'Roupa mais sustentável é a usada', diz sueca especialista em slow fashion
O impacto socioambiental da indústria da moda tem levado consumidores e marcas a mostrarem uma preocupação maior com a sustentabilidade. Na onda do ESG, grandes varejistas em todo o mundo lançam coleções de produtos feitos de materiais como algodão orgânico e poliéster reciclado, anunciam redução de emissões de gases de efeito estufa e outras ações do tipo.
Mas, tratando-se de um setor que produz mais de 100 bilhões de peças por ano, estamos atacando o problema de forma eficiente? "[As empresas] querem que nosso foco esteja no algodão orgânico e coisas assim para que elas possam vender mais, mas o material mais sustentável é o usado", disse a Ecoa a especialista em slow fashion sueca Johanna Leymann.
Referência em moda sustentável em seu país, Leymann tem mais de uma década de experiência na área. É palestrante, podcaster e consultora, comanda um curso para startups e empresas e é autora de livros sobre o tema. A Ecoa, ela falou sobre como ter um guarda-roupa com menor impacto ambiental, sobre a importância de pressionar governos e empresas por mudanças nessa área e um futuro possível para a moda, com mais criatividade e menos consumo.
Ecoa - Como você define o slow fashion? Como essa perspectiva começou a fazer sentido para você?
Johanna Leymann - É o movimento que vai contra o sistema que temos hoje, que é o fast fashion. Slow fashion é desacelerar e cuidar melhor do que você tem. É sobre menos quantidade e mais qualidade. Temos que falar mais sobre menos consumo, então é muito barato aderir. Consertar suas roupas é de graça, comprar menos também e comprar usado costuma ser muito mais barato do que comprar novo.
Existem diferentes maneiras de fazer isso. Lojas de segunda mão, guarda-roupas compartilhados, troca de roupas, mas também cuidar das peças e consertá-las para durarem mais. Quando se compra novo, é preciso falar da sustentabilidade social e ambiental, de como é produzido, e produzir de uma forma adequada e com qualidade.
No geral, qual o cenário da indústria e do consumo de moda na Suécia?
Falamos muito sobre sustentabilidade na Suécia e temos essa autoimagem de nós mesmos como muito sustentáveis. Por outro lado, a nível global, somos bastante ricos em comparação a muitas outras pessoas, viajamos de avião, consumimos muitas roupas, decoração e coisas assim. Mas ainda nos consideramos muito sustentáveis. E, de alguma forma, acho que essa autoimagem atrapalha nosso desenvolvimento. Ouve-se muito esse tipo de argumento: "eu posso renovar meu guarda-roupa, porque estou comprando algodão orgânico, está tudo bem" ou "posso viajar para as Maldivas duas vezes por ano nas férias, porque reciclo minhas garrafas plásticas". Mas não se pode comparar essas coisas.
Você coescreveu um livro cheio de dicas sobre como podemos fazer a diferença. Você acredita que os indivíduos podem mudar a indústria e seus próprios padrões de consumo? Por onde devemos começar?
Sobre a responsabilidade, acredito que, sim, nós como indivíduos podemos fazer a diferença. Mas também precisamos entender que todos somos responsáveis: governos, em termos de legislação e política e também as empresas que estão produzindo todos esses bens de consumo.
Mas, como indivíduos, também podemos mudar nosso comportamento e estou muito certa de que todos os três [atores] precisam cooperar e pressionar uns aos outros. Não sei como é no Brasil, mas na Suécia é muito comum as pessoas colocarem a culpa nos outros: "por que eu como um indivíduo deveria fazer algo quando a China é mais responsável?".
Todos nós temos uma responsabilidade e sabemos pela história que, em conjunto, pessoas realmente podem pressionar governos e empresas. Se exigirmos coisas diferentes, as empresas nos darão o que queremos, porque elas não sobrevivem sem os clientes. Mudar nosso comportamento altera a norma e influencia outras pessoas e isso é muito importante.
Quais são suas dicas essenciais para ter um guarda-roupa mais sustentável?
Precisamos comprar menos coisas novas e estender a vida útil das que já existem. Então, como consumidor, se você só puder se lembrar de uma coisa, eu diria o seguinte: toda vez que precisar ou quiser comprar algo, você deve pensar por quanto tempo terá essa peça. É algo que levará com você a vida toda ou que só vai usar uma ou duas vezes? Se é só para usar em uma festa ou por alguns meses, deve-se alugar ou comprar usado.
Mas, se for comprar roupas novas, você deve pensar que é sua responsabilidade tê-las pelo maior tempo possível. Eu não compro roupas íntimas usadas, então vou mantê-las até não ser mais possível remendá-las. Quando não posso mais consertar uma roupa que comprei nova, eu corto o tecido e uso para outras coisas, para remendar outras roupas, limpar a casa ou polir sapatos. Isso se chama 'downcycling'.
Se todos começarmos a pensar assim, isso terá um grande impacto, porque muitos de nós estão comprando muitas roupas novas. Nós doamos para caridade [as que não queremos mais] e achamos que é algo muito legal de se fazer, então ficamos com a consciência tranquila para podermos continuar comprando. Mas acho que quase todo mundo nos últimos meses viu as fotos do deserto no Chile, né? Isso acontece porque compramos muitas coisas e não nos responsabilizamos por elas até o fim.
As roupas não desaparecem do mundo quando são doadas
Exatamente. Elas vão para algum lugar. Também é importante dizer que ainda não existe uma boa maneira de reciclar têxteis. Portanto, há um grande risco de que sua roupa acabe no deserto do Atacama ou, no caso da Suécia, que seja queimada para calefação. Um tecido é um produto muito complexo, então é uma estupidez desperdiçar recursos assim.
Em termos de matérias-primas, quais são as mais sustentáveis? O que deve ser levado em consideração aqui?
O material mais sustentável é o usado, algo bem fácil de lembrar, mas que não é exatamente o que as grandes empresas nos ensinam. Elas querem que nosso foco esteja no algodão orgânico, no poliéster reciclado e coisas assim para que elas possam vender mais, é claro. Mas, na verdade, de acordo com todas as pesquisas, o material mais sustentável é o usado. É impossível dizer realmente que um material é melhor que outro. Há grandes variações entre os materiais, mas também em um mesmo material. É possível produzir algodão de uma maneira muito ruim, mas também há como fazê-lo de maneira menos pior. Isso é verdade para todos os materiais, depende muito do método de produção. De como se usa a água, como se tinge o tecido, do tipo de fábrica, e claro, do lugar no mundo onde é produzido. Se você cultiva algodão em um lugar onde falta água, é um grande problema. O material é algo muito complexo. Há muitas coisas a serem levadas em consideração.
Em relação ao volume de produção, é possível ser sustentável quando se coloca uma quantidade gigantesca de roupas no mercado?
Ter um modelo de negócio baseado em volume é um problema. Eles querem que você consuma e todas as fibras têxteis têm um impacto negativo. Algumas mais, outras menos, mas todas têm. Zero impacto significa deixar de produzir.
Se você ganha seu dinheiro produzindo coisas novas, você quer que o consumidor se canse delas, que compre o máximo possível, com a maior frequência possível. Não entendo como isso pode ser sustentável. Um exemplo muito bom é a H&M, que é sueca: eles dizem que reduzirão seu impacto climático por peça em 50%. Mas também planejam dobrar o faturamento e duplicar a produção. Isso significa que a emissão total será a mesma.
As empresas precisam ganhar dinheiro e isso significa um novo modelo de negócio, baseado não em produzir e vender peças novas, mas em aluguel, usados, serviço de conserto e manutenção das peças e coisas assim. Se uma empresa hoje vende sete jeans, no futuro ela precisa produzir um jeans e vendê-lo sete vezes.
O greenwashing é um problema enfrentado por muitos consumidores que estão tentando ser mais conscientes. Quais são suas dicas para reconhecer uma marca de roupas verdadeiramente sustentável?
Todas as empresas estão falando sobre sustentabilidade, então é realmente complicado como consumidor entender o que isso significa. Você não lê isso no site da marca. O conselho que dou às pessoas é olhar para o modelo de negócio. Se o volume de produção é grande, deve ser greenwashing, porque a base do negócio é insustentável. Se fazem campanhas de Black Friday, é muito complicado falar de sustentabilidade.
Por outro lado, uma boa empresa de moda sustentável deve ter pensado em tudo. Eles provavelmente têm algodão orgânico, mas também estão pensando nos trabalhadores da fábrica e em como fazer para que as pessoas comprem menos roupas. É realmente difícil para o consumidor, mas é a coisa clássica: siga o dinheiro. É fácil olhar como a empresa ganha dinheiro.
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