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Fundos levantam milhões para custear alunos pobres em faculdades de elite

Faculdade de Direito do Largo São Fransisco da Universidade de São Paulo (foto) tem fundo patrimonial para doação de bolsas para estudantes e reformas da fachada; os chamados endowment - Reprodução
Faculdade de Direito do Largo São Fransisco da Universidade de São Paulo (foto) tem fundo patrimonial para doação de bolsas para estudantes e reformas da fachada; os chamados endowment Imagem: Reprodução

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

21/03/2022 06h00

Muita gente quer doar recursos para a universidade onde estudou, por gratidão ou por acreditar na importância da educação para a sociedade. Nos últimos anos, projetos estão facilitando essa forma de doação no Brasil.

Em fevereiro, ex-alunos iniciaram um fundo para ajudar a financiar alunos, reformas e a conservação do patrimônio histórico da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). É o chamado endowment, um fundo patrimonial (leia mais abaixo).

A campanha de lançamento conseguiu a doação de 100 ex-alunos e conta com o compromisso de receber R$ 18 milhões para o fundo Sempre SanFran, afirma a presidente do conselho, Barbara Rosenberg. Segundo ela, o valor de cada doação é o equivalente ao custo médio de uma graduação na faculdade, ou R$ 185 mil, que serão pagos ao longo do período total do curso, de cinco anos.

O que é endowment?

Os endowments estão se tornando comuns no país. O método é um fundo patrimonial. Ou seja, o dinheiro das doações é investido no mercado financeiro. Assim que o investimento começa a render, o dinheiro é reencaminhado para o fundo - o endowment - e utilizado para bancar projetos aprovados por um conselho. Dessa forma, garante-se a perenidade do financiamento.

Rosenberg explica que o dinheiro não será dado diretamente para os estudantes e não há vínculo direto com a universidade, que é pública. Segundo ela, o fundo SanFran recebe doações privadas e repassa o dinheiro para projetos sociais que oferecem bolsas de estudo, financiamento de pesquisa e conservação do patrimônio. Ela garante que o doador não sabe quem vai se beneficiar da doação.

Lá fora e aqui

O endowment é usado por faculdades tradicionais para estimular a doação de ex-alunos que, geralmente, são parte da elite intelectual e financeira de uma região ou país. É uma tentativa de ajudar nas contas universitárias, incluir alunos mais pobres e estimular a filantropia.

O endowment da universidade privada Harvard, nos Estados Unidos, foi criado nos anos 70 e tem 5 bilhões de dólares com ajuda de 14 mil projetos de captação de doadores. Fundada em 1096, a Universidade de Oxford, no Reino Unido, que é pública mas possui taxas específicas, tem um fundo geral com investimento de mais de 1 bilhão de libras esterlinas, ou 8 bilhões de reais.

Além da SanFran, desde 2011 há o fundo Amigos da Poli, uma associação separada da universidade para financiamento de projetos de alunos e professores de áreas da engenharia na USP. Em 2020, o fundo declarou possuir mais de R$ 37 milhões para financiar 191 projetos com impacto entre 7 mil alunos. Em Campinas, interior de São Paulo, o recém-criado endowment da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) recebeu R$ 300 mil em apenas uma semana. Estima-se que o da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), que é privada, ajudou a formar mais de 13 mil estudantes. Em todos os casos, qualquer pessoa pode doar - não apenas ex-alunos.

Novos desafios para a inclusão

Para Rosenberg, a multiplicação desses fundos se deve a uma vontade crescente de doar entre os brasileiros, especialmente para instituições de ensino e saúde. Apesar do fundo Sempre SanFran não ser voltado unicamente para o financiamento de bolsas, Rosenberg especula outro motivo para o crescimento da mentalidade: as cotas. "As políticas de cotas mudaram a faculdade [de Direito da USP]", diz. "De 450 novos alunos por ano, 230 são de escolas públicas", acrescenta.

Para o professor da Faculdade de Direito da USP Floriano Peixoto, ex-diretor da instituição, os alunos cotistas são muito dedicados ao curso. Segundo ele, a média geral é de 2,5 alunos desistentes a cada leva anual de novos estudantes. Entre os cotistas, a taxa de desistência é de 0,8.

andre - Reprodução/Arquivo - Reprodução/Arquivo
André Cozer (foto), 22, estudante da Faculdade de Direito do Largo São Francisco é beneficiário de programas de permanência estudantil
Imagem: Reprodução/Arquivo

Peixoto diz que os cotistas vindos de outras cidades ou estados, ou os mais pobres, precisam de projetos para ajudá-los a estudar, morar e pagar as contas da vida na cidade. Daí a necessidade de projetos públicos e privados, como o já existente programa Adote um Aluno e, agora, o Sempre SanFran.

A adesão da USP ao sistema de cotas só se deu em 2017. O processo foi considerado lento por alunos e ativistas. À época, as cotas já existiam havia quase 20 anos em universidades públicas do Brasil. "A USP teve que esperar para não tomar uma decisão errada ou ia ser muito ruim para as cotas [como um todo]", afirma.

Para evitar que as doações privadas interfiram no ensino e na coordenação da universidade, Peixoto diz que os recursos não possuem contrapartida e que os doadores não sabem quem são os alunos apoiados.

O universitário André Cozer, 22, diz que seria impossível estudar na São Francisco sem apoio de bolsas de estudos de projetos sociais. Nascido em João Neiva, Espírito Santo, foi aprovado pelo Sisu como cotista PPI (Pretos, Pardos e Indígenas), mora em uma moradia estudantil e é beneficiado por uma bolsa de pesquisa da própria faculdade e por mais três projetos sem fins lucrativos.

Hoje, é coordenador de um núcleo de pesquisa e promoção de autores negros no ensino. Vê com bons olhos essa outra forma de financiamento. "É uma faculdade para atender a uma elite, mas que está passando por uma pequena revolução", conclui.