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Colômbia: promover transição energética é inovador para esquerda latina

Gustavo Petro e Francia Márquez ao oficializarem a candidatura à presidência da Colômbia em março de 2022 - NurPhoto via Getty Images
Gustavo Petro e Francia Márquez ao oficializarem a candidatura à presidência da Colômbia em março de 2022 Imagem: NurPhoto via Getty Images

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

21/06/2022 13h44

A Colômbia elegeu no domingo (19) uma nova chapa presidencial. O ex-senador e ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro irá comandar o país pelos próximos quatro anos tendo a advogada e ambientalista Francia Márquez como vice. Márquez é também a primeira mulher negra a chegar ao executivo federal.

O programa de governo da dupla propõe uma "economia para a vida", centrada em transformações voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade. Entre as propostas, estão a proteção da água, de selvas e bosques, a transição para fontes de energia renováveis e para uma economia circular rumo ao lixo zero.

Em seu primeiro discurso após ser eleito, Petro atribuiu o resultado do pleito ao voto da juventude e das mulheres colombianas e falou sobre como pretende governar, mencionando ser preciso "produzir respeitando a natureza, que significa justiça ambiental".

"Agora que falamos de natureza, vou fazer um parênteses para falar ao mundo: queremos que a Colômbia — e será a prioridade da política diplomática — se coloque à frente da luta contra as mudanças climáticas no mundo", complementou.

Presidente e vice têm compromisso com o meio ambiente

Economista de formação, Petro se aproximou da pauta ambiental nos anos 1990, quando ocupou um cargo na embaixada da Colômbia na Bélgica. Lá teve a chance de se especializar em meio ambiente e desenvolvimento populacional na Universidade Católica de Louvain. A questão ambiental se tornou, então, ao lado da justiça social, sua maior preocupação.

Já o ambientalismo da vice Francia Márquez está enraizado no território colombiano: começou aos 13 anos lutando com sua comunidade para proteger um rio da região de La Toma e liderou em 2014 um movimento de mulheres contra a mineração ilegal. Seu ativismo lhe rendeu prêmios nacionais e internacionais, incluindo o Goldman, o "Nobel do Meio Ambiente", mas também ameaças de morte que a obrigaram a sair da região onde nasceu.

A Colômbia é o país mais perigoso para ativistas ambientais no mundo. Segundo a organização inglesa Global Witness, 65 ativistas foram mortos no país em 2021.

Transição energética como saída

A Ecoa, o ex-ministro do meio ambiente do Peru entre 2011 e 2016 Manuel Pulgar Vidal lembrou que a Colômbia vinha liderando a agenda climática na América Latina na última década junto a países como Chile e Costa Rica.

"Com o presidente Santos, a Colômbia teve uma agenda ambiciosa de conservação de áreas protegidas terrestres e marinhas, e com Duque aumentaram sua NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, compromisso voluntário dos países signatários do Acordo de Paris] para 52%, uma das maiores da América do Sul. Na COP 26, Duque foi muito ativo e apresentou o Plano da Colômbia para zerar emissões líquidas de carbono até 2050. O país é ainda um dos líderes da América Latina na incorporação de veículos elétricos", disse Vidal.

Para Natalie Unterstell, presidente do think tank de política climática Talanoa, o que as propostas de Petro e Márquez trazem de novo é a qualidade do tratamento dado ao tema da mudança do clima, levando em conta questões raciais e de justiça social embutidas nele.

"É uma lufada fresca. Chile e agora Colômbia estão propondo 'reprogramar' o algoritmo político [com relação à pauta ambiental], inclusive para melhor se conectar com as juventudes"
Natalie Unterstell, presidente da Talanoa

Ela chama atenção especial para a intenção do novo governo colombiano de promover a transição energética, colocando-a como uma pauta na América Latina. "Isso é absolutamente inovador porque rompe uma tradição das esquerdas latino-americanas de pensar sempre no petróleo como a saída para o desenvolvimento", disse a Ecoa.

Unterstell também aponta que a agenda climática não foi colocada simplesmente como um verniz na campanha de Petro, mas tratada de forma madura, sem deixar de considerar "dificuldades que vão requerer muito capital político e mobilização da sociedade para serem vencidas".

Vice-presidente pode influenciar escolhas no Brasil

A agenda climática vem ganhando força em eleições presidenciais mundo afora — em países da Europa, como França e Alemanha, nos Estados Unidos, na Austrália, no Chile e agora na Colômbia. "É uma agenda que se impõe pelos riscos climáticos que vêm se avolumando e colocando muita gente sob perigo, principalmente populações mais pobres", disse Unterstell.

Na América Latina, isso ainda acontece de maneira tímida para o ex-ministro peruano. Segundo Vidal, grande parte da região se encontra presa na "armadilha dos combustíveis fósseis", com modelos de desenvolvimento econômico dependentes da extração de petróleo e gás natural.

É o caso de países como Venezuela, Equador, Peru e Bolívia, que os impede de traçar um plano ambicioso para zerar emissões e realizar a transição energética. Vidal cita ainda os governos populistas de países como Brasil e Bolívia, que são inimigos do debate climático e provocam um aumento das taxas de desmatamento.

"A América Latina ainda não descobriu o caráter econômico dos objetivos climáticos e os tomadores de decisão não estão cientes da perda que os países que não conseguirem atingir metas de descarbonização irão sofrer"
Manuel Pulgar Vidal
Ex-ministro do meio ambiente do Peru

Ainda assim, a pauta climática deve se fazer presente nas eleições brasileiras de 2022 e a nova presidência da Colômbia surge como uma referência importante, na visão de Unterstell. O governo colombiano pode mostrar aos países da região que é preciso fazer uma transição completa para uma economia de baixo carbono, em que a questão energética não venha depois do combate ao desmatamento, mas em conjunto.

Para Unterstell, o fato da vice colombiana ser uma ativista ambiental negra que fala com propriedade dessa pauta também pode influenciar "futuras escolhas de gabinetes, de ministérios, caso a gente veja uma mudança na cadeira presidencial esse ano no Brasil".