Árvores maiores que o Cristo Redentor terão proteção 'especial' na Amazônia
Um vale recluso com dezenas de árvores gigantescas. Não é um conto de fadas. No Vale do Jari, no Amapá, cientistas descobriram espécies com mais de 80 metros de altura - mais que o dobro do tamanho do Cristo Redentor (38 metros). Para se ter noção, a altura média das árvores amazônicas é de 50 metros.
Em breve, um decreto estadual deve conceder proteção e reconhecimento especial às gigantes. A iniciativa pode ser o início para a pesquisa e conservação das espécies na Amazônia e no Brasil.
Segundo o promotor Marcelo Moreira, o objetivo é estabelecer qual o tamanho da área que deverá ser reconhecida como "vale das árvores gigantes" com o futuro decreto do governador Waldez Góes (PDT). O cálculo estima cerca de 1 mil hectares como lar das gigantes. Segundo Moreira, o estudo está nas últimas etapas de articulação com o governo.
As expedições para mapeá-las foram realizadas em 2019 e 2021. Localizá-las só foi possível com um radar capaz de analisar a floresta na posição horizontal e determinar a diferença de altura entre as copas das árvores. As gigantes foram encontradas em áreas difíceis de chegar. São 220 quilômetros de barco e 10 horas a pé na mata. Os cientistas só alcançaram a maior delas na segunda tentativa.
O isolamento é uma proteção contra o corte ilegal, mas a promotoria pretende criar um raio com interesse ecológico para incentivar o estudo e a conservação das espécies e de toda a área. "Seria como um tombamento histórico", resume Moreira.
A história das árvores gigantes
As árvores gigantes do Jari são de um período anterior à colonização portuguesa do Brasil. O Angelim Vermelho, por exemplo, com 88,5 metros de altura, tem entre 500 e 600 anos de idade. "São monumentos. Elas viram o que nós não vimos", afirmou à época o chefe da expedição, Eric Bastos Gorgens, professor do Departamento de Engenharia Florestal na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Em comum, as gigantes no Amapá crescem mais do que as outras para dominar o acesso à luz. O crescimento é lento, o que costuma torná-las valiosas para o corte.
O decreto do governo destacaria a importância da conservação das gigantes para o meio ambiente e para contar a história natural do nosso país. "A ideia é criar uma proteção jurídica e simbólica", acrescenta o promotor Moreira. Os promotores têm pressa. A discussão sobre terras no Amapá é histórica.
Amapá: a terra das gigantes
A divisão do Amapá atual é recente. Antes da Constituição de 1988, era considerado um território da União e só recebeu a autonomia do estado em 1991. No passado, o local foi disputado por franceses, espanhóis, holandeses, ingleses e portugueses em busca de um ponto estratégico na Amazônia.
Em 1637, Portugal impôs uma capitania no Amapá enquanto jesuítas e franciscanos entravam no território para tentar catequizar povos indígenas que sempre estiveram ali, como os Karipuna, Palikur, Waiãpi e Galibi. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o Amapá foi o primeiro estado onde todas as terras indígenas foram reconhecidas pela União.
Apesar das três décadas como estado, a União continua a doar milhares de hectares para a administração estadual. Só em 2022, foram doados 159 mil hectares para o governo amapaense, que também fez concessões para empresas madeireiras internacionais, como a TW Forest, explorarem trechos da unidade de conservação da Floresta Estadual do Amapá. A presença tem gerado atrito entre ambientalistas e empresários.
O objetivo da promotoria com o decreto é deixar claro até onde a concessão pode explorar e prevenir eventuais impactos às gigantes — especialmente às que ainda não foram encontradas.
Nas contas dos pesquisadores, é difícil precisar quantas delas existem na Amazônia. Nas contas do chefe da expedição, as árvores encontradas até agora representam só 0,16 % de toda a área amazônica.
As árvores gigantes não são exclusivas da Amazônia, mas precisam da quantidade correta de chuva, vento e luminosidade para vingar. As áreas de proteção e territórios indígenas explicam como os exemplares amapaenses podem ter sobrevivido ilesos até hoje.
Em 2018, por exemplo, uma imbuia com 535 anos foi cortada no município de Vargem Bonita, Santa Catarina, a cerca de 400 km de Florianópolis. O objetivo era transformá-la em cerca. O corte estimulou biólogos e policiais ambientais à busca por araucárias gigantes, algumas com mais de 2 metros de diâmetro, ainda resistentes em uma Mata Atlântica cada vez mais devastada.
No Amapá, o promotor Moreira acredita que o decreto usaria leis ambientais já existentes contra infratores. Para ele, é cedo para uma lei nacional só para as gigantes. Mas é um começo. "É uma boa ideia", conclui.
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