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10% da energia no mundo vem de usinas nucleares; você sabe seus impactos?

Vista da usina nuclear de Chernobyl na cidade fantasma de Pripyat, na Ucrânia - REUTERS/Gleb Garanich/File Photo
Vista da usina nuclear de Chernobyl na cidade fantasma de Pripyat, na Ucrânia Imagem: REUTERS/Gleb Garanich/File Photo

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

17/05/2022 06h00

Na batalha contra a emissão de gases causadores do efeito estufa, a União Europeia tem apostado neste ano em uma medida polêmica entre os ambientalistas: considerar a energia nuclear como energia verde. A decisão apresenta uma forte motivação econômica, já que países investidores em sistemas sustentáveis podem obter empréstimos mais abrangentes para financiar a geração de energia. Ao mesmo tempo, devido às sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia, a energia nuclear também passou a ser objeto de discussão entre governantes que buscam a substituição para o gás e o petróleo russos.

Hoje, segundo dados da Associação Nuclear Mundial (WNA, na sigla em inglês), existem usinas nucleares em operação em pelo menos 30 países, com mais de 400 reatores em funcionamento —o que inclui o Brasil, com as usinas Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro. Essas estruturas são responsáveis por 10,4% da energia elétrica produzida no mundo todo.

Embora estejam diretamente relacionadas a acidentes que provocaram devastação nas regiões de Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão, as usinas nucleares podem ser consideradas seguras? Quais os impactos da geração de energia nuclear? Ecoa ouviu especialistas na área para explicar essas e outras questões sobre o assunto.

Como funciona a geração de energia nuclear?

O professor Celso Duarte, do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que a energia nuclear é a energia existente dentro do núcleo dos átomos, a menor parcela de um elemento. Ocorre que os seres humanos não fazem uso diretamente desse tipo de energia. Para isso, é necessário um meio indireto. Reatores nucleares recebem pastilhas de urânio ou plutônio, que passam por um processo de fissão, ou seja, uma quebra.

Esse processo libera a chamada energia nuclear. "Quando se consegue liberar essa energia do núcleo do átomo, uma grande quantidade de calor é produzida. Esse calor é aproveitado, então, em um sistema para aquecer água, que se transforma depois em vapor. É o vapor que impulsiona turbinas do gerador de energia elétrica", diz.

A água que tem contato com o reator, por sua vez, permanece em um circuito fechado, a fim de ser reutilizada. Duarte observa que esse processo de aquecimento que, ao final, resulta em energia elétrica é parecido com o sistema das usinas termoelétricas que usam carvão. No entanto, no caso das usinas nucleares, não existe geração de dióxido de carbono, por não existir queima de combustíveis fósseis.

A energia produzida é limpa?

Do ponto de vista da emissão de gases poluentes, sim. No entanto, as usinas nucleares apresentam outros pontos envolvendo o meio ambiente que merecem atenção. Um deles é a extração do urânio, atividade de mineração que pode impactar o solo e a água, elenca o professor da UFPR. No caso do urânio tem-se, ainda, uma matéria-prima que não é renovável.

Outro ponto de destaque sobre os impactos das usinas nucleares é a geração de resíduos. "Chega uma hora em que essas pastilhas já geraram todo o calor que podiam, mas continuam radioativas", observa Duarte, acrescentando que os subprodutos do urânio, por exemplo, precisam ficar acondicionados em tambores especiais para evitar a contaminação do meio ambiente por material radioativo.

Esse tempo de armazenamento, salienta o professor Luís Mauro Moura, da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pode chegar a milhões de anos, dependendo do material radioativo. O urânio, por exemplo, precisa ser trocado a cada três anos nos reatores. "É um material cumulativo, de alto risco pelo tempo que precisa ser estocado. É como se deixássemos uma herança de milhões de anos", pontua.

Moura assinala que, no caso do plutônio, países como a França costumam reciclar esse tipo de material. Contudo, esse é um processo que pode ser dificultado pelo volume de resíduos gerados.

Quais os riscos gerados pelos resíduos nucleares?

Um desses riscos é o de vazamento, analisa o professor da Escola Politécnica da PUC-PR. Ele explica que os resíduos vão para tanques metálicos que, dependendo da tecnologia empregada, são postos em grandes piscinas que são concretadas posteriormente. Com o passar do tempo, entretanto, podem ocorrer rachaduras por causa do aquecimento provocado pelo resíduo nuclear.

Os vazamentos de material radioativo podem afetar tanto o solo quanto lençóis freáticos nas imediações. "Houve uma época em que a Alemanha enviava resíduos para serem estocados na África. Mas, mesmo com isso sendo estocado em cavernas, havia o risco de terremotos e a proteção ao urânio ser quebrada, provocando o vazamento do material no solo", comenta Moura.

Ele recorda que, na década de 1980, o Brasil registrou um acidente radioativo em Goiânia (GO), envolvendo Césio-137, e até hoje isso gera preocupação entre especialistas.

Radiação - Divulgação/CNEN - Divulgação/CNEN
Estádio Olímpico de Goiânia em 1987 nos trabalhos de contenção da tragédia do Césio 137
Imagem: Divulgação/CNEN

Um equipamento de radioterapia abandonado onde funcionava uma antiga clínica foi encontrado por catadores de papel, que procuravam chumbo para vender para um ferro-velho. Uma única capsula com o componente radioativo foi aberta e fragmentos do material, na forma de um pó azul brilhante, foram espalhados por diversos locais da cidade. Mais de 100 mil pessoas tiveram de ser monitoradas, sendo que quatro faleceram. Outras dezenas tiveram complicações, em maior ou menor intensidade, em decorrência do contato com a radiação.

Passados mais de 30 anos, grupos ainda medem a propagação da radiação na região para ter certeza de que não há riscos de contaminação do aquífero guarani, reserva subterrânea de água doce que abrange o estado de Goiás e outras regiões do país. "E tudo isso aconteceu com uma quantidade muito pequena de material", observa o professor, ao citar também o caso de Chernobyl como mais uma situação que precisa de constante monitoramento após o acidente nuclear.

Qual o impacto da radiação em seres humanos?

Em caso de acidente com resíduos radioativos ou usinas nucleares, Moura destaca a possibilidade de queimadura por radiação e mutações. Ambas podem levar à morte. "Em grandes concentrações, a radiação mata as células. Em doses menores, pode gerar mutações ou alterações genéticas, como o câncer", salienta.

Ele acrescenta que pessoas que trabalham em áreas envolvendo esse tipo de material também devem seguir uma jornada diferenciada devido à possível exposição à radiação. "Na França, o plutônio que será reciclado segue de trem para uma usina na região da Bretanha. A estrada de ferro, uma área fechada, por onde passam esses trens já tem uma radiação residual. Então, quem trabalha na linha férrea já tem um tempo menor de trabalho por causa disso", exemplifica.

Usinas nucleares são seguras?

Sim, desde que o controle, incluindo o de rejeitos nucleares, seja eficaz, apontam os professores da PUC-PR e da UFPR. Duarte ressalta que é preciso que haja pressão junto ao setor para que existam critérios rigorosos na manutenção dessas usinas. "Países mais desenvolvidos acabam tendo um contexto cultural mais aprimorado e uma consciência social maior, então o nível de exigência acaba sendo maior", acredita ele.

Moura, por outro lado, lembra que ter uma usina segura custa caro. E, dependendo do interesse econômico envolvido, os níveis de segurança podem ser baixados, a fim de baratear o custo da energia produzida. É neste ponto que os riscos aumentam. "Com isso, uma hora acontece um acidente", lamenta.