostos com o tempo. Há, com isso, a chance de reduzir a dependência desses derivados, como materiais plásticos e borrachas", elenca.
Menor custo para rodar
O custo do quilômetro rodado é mais barato para quem dirige carros elétricos, já que completar a carga desses veículos exige menos do que o necessário para encher o tanque de um carro convencional. Um Tesla Model S, com uma autonomia de 632 quilômetros, demandaria R$ 84 em energia elétrica, calcula o professor Vilela Júnior. Já para abastecer um veículo com a mesma autonomia, capaz de rodar 15 quilômetros por litro na estrada, ele calcula que seriam necessários R$ 232, considerando a gasolina a R$ 6.
E caso a energia usada seja gerada por um sistema do próprio consumidor, o cenário se mostra ainda mais promissor, acrescenta o professor Jânio Gabriel. "Quando se associa isso com outra tecnologia, como a de fonte solar, a diminuição de custos é de mais de quatro vezes", reforça.
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