'Mano Down': Instituto quer impactar 26 mil pessoas com Síndrome de Down
Quando o irmão de Leonardo Gontijo nasceu, ele tinha 12 anos. Os médicos chamaram seus pais dizendo que tinham más notícias: segundo eles, o garoto não poderia andar nem falar. Diagnosticado com Síndrome de Down, ele teria chances de viver apenas até os quatro anos. "Até hoje é assim —e a gente tenta mudar um pouco esse olhar sobre a pessoa com deficiência", explica Leonardo, sobre o trabalho do Instituto Mano Down.
Trocar a ideia de exclusão por oportunidade é o objetivo da organização não governamental criada pelo advogado em Belo Horizonte (MG). "Só convivendo com a diversidade é que a gente muda um preconceito e aprende", defende ele que, há pouco mais de 30 anos, viu nascer a pessoa que transformaria sua visão de mundo: o irmão Eduardo.
De acordo com o fundador do instituto, no ano em que Eduardo nasceu, a expectativa de vida das pessoas com Síndrome de Down era de 20 anos e menos de 10% eram alfabetizados. Agora, a expectativa de vida chegou a 60 anos, mas a alfabetização mantém o índice. "Em 2022, 70% dos pais ainda abandonam o filho com deficiência e 73% da geração do meu irmão ainda são abusados sexualmente. Não consegui ficar indiferente a esse contexto."
Criada em 2011, a ONG tem o intuito de dar suporte a pessoas com deficiência intelectual. Segundo o fundador e presidente do Instituto Mano Down, o objetivo é promover a inclusão de acordo com as potencialidades de cada um.
A sociedade enxerga como problema, mas a gente não vê pessoas como problema. Produto tem rótulo, pessoas, não. Aqui, a gente trabalha a singularidade de cada indivíduo. Em vez de ver limitação, a gente vê potência. Isso vale pra todos. Vale para mim, vale para a equipe.
Leonardo Gontijo, fundador do Instituto Mano Down
Ele exemplifica a metodologia com a história do próprio irmão que, a partir do interesse por instrumentos musicais na infância, descobriu na música uma paixão e um caminho profissional.
"Aqui, a gente parte do princípio de achar um caminho para cada pessoa. O Dudu quis ser músico e, em casa, ninguém tocava nada. Minha mãe foi atrás de oito professores e todos recusaram porque ele tinha Down. Quando ela encontrou um que topou dar aula, o professor descobriu que ele era bom memorizando números. Então, olha que interessante, o Dudu aprende música por matemática e não sabe multiplicar. A inteligência social e musical do Dudu é muito maior que a minha."
Hoje, Eduardo é diretor de relações públicas do Instituto Mano Down. Conhecido como Dudu do Cavaco, seu instrumento preferido, ele já se apresentou para mais de 50 mil pessoas no Mineirão. Aos 31 anos, ele toca 10 instrumentos, como pandeiro, surdo, ganzá, tamborim e o teclado —este último aprendido durante a pandemia.
Casado com Vitória, modelo de 26 anos que ele conheceu no instituto e que também tem Síndrome de Down, Dudu passa alguns dias da semana na casa dos pais, outros na casa dos sogros e também na do irmão. Se ele gosta dessa rotina? "É ótimo", diz, sem pestanejar.
O casal tem treinado a autonomia e Dudu já anda de Uber pela cidade. "A independência total não chegou ainda", explica o irmão Leonardo.
E o que ele aprecia no instituto batizado em sua homenagem? Dudu explica: "Lá é a minha segunda casa".
Primeiro ecossistema de inovação social do Brasil
O Mano Down inaugurou, recentemente, o primeiro ecossistema de inclusão e inovação social do Brasil, localizado na capital mineira. Ele é composto pela sede do instituto, um café e uma loja, um hub de empreendedorismo e uma sala pedagógica —todos na mesma rua.
A sede é o ponto principal do ecossistema e tem capacidade para atender mais de 2 mil pessoas. Em frente, uma loja e um café servem de ponto de encontro para os jovens atendidos pelo instituto e para a população da cidade. No local, os atendentes e garçons são pessoas com Síndrome de Down.
A sala pedagógica é voltada para o reforço escolar, já que as pessoas com deficiência que frequentam a escola regular podem ter mais dificuldade com alguns conteúdos.
Para aumentar a inclusão no mercado de trabalho e para gerar renda para essa população, o hub de inovação serve como uma "incubadora" que investe em 20 empreendedores com deficiência. Segundo o censo realizado pelo Mano Down, a capital mineira tem 25 mil pessoas com deficiência intelectual. Desse total, menos de 80 geram renda.
"No hub incubamos empreendedores de diferentes segmentos, como massagistas, fotógrafos, assim como pessoas que fazem camisas ou doces. Além das pessoas com deficiência, há as mães que, muitas vezes, param de trabalhar para cuidar dos filhos. Então, no hub, a gente cede a matéria-prima e elas fazem pano de prato, camiseta, e a gente vende nas lojas, gerando renda para elas", explica Leonardo.
Com o ecossistema, o intuito, segundo o criador da iniciativa, é fazer a calçada mais inclusiva do mundo.
A gente quer mudar os olhares. Se uma pessoa que estiver passando na rua aqui em Belo Horizonte e vir um garçom com Down, quando ela tiver um filho ou um parente [com a síndrome] ela vai ver que isso é natural.
Preparação para o mercado de trabalho
Leonardo afirma que o instituto tem impacto direto na vida de cerca de mil crianças, adolescentes e adultos com Síndrome de Down por meio de ações de capacitação, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, atendimento psicológico, hidroterapia, oficinas de arte, esportes e reforço escolar. Indiretamente, em 2021, ele estima que 100 mil pessoas tenham sido impactadas.
O instituto também atua no mercado de trabalho e emprega mais de 10 pessoas com deficiência intelectual. "A minha secretária tem Down, o café tem cinco, na loja tem dois e ainda tem as ajudantes. A gente gera emprego", destaca o fundador.
Por meio de parcerias, o Mano Down também ajudou a incluir 34 pessoas com Síndrome de Down em empresas como a MRV, a Vivo e a Minas Ligas.
Existe um pouco de resistência, mas a gente vai quebrando. Como? Com atitudes. A gente comprova, por exemplo, que ter uma pessoa com deficiência na empresa melhora o clima organizacional. Ter uma pessoa com deficiência intelectual na equipe melhora em 70% o consenso porque você fala mais devagar, respeita o ritmo do colega. Isso é bom para todo mundo.
'Meu filho quase não falava; hoje é um rapaz alegre e divertido'
Uma das pessoas a conseguir um emprego com a ajuda do instituto foi João Vitor Moreira Morato, 22 anos. Segundo sua mãe, Eldelucia Teresa Moreira, o Mano Down foi um divisor de águas na vida do jovem. "O João era muito tímido, quase não falava. Hoje ele se comunica muito bem. É um rapaz alegre, divertido. Passar o tempo ao lado dele é muito prazeroso. Essa foi a transformação que o Mano Down trouxe para nossas vidas."
No instituto, João desenvolveu diversas habilidades por meio das atividades que frequentou —de teatro e zumba a capoeira, ioga, dança de salão e culinária— e, com o seu talento, acabou conquistando uma vaga de auxiliar administrativo em uma empresa de advocacia, emprego que, segundo sua mãe, ele ama.
Ainda hoje, o Mano Down é presente na vida de João Vitor. Na semana em que conversou com a reportagem, ele fazia um curso de barista no instituto e tinha trabalhado de garçom em uma festa, no fim de semana anterior, também indicado pela organização.
O fundador, Leonardo Gontijo, tem planos ambiciosos para o instituto e quer, até 2030, impactar diretamente 26 mil pessoas com deficiência intelectual e outras 2,5 milhões de pessoas sem deficiência indiretamente.
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