'Temos uma linguagem muito comercial em relação ao oceano', diz CEO de ONG
Na lista de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (os ODS da ONU), o número 14 sempre acaba ficando no fim da fila de prioridades das empresas -- e isso quando é lembrado. É ele que trata de "vida na água": "conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável".
"Eu costumo falar que o oceano é o grande elefante azul dentro da sala", diz Nathalie Gil, CEO da ONG Sea Shepherd Brasil, uma organização de conservação marinha.
"Ele é negligenciado porque está num ponto cego. As pessoas moram em áreas terrestres, veem a Amazônia pegando fogo, os desafios sociais, mas não veem o que está acontecendo debaixo da linha d'água".
Nathalie falou nesta quarta-feira (4) em dois painéis do evento South Summit Brasil, em Porto Alegre, um deles abordando a importância da água limpa para um planeta saudável.
Para ela, empresas olharem para os ODS como caixinhas em separado é um perigo, porque eles estão todos conectados de alguma forma. Ao separá-los como coisas independentes, há o risco de, ao corrigir um, afetar o outro, avalia.
Isso pode ser especialmente verdade quando se trata dos oceanos, que é onde todos os resíduos -- químicos, industriais ou domésticos -- vão parar de alguma forma. Nathalie conta, por exemplo, que encontrou a embalagem de um produto russo em uma praia do Rio Grande do Sul recentemente, enquanto fazia um trabalho da ONG.
Há cerca de três semanas, a Sea Shepherd deu início a uma expedição que seguirá de um extremo a outro do Brasil -- partindo do Chuí, no Rio Grande do Sul, até o Oiapoque, no Amapá -- coletando o lixo na costa brasileira, para entender melhor o que o está sendo colocado nos oceanos. A estimativa é que o trabalho dure cerca de um ano e meio.
Uma questão urgente
Nathalie aponta para a necessidade cada vez mais urgente de o mundo mudar o seu olhar para o oceano. "O desafio é que sempre olhamos para ele como quintal da nossa casa, sempre despejamos tudo da nossa produção nele, desde o início das civilizações. Mas agora estamos fazendo isso de forma exponencial e com dejetos que são cada vez mais danosos", afirma Nathalie.
"A gente tem uma linguagem muito comercial em relação ao oceano. A gente trata o oceano como um supermercado que está lá a nosso serviço. Chamamos ecossistemas de animais de 'estoques pesqueiros'; o que retiramos do mar vemos como 'toneladas'. Até o uso do termo 'frutos do mar' -- não é fruto, é um animal ali", avalia.
As estimativas mais conservadoras, diz ela, apontam que cerca de um trilhão de animais são retirados anualmente dos oceanos, e boa parte deles morre pela chamada "pesca acidental" -- não eram o alvo, mas foram pescados com os alvos.
Entre os navios ilegais de pesca identificados e interceptados pela Sea Shepherd, conta, um deles tinha cerca de 70 quilômetros de rede dentro do mar.
Uma estimativa citada durante o painel no evento aponta que, caso a sociedade siga o mesmo ritmo de consumo e descarte atual, a massa de plástico nos oceanos pode passar a de vida marinha por volta de 2050.
"O oceano não tem dono, ao mesmo tempo ele é de todo mundo. As soluções vão ser muito mais pensando em áreas marinhas protegidas e em regeneração. Regeneração é o ponto-chave aqui. A gente pode pensar em regeneração costeira -- os corais e os mangues são berçários de vida marinha".
Nathalie avalia também que há poucas informações sobre oceanos conhecidas e muitas das que circulam estão erradas. A ação para frear o impacto tem que ir muito além de cortar o uso de canudos de plástico, diz.
Onde puder cortar, corte, onde não puder, estude a melhor opção. Leia sobre as empresas, recuse aquilo cujo impacto você não conhece, tente entender consequências das tecnologias, se as embalagens que se dizem verdes são mesmo.
Nathalie Gil, CEO da ONG Sea Shepherd Brasil.
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