Plantando miniflorestas em escolas, projeto aproxima crianças da natureza
Faz quase um ano que uma nova floresta cresce dentro do CEU (Centro Educacional Unificado) Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo (SP). Em outubro de 2021, alunos e alunas do ensino fundamental se reuniram para plantar cerca de 125 tipos de árvores e plantas nativas da Mata Atlântica num espaço de 500 m².
O dia todo é marcado por um entra e sai de gente ali. A qualquer momento o silêncio no meio da pequena floresta é preenchido por barulho de pés correndo e gritos animados de crianças. Dessa vez, a turma que chega tem 3 e 4 anos. Correm muito, tropeçam, levantam, rolam no chão, brincam de subir em árvores e logo vão manchando as mãos e roupinhas de terra.
Acaba que qualquer pessoa que estiver por ali observando enquanto os meninos e meninas exploram o espaço entra na brincadeira também. Professores, educadores e até a reportagem que acompanhava a atividade tiveram que se virar nos trinta para ajudar alguém a caminhar pela trilha ou responder que tipo de semente era aquela que algum deles achou pelo chão.
Se você encontrar uma vagem seca, chacoalhá-la perto do ouvido e escutar um barulho, já pode ter certeza de que aquela é uma planta que a ciência conhece por crotalária, mas que a criançada apelidou de "planta puff" ou ainda "planta pum" por causa do som que ela faz ao ser apertada, como conta a educadora ambiental Gabriela Arakaki.
Para promover mais interações entre jovens e a natureza por meio de educação ambiental, em 2019, ela e o mestrando em antropologia da natureza Rafael Ribeiro se juntaram para criar a formigas-de-embaúba, uma organização sem fins lucrativos que tem plantado miniflorestas em escolas públicas da cidade de São Paulo — e que, desde março deste ano, é parceiro oficial da década da ONU (Organização das Nações Unidas) para a restauração de ecossistemas.
O trabalho da formigas-de-embaúba nas escolas acontece em duas frentes: uma é a formação em educação ambiental online para professores, que acontece toda terça e quinta-feira à noite. Os interessados vêm pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, uma das parceiras do projeto, e recebem aumento salarial por participarem.
A segunda frente diz respeito ao plantio das miniflorestas, um processo pedagógico com as crianças e jovens que dura entre seis meses e um ano e requer que as escolas tenham áreas propícias para receber a plantação.
Até agora os CEUs foram priorizados por terem espaços consideráveis (todos com mais ou menos 500 m², como o do Cidade Dutra), mas também por serem abertos à comunidade e estarem nas periferias da cidade. No ano passado, 4 CEUs da zona sul foram contemplados. Agora, a formigas-de-embaúba assinou um acordo de cooperação com a cidade de São Paulo para expandir a atuação para todas as áreas da cidade
"A gente está trazendo uma educação ambiental por um recorte que não se faz, muito menos em escola pública: estamos falando em restauração ecológica com um projeto super mão na massa, intenso, que dura meses. E tudo isso como forma de mitigar as mudanças climáticas e conscientizar a garotada sobre esse tema urgente", conta Rafael.
Semente e mão na terra
Divididos em turmas pequenas, os alunos e alunas que quiserem participar do plantio passam por seis encontros com a equipe de educadoras da formigas. No primeiro dia, todos circulam pelo espaço escolhido para perceber o ambiente com mais calma e curiosidade, prestando atenção ao verde, às plantas, árvores e aos bichos que existem por lá.
No segundo encontro é a vez de falar de árvores e da importância delas para o clima do planeta; no terceiro, o assunto é o solo. "Temos uma aula só sobre isso porque o solo é estruturante da floresta. Nós trabalhamos uma linha de plantio orgânica, sem fertilizantes, tudo respeitando os ciclos da natureza", conta Gabriela.
Já a quarta semana é reservada para as sementes. É quando os alunos e alunas passam a conhecer mais sobre as espécies que serão plantadas por ali.Todas elas são da Mata Atlântica, compradas de bancos de sementes de comunidades tradicionais, como a do Vale do Ribeira ou as de milho que vêm de territórios indígenas dos Guarani Mbya.
Com as sementes em mãos, vem a parte preferida de todos: a plantação. A formigas-de-embaúba segue o método Miyawaki, desenvolvido nos anos 70 pelo botânico japonês Akira Miyawaki, que consiste em restaurar a vegetação nativa com a plantação de muitas variedades de sementes e mudas em um espaço pequeno.
"Os alunos se sentem como sujeitos de transformação positiva, pois não aprendem só que o ser humano destrói a floresta. Eles passam a entender os problemas que temos com a destruição do meio ambiente, mas ao mesmo tempo aprendem que há solução. Que dá para seres humanos e natureza coexistirem. E pelo menos ali eles vão conseguir construir esse tipo de relação com as áreas verdes", diz Rafael.
É na sexta semana que fica mais clara a intimidade que a criançada criou com aquela minifloresta. Esse encontro é mais livre. No meio da mata, as educadoras formam um círculo com um pano e papéis que estampam fotos e informações mais científicas sobre as árvores que estão ali.
Um menino de 3 anos vem segurando uma semente de abacate. Encontrou na rua, jogada no chão próximo a um bueiro. Quis pegar e trazer para a escola para plantar, e só não conseguiu porque no meio da vivência com os amiguinhos acabou a perdendo pela minifloresta.
Mas a todo momento aparece uma menina ou menino com a mão fechada em torno de algo para plantar. As sementes da juçara, uma palmeira ameaçada de extinção, são as mais presentes. Outro menino da mesma turma encontra seis delas. Planta todas. Uma pequenina vem toda animada contando que plantou uma que vai ficar gigante. Mas não tão grande quanto ela, completa.
Das 9h até as 17h, as educadoras recebem diferentes turmas e propõem uma atividade: construir um apetrecho com pedaços de floresta que eles encontrarem por ali. Logo começa a caçada com um monte de criança indo de lá para cá atrás de algo. Juntam pedras, galhos, folhas e sementes. Amarram tudo junto com linha e está pronto. Agora, o objeto vai ficar pendurado na sala de aula como uma forma de lembrar os alunos e alunas a continuarem os cuidados com a floresta, mesmo sem a presença da galera da formigas-de-embaúba.
Rafael conta que alguns até escrevem cartinhas para as árvores que plantaram. "A natureza me faz esquecer dos meus problemas", escreveu um menino do nono ano. "Não machuque as árvores", pediu outro.
Como o projeto depende da ajuda financeira de apoiadores, Rafael e Gabriela vivem um processo constante de conversas com institutos e pessoas físicas que queiram se tornar apoiadores. O grande sonho dos dois é conseguir expandir a formigas-de-embaúba para cada vez mais escolas das redes públicas espalhadas pelo estado e, quem sabe, pelo país.
"As escolas mudam todo um território, mudam uma comunidade. E a gente tem muita escola pelo Brasil, o que ganha uma capilaridade, mais possibilidade de formar algumas gerações mais conscientes e próximas da natureza."
Gabriel Arakaki, cofundadora da formigas-de-embaúba
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